Interpretação de Marcos 4

Marcos 4

Parábolas à Beira-mar. 4:1-34.
Aqui vem à tona um diferente método de ensino. Ainda que Cristo usasse o ensino alegórico até um certo ponto anteriormente, só nessa ocasião do seu ministério ele começou a empregá-lo como veículo importante de expressão. Conforme as multidões foram aumentando, a oposição se intensificando e os seguidores superficiais foram se multiplicando, Jesus adotou a parábola como meio de instrução dos seus próprios discípulos, de um lado, e do outro escondendo a substância do seu ensino dos ouvintes superficiais e antagônicos. Nessa ocasião ele usou as parábolas para ilustrar certas características do Reino.

4:1. O cenário para a apresentação da primeira dessas parábolas foi à beira-mar, que presume-se seja o Mar da Galileia. Novamente a pressão da multidão obrigou o Senhor a falar ao povo de dentro de um barco um pouco afastado da praia.

4:4. O solo à beira do caminho ficou endurecido com a passagem de muitos pés, de modo que a semente ficou na superfície à vista de todos, e as aves a comeram.

4:5, 6. A segunda área onde a semente caiu foi solo rochoso, que não deve ser entendido como terra contendo pedras, mas uma rocha coberta com fina camada de terra. O calor do sol primeiro transformou esse solo em um viveiro que produziu rápida germinação e, a seguir, em uma fornalha que queimou e secou a tenra plantinha.

4:8. E o restante da semente foi semeado em boa terra. É simplesmente razoável que se presuma que a maior parte da semente fosse semeada nesse tipo de solo, e não apenas 25 por cento, como se declara às vezes. Vingou e cresceu. Não foi o fruto que vingou. Esses dois particípios referem-se à palavra outra, e portanto foi a semente que cresceu.

4:11. O mistério. Nas misteriosas religiões pagãs, os iniciados eram instruídos nos ensinamentos esotéricos do culto, que não eram revelados aos de fora. Sobre o reino de Deus, veja comentários em 1:15. O mistério do reino é em última instância a mensagem total e completa do Evangelho (conf. Rm. 16:25, 26). O propósito das parábolas era instruir os iniciados sem revelar os itens da instrução àqueles que estavam de fora. Isso está de acordo com o princípio bíblico que a compreensão espiritual restringe-se àqueles que se tornaram espirituais pelo devido relacionamento com Cristo e sua mensagem (I Co. 2:6 e segs.).

4:12. Que esse era o propósito de Cristo ao usar as parábolas foi mais adiante confirmado por uma citação do V. T. A citação foi introduzida com a conjunção grega hina (que), a qual neste exemplo não pode ter um significado resultante mas deve indicar propósito (Alf, 1, 333). Este versículo é uma tradução livre de Is. 6:9, 10, dando a substância, mas não reproduzindo o enunciado exato da passagem profética.

4:14. O semeador (v. 3) não foi identificado, mas obviamente representa o próprio Cristo e todos os outros que proclamam o Evangelho. A semente é a palavra, a qual é, conforme Lucas explica, a palavra de Deus, ou a mensagem que vem de Deus.

4:15. As aves de 4:4 representam Satanás, que se aproxima daqueles que ouvem a mensagem e evita que haja germinação da semente. Tais pessoas ouvem simplesmente a palavra, e isso é tudo.

4:16. Cons. versículos 5, 6. Alguns ouvintes da palavra recebem-na com alacridade. A aparência de sinceridade e alegria genuína estão presentes.

4:17. A declaração de que não têm raiz indica a superficialidade de sua recepção da palavra. São de pouca duração, ou transitórios, que é a tradução para proskairoi. O calor do sol (v. 6) ilustra a vinda da angústia ou perseguição, que logo se transformam em pedra de tropeço, e eles se afastam porque a sua experiência com a palavra não é genuína.

4:19. Cons. 4:7. Os cuidados são ansiedades e preocupações relativas aos interesses desta presente era de impiedade (mundo é uma tradução imprecisa de aion, que se refere a um período de tempo).

A fascinação das riquezas refere-se à natureza enganadora da riqueza, sempre prometendo satisfazer mas sempre incapaz de cumprir a promessa. O terceiro impedimento é o anseio ou desejo das demais ambições, uma categoria geral incluindo tudo mais que poderia sufocar a palavra e torná-la infrutífera.
20. Cons. 4:8. A boa terra significa as pessoas que ouvem a palavra e a recebem. Um comentário sobre o significado de recebem encontra-se em Mt. 13:23 e Lc. 8:15. São pessoas que ouvem, que entendem, que são sinceras e que se apropriam da mensagem do Evangelho permanentemente.

4:21. As palavras de 4:21-25 são declarações gerais que Cristo parece ter usado em diversas ocasiões (sobre v. 21 cons. Mt. 5:15; sobre v. 23 cons. Mt. 11:15; 13:9, 43; Lc. 14:35; sobre v. 24b cons. Mt. 7:2; sobre v. 25 cons. Mt. 25:29). O propósito de Cristo nesta ocasião era enfatizar a responsabilidade que recai sobre o ouvinte das parábolas. Aquele que foi iluminado deve, por sua vez, iluminar os outros (Mc. 4:21-23). Candeia é a melhor tradução. Alqueire. Não o mesmo alqueire de hoje; equivale ao celamim. O velador era uma haste de madeira para suporte do candeeiro aberto alimentado a azeite que se usava naquele tempo.

