Teologia do Livro de Números

Teologia do Livro de Números

Teologia do Livro de Números


R. K. Harrison (2008)


Deus é imanente

Números enfatiza, de muitas maneiras, a presença constante de Deus entre Seu povo e com ele. A nuvem que cobria o tabernáculo demonstrava que Yahweh não era um Deus distante e inacessível, mas que permanecia entre o povo, mesmo em face de suas freqüentes falhas. Balaão, vidente pagão e teólogo involuntário, afirmou que o Senhor seu Deus é com ele, no meio dele se ouve a aclamação dum rei (23.21). Igualmente, os cananeus reconhecem o fato (14.14), mas Israel constantemente desprezava essa realidade tão preciosa. Vale também lembrar que essa presença se manifestava em graça (Arca, Dia de Expiação), mas também em ira e disciplina (11.25; 16.19, 42; 20.6).

Deus é poderoso

Enquanto que em Gênesis o poder de Deus é visto em sua força criativa e destrutiva, e em Êxodo é demonstrado por Sua soberana intervenção nos fenômenos da natureza, em Números ele se encontra na provisão sobrenatural para uma população enorme (cf. 11.4-6, 31-35; 20.1-13) e nos meios incomuns pelos quais Yahweh disciplina os pecados de Seu povo. Todos eles estão relacionados a manifestações da ira divina por intermédio de fenômenos raros como a abertura da terra, o florescer da vara de Arão e a cura pelo olhar para uma serpente de bronze.

Deus demonstra ira

Com esta expressão, quer-se dizer que Yahweh se levanta em ira santa contra violações e violadores de Seus justos padrões morais e pactuais (e.g, contra Arão e Miriã [12.9], contra a nação incrédula em Cades [14.10-12], contra o violador do Sábado [15.32-35] e contra o próprio Moisés [20.12,13]). Se termos como essencial e secundário aplicam-se a Yahweh, o Deus eterno, podemos dizer que a ira divina é um atributo “secundário”, a manifestação terrena de sua santidade ou verdade ofendidas. Essa ira, embora “tardia” em sua manifestação, é tão segura quanto as misericórdias e as promessas da aliança.

Uma das questões principais levantadas pelo livro de Números gira em torno deste atributo. “Podemos nós, como nação, sobreviver à ira de Yahweh, uma vez que tantos e tão grandes sucumbiram diante dela?”. Balaão traz a resposta, às vezes crítica, às vezes cômica, mas correta na predição de que a promessa patriarcal ainda era válida e ainda seria cumprida (cf. 23.20 e 24.9).

Deus é misericordioso

A despeito dos repetidos fracassos da geração do Êxodo e das falhas da geração do deserto às portas da Terra Prometida, Yahweh repetidamente manifestou a Sua misericórdia, isto é, Sua aquiescência para com a intercessão feita por Moisés (e Arão) para que Ele poupasse a Israel a porção merecida da justa ira de Deus. Assim acontece no caso de Miriã (12.9-15), com toda a nação em Cades (14.10-20), depois da rebelião de Corá (16.41-50) e no episódio das serpentes, próximo a Edom (21.4-8).

Mesmo a legislação outorgada depois que a aliança mosaica havia recebido sua forma mais completa revela a misericórdia de Yahweh. Com uma taxa de mortalidade de pelo menos quarenta adultos por dia, a provisão da água purificadora (Nm 19) era crucial para a continuidade da vida civil e religiosa, removendo a contaminação do pecado representado pela morte.

Deus é fiel

Talvez o mais notável atributo divino encontrado no livro de Números é a fidelidade demonstrada por Yahweh para com o Seu povo errante. Ele mantém Sua promessa incondicional aos patriarcas, a despeito das sucessivas falhas do povo em se conformar às promessas condicionais de bênção encontradas na aliança sinaítica.

Balaão, o adivinho pagão, é o agente involuntário na revelação do compromisso divino de não apenas abençoar Israel de maneira geral, mas de conceder-lhe todo o espectro das bênçãos prometidas a Abraão.

Dentro do tema da fidelidade de Yahweh, há um elemento de polêmica contra falsos deuses no inclusivo que é formado pela mensagem de Balaque a Balaão (... porque eu sei que será abençoado aquele a quem tu abençoares, e amaldiçoado aquele a quem tu amaldiçoares, 22.6) e pelo terceiro oráculo de Balaão (Benditos os que te abençoarem, e malditos os que te amaldiçoarem, 24.9). O servo de deuses falsos não pode amaldiçoar o povo do Deus verdadeiro, e Ele repete a promessa divina a Abraão (Gn 12.3). Na Sua fidelidade, Yahweh sobrepuja o poder de reis e nações para estabelecer Israel segundo a promessa.