Interpretação de Marcos 15

Marcos 15

15:1. Este versículo descreve uma segunda reunião do Sinédrio muito cedo de manhã. Lucas 22:66-71 dá um registro mais completo desta fase no tribunal judeu. Parece que houve uma tentativa de tornar legal a condenação, uma vez que era ilegal realizar um julgamento à noite. Dessa vez os romanos não permitiram que os judeus aplicassem a sentença de pena capital. Consequentemente foi necessário levar Jesus a Pilatos, que era o procurador romano que governava a Judeia.

15:2. O julgamento romano foi descrito em 15:2-15. Para uma narrativa mais completa do mesmo veja Jo. 18:28 – 19:16. Uma das acusações era que Jesus dizia-se rei, e foi por causa dessa alegação que Pilatos fez a pergunta. Uma reivindicação real era terreno para se julgar por traição. A resposta de Jesus, Tu o dizes, é suscetível de diversas interpretações. Entretanto, à luz de Jo. 18:34-38, é melhor entendê-la como resposta afirmativa, a qual, conforme João diz, foi acompanhada de uma explicação sobre que tipo de rei Jesus dizia-se ser.

15:3, 4. Estes versículos descrevem os principais sacerdotes quando jogaram uma barragem de acusações contra Jesus. Tão maldoso foi o ataque que Pilatos não pôde entender a calma conduta do prisioneiro (cons. v. 5).

15:6. O governador estabelecera prática de soltar um dos presos todos os anos durante a Páscoa, talvez como tentativa de manter a boa vontade dos judeus. Os verbos soltar e pedissem, ambos estão no tempo imperfeito, mostrando que esses atos eram costumeiros, isto é, era costume soltar...

15:7. O prisioneiro Barrabás não era um ladrãozinho qualquer. Era um salteador (Jo. 18:40), como também um insurreicionista e assassino. Parece que o homem era um judeu que participara de uma revolta contra Roma, um crime muito parecido com aquele de que os judeus acusavam Jesus (Ezra P. Gould, Mark, pág. 285).

15:8. Dando gritos. (ERC) Os melhores manuscritos antigos dão anabas, “subiu”. A multidão pediu a Pilatos que fizesse o que sempre costumava fazer (fizesse como de costume, gr. imp.) soltando um prisioneiro. Parece que a multidão estava pedindo a soltura de Barrabás, uma vez que talvez fosse uma espécie de herói deles por causa de sua participação na rebelião contra Roma.

15:11. A esta altura a multidão talvez estivesse tentada a pedir que soltasse Jesus, mas os sacerdotes incitaram a multidão a pedir Barrabás. A palavra anaseiô significa “incitar, instigar”, ou mais literalmente, excitar, conforme demonstra a agitação excitada da populaça.

15:15. Querendo contentar a multidão. A expressão grega (tohikanon poêsai) indica que ele estava desejoso de satisfazer os judeus, mesmo que para fazê-lo tivesse de sacrificar um homem inocente. Açoitar. Esse ato foi realizado com um chicote feito de tiras de couro com ásperos pedaços de metal atados às pontas. A vítima era reclinada sobre um poste baixo, e o castigo era aplicado sobre as costas nuas. Muitas vezes os cortes profundos abriam a carne até os ossos.

15:16. Ainda não eram 9 horas da manhã. O julgamento diante de Pilatos foi seguido muito de perto da crucificação (15:16-41). Os soldados a quem Jesus foi confiado eram militares romanos sob a jurisdição de Pilatos. O palácio. A palavra grega é aulê, “pátio”, como em 14:54, onde foi traduzido também para “palácio”. Marcos explica que era o pretório, um termo que pode muito bem se referir tanto ao palácio de Herodes como à fortaleza de Antônia, onde as tropas romanas estavam aquarteladas (cons. Arndt, pág. 704). De qualquer maneira, parece referir-se ao quartel dos soldados. A corte romana era formada de aproximadamente seiscentos homens. Entretanto, o número variava de acordo com a situação, e neste exemplo poderia ser bem menor.

15:19. Os três verbos, Davam, cuspiam e adoravam estão todos no imperfeito, descrevendo a repetição desses atos. Soldado após soldado zombava cruelmente da mal-interpretada reivindicação de Jesus de ser um rei.