4:25. Ao que tem. O princípio apresentado nesta declaração deve ser aplicado especificamente ao reino da verdade e sua apropriação. Aquele que toma posse da verdade e a usa receberá maior esclarecimento, mas aquele que se recusa a apropriar-se da verdade perderá até mesmo o conhecimento da verdade que uma vez possuiu.

4:26. A segunda parábola sobre o Reino que Marcos registra é a do solo que produz espontaneamente (vs. 26-29). Na realidade, ela recomeça no ponto onde a Parábola do Semeador parou, prosseguindo exatamente na descrição do crescimento da semente que produz fruto. O aspecto do reino que está se considerando é o aspecto presente, espiritual, na sua realidade interna como também nas suas manifestações externas. Este reino se estende pela semeadura da semente da palavra (cons. v. 14).

4:28. O motivo por que a terra por si mesma frutifica (automatê, “automaticamente”) é que a semente contém vida, a qual, quando colocada no ambiente adequado, produz crescimento. A característica do reino da graça presente e espiritual, conforme apresentado por esta parábola, é que a mensagem do Evangelho pela sua própria natureza, quando semeado nos corações dos homens produz crescimento e frutifica espontaneamente.

4:30. A terceira parábola de Marcos relativa ao Reino refere-se à semente da mostarda (vs. 30-32).

4:31. Aqui o Reino foi comparado à um grão de mostarda. Muito se tem escrito sobre a identificação desta planta, mas parece melhor considerá-la como sendo a mostarda negra comum, que tem a semente do tamanho da cabeça de um alfinete (Harold N. and Alma L. Moldenke, Plants of the Bible, págs. 59-62). Sua semente é uma das menores conhecidas pelo povo da Galileia.

4:32. O fenômeno notável dessa planta de mostarda particular é que, embora seja um arbusto, pode chegar à altura de dez ou doze pés, com a haste da grossura do braço de um homem e constitui lugar de pouso para uma variedade de aves de porte pequeno. Esta parábola fala do desenvolvimento ulterior das características do reino de Deus presente e espiritual. O ponto principal aqui é que a semente da mensagem do Evangelho produzirá crescimento fenomenal. De pequenos começos, o Reino, que apenas aproxima-se na pessoa de Cristo (1:14, 15), em razão de sua própria vitalidade interior e sobrenatural, crescerá em proporções tremendas. Isto não significa que o resultado será a conversão do mundo, nem que os homens pelos seus esforços estabelecerão o reino de Deus na terra como um desenvolvimento utópico, nem que o Reino e Igreja sejam idênticos. A parábola descreve, entretanto, o reino da graça incluindo multidões de pessoas redimidas que através dos anos vieram engrossar suas fileiras até atingirem um tamanho fenomenal.

Viagem a Gadara. 4:35–5:20.
Provavelmente por necessidade de isolamento e descanso, Jesus propôs uma viagem através do lago da Galileia. Com a vivacidade tão característica de nosso autor, Marcos apresenta uma narrativa pitoresca da tempestade que foi apaziguada (4:35-41) e da libertação do homem endemoninhado que Cristo encontrou do outro lado (5:1-20).

4:37. Grande temporal de vento era típico do Mar da Galileia, situado em uma bolsa, como se encontrava, com montanhas por todos os lados. O levantamento do ar quente do dia permitia ao ar mais frio das colinas descer rapidamente sobre o lago pelas ravinas girando e rodopiando, o que agitava as águas em fortes tempestades. A narrativa de Marcos é cheia de vida, levando seus leitores para o próprio cenário da ação. As ondas se arremessavam contra (gr. imp.) o barco e este já estava a encher-se (gr. pres.) com água.

4:39. Apresentando um contraste, Marcos narra a ordem que Cristo deu à tempestade. O aoristo grego mostra que ele repreendeu o vento uma vez (ação imediata), e houve grande bonança (gr. aoristo). Não houve necessidade que o Senhor repetisse a sua ordem, pois suscitou obediência imediata. Acalma-te, emudece! Literalmente, Fique quieto. Cale a boca. Lenski traduz o perfeito imperativo da segunda ordem de Cristo de maneira interessante, “Coloque a mordaça e a mantenha em seu lugar” (R. C. H. Lenski, The Interpretation of Mark's Gospel, pág. 201).

4:40. Tímidos. Cristo os repreendeu por causa do seu medo covarde, e transformou a ocasião em um estímulo para a fé. Ele sugeriu que se a confiança deles estivesse firmada em Deus, mesmo que ele estivesse dormindo, eles não teriam motivos para temer.

4:41. Possuídos de um grande temor. O termo grego que foi usado aqui não é o mesmo do versículo 40. Esta palavra pode significar “medo ou temor reverente e respeitoso”. Apesar de todas as grandes obras que os discípulos testemunharam, este milagre foi tão fenomenal que ficaram imaginando quem realmente seria o seu mestre. Quem é este?