15:21. João 19:17 explica que quando o cortejo partiu para a execução, Jesus estava levando a sua própria cruz. Logo depois, entretanto, os soldados deram com Simão e o obrigaram a carregar o instrumento da execução. A identidade desse homem era evidentemente conhecida dos leitores romanos de Marcos, pois Marcos menciona seus filhos, Alexandre e Rufo, como se fossem pessoas conhecidas. Havia um Rufo em Roma quando Paulo escreveu a Epístola aos Romanos (16: 13).

15:22. Gólgota é uma palavra aramaica que quer dizer caveira. O local era provavelmente assim chamado por causa do seu formato. O sítio que tradicionalmente é defendido por muitos é o da Igreja do Santo Sepulcro. Outros insistem na colina conhecida como o Calvário de Gordon. No interesse da objetividade devemos admitir que, no presente momento, uma identificação acurada do local é impossível.

15:23. Deram-lhe. O tempo imperfeito, edidoum, ficaria melhor traduzido para eles iam lhe dar. Jesus recusou a bebida depois de experimentá-la e descobrir o que era (Mt. 27:34). Mirra servia como entorpecente administrado para minorar a tortura da horrível morte pela crucificação. Jesus, entretanto, recusou permitir que essa poção estupefaciente anuviasse seus sentidos.

15:24. Os detalhes da crucificação estão ausentes em todos os Evangelhos. Sabe-se de Jo. 20:25 que cravos foram usados para prender suas mãos na cruz. A crucificação foi reconhecida como uma das mais cruéis formas de execução empregada no mundo antigo. Frequentemente a vítima era abandonada sobre a cruz por diversos dias antes que a morte aliviasse seu intenso sofrimento. As vestes da pessoa condenada ficavam para os executantes.

15:25. A hora da execução coloca-se na hora terceira, que era a designação judia para as 9 horas da manhã. O julgamento diante de Pilatos aconteceu na sexta hora, de acordo com o tempo romano, que seria às 6 horas da manhã (cons. Jo. 19:14).

15:26. Costumava-se usar qualquer tipo de placa indicando o nome e a acusação do condenado. Marcos dá apenas o crime do qual Jesus foi acusado. João indica que o título também continha a identificação Jesus Nazareno (19:19). Não há contradição; Marcos é apenas mais conciso.

15:27. Os dois criminosos que foram crucificados com Jesus eram mais do que reles ladrões. Conforme 14:48, lêstês significa “salteador, assaltante”.

15:29, 30. Blasfemavam dele. Os transeuntes blasfemavam (eblasphêmoun, imp.) de Jesus. Meneando as cabeças. Sacudiam as cabeças em desaprovação desdenhosa. A lógica por trás do seu sarcasmo era um argumento de cima para baixo. Se ele podia reconstruir o Templo em três dias, podia certamente e com toda facilidade descer da cruz.

15:31. Os principais sacerdotes e os escribas também participavam da zombaria, mas entre si. Seu, muitas vezes, repetido sarcasmo referente à incapacidade de Cristo de se salvar era na realidade uma negativa de que ele pudesse ajudar alguém. Se não podia livrar-se do sofrimento e morte, como poderia livrar outra pessoa?

15:33. Passaram-se três horas; era o meio do dia, a hora sexta. Quando o sol estava em todo o seu esplendor, houve trevas (egeneto) sobre toda terra. Não poderia ter sido um eclipse total que escurecesse toda a terra, Lenski argumenta (Lenski, Interpretation of Mark, pág. 713-714), pois a Páscoa acontecia na lua cheia, quando tal eclipse não era possível. O que causou as trevas não foi declarado. Certamente o fenômeno foi sobrenatural. A hora nona era às 15 horas (veja v. 25).

15:34. Jesus ficou na cruz durante seis horas. Seu gato foi uma citação do Sl. 22:1. Eloí, Eloí, lamá sabactâni é uma transliteração do aramaico, a língua nativa de Cristo. Marcos, como de costume, deu o significado da expressão aramaica para os seus leitores romanos. Esse grito de abandono fornece um vislumbre do sofrimento íntimo de Cristo na cruz. Sua maior agonia não foi física; foi, antes, agonia da alma quando levou sobre si a culpa do pecado do mundo. O sentido no qual Deus desamparou Cristo foi que o Pai interrompeu a comunhão com o Filho. Deixou de manifestar o seu amor em relação ao Filho. Em vez disso, Cristo tornou-se o objeto do desprazer do Pai, pois era o Substituto do pecador. Cristo se tornou “pecado por nós” (II Co. 5:21), e um Deus santo não pode olhar para o pecado com agrado.

15:36. O vinagre era vinho azedo que matava a sede mais depressa do que água (Arndt, págs. 577, 578). Considerando que não era uma mistura entorpecente como a do versículo 23, Jesus aceitou-a sem protesto (cons. Jo. 19:29,30). Se Elias vem. Não temos motivos para deduzirmos que as pessoas que falavam fossem sinceras em suas palavras. Sem dúvida era continuação da zombaria tão evidente em 15:29-32.

15:37. Expirou. A palavra grega é exepneusen, que literalmente significa expirou. Não foi uma luta prolongada, tal como o tempo imperfeito poderia descrever. Em vez disso, o aoristo descreve um acontecimento rápido, momentâneo. Expirou e já tinha partido.

15:38. O véu era a pesada cortina que separava o Lugar Santo do Santo dos Santos no santuário (naos, “santuário”). Veja a descrição em Josefo, Wars of the Jews, V, v. 4. O rasgão moveu-se de alto a baixo, talvez apontando para a origem divina do acontecimento. Seu momento de ocorrência foi significativo. Considerando que era a hora do sacrifício da tarde, o rasgar do véu não poderia passar despercebido. O significado da abertura do Santo dos Santos está explicado em Hb. 9:7, 8; 10:19-22.

15:39. Um centurião tinha cem homens sob o seu comando. Nesta ocasião o oficial estava encarregado de um destacamento menor designado para a crucificação. Em frente dele. Isto é, estava diante da cruz. A declaração do centurião de que Jesus era o Filho de Deus não deve ser tomada no pleno sentido cristão. Em primeiro lugar, o artigo não aparece no texto grego. Deve-se ler, portanto, “um filho de Deus”, ou quando muito, “Filho de Deus”. A bagagem pagã do oficial romano não deve ser ignorada. Ele pode muito bem ter visto Jesus como um ser sobrenatural, mas que ele possuía todo o conceito cristão da divindade de Cristo é improvável. Mais adiante, Lucas registra que ele declarou que Jesus era homem justo (23:47). Para forçar uma interpretação contrária, veja Lenski, Interpretation of Mark, págs. 725-727.

15:40. Maria Madalena não deve ser confundida com Maria de Betânia (Jo. 12:1 e segs.) nem com a mulher pecadora de Mc. 7:37. Ela vinha de Magdala na Galileia, e fora libertada da possessão demoníaca por meio de uma ordem de Jesus (Lc. 8:2). A segunda Maria parece que era a mãe de Tiago, filho de Alfeu, um dos discípulos (Mc. 3:18). Salomé foi descrita como sendo a mãe de Tiago e João, os filhos de Zebedeu (Mt. 27:56).

15:42. A narrativa da Paixão termina com uma descrição do sepultamento de Jesus (vs. 42-47). Ao cair da tarde. A tarde mencionada aqui deve ser forçosamente o começo da tarde, entre a hora do sacrifício da tarde (15 horas) e o pôr-do-sol (18 horas). Os preparativos para o sepultamento tinham de ser feitos antes do começo do sábado ao pôr-do-sol (cons. Jo. 19:31-37). Observe a explicação de Marcos referente ao termo judeu, da preparação, para seus leitores gentios.

15:43. Nada sabemos sobre José de Arimateia exceto o que os Evangelhos apresentam em relação a este acontecimento (cons. Mt. 27:57; Lc. 23:51; Jo. 19:38). Pediu (aiteô) o corpo.

15:46. O lençol foi enrolado à volta do corpo de Jesus em tiras (cons. Jo. 19:40, texto grego). O túmulo fora lavrado na rocha por um canteiro, prática comum naquela vizinhança. Mateus declara que a sepultura pertencia a José e que era nova (27:60). A pedra que foi rolada diante da entrada era provavelmente uma laje circular que encaixava em uma reentrância da rocha escavada para tal propósito.