Interpretação de Marcos 9

Marcos 9

9:1. A divisão do capítulo aqui não foi feliz, uma vez que este versículo é visivelmente a conclusão do discurso registrado na última parte de Marcos 8. Em verdade é uma expressão de solene certeza. É a palavra grega amên, da qual se origina o nosso “amém”. Não passarão pela morte. O original é mais vigoroso de modo nenhum passarão pela morte. A vinda do reino de Deus nesta declaração tem sido interpretada de diversos modos. Entretanto, no versículo anterior Cristo fala do seu advento em glória, e nos versículos seguintes Marcos registra a Transfiguração. A vinda do Reino pode muito bem se identificar com a gloriosa vinda do Rei (8:38), da qual a transfiguração de Cristo foi uma antecipação.

9:2. O alto monte tem sido tradicionalmente identificado como o Monte Tabor na Galileia, mas ele fica longe demais de Cesareia de Filipe. O monte Hermom parece encaixar-se na descrição mais satisfatoriamente. Transfigurado. Do grego metamorphoô (origem da nossa “metamorfose”), que se refere a uma mudança da forma essencial, não uma mudança superficial de aparência exterior. O corpo humano de nosso Senhor foi glorificado e foi nesse corpo glorificado que um dia ela virá para estabelecer o seu reino.

9:3. Como a neve. Não se acha nos melhores manuscritos gregos. Lavadeiro é aquele que trata o pano novo, encolhendo-o e lavando-o.

9:4. Elias é uma transliteração da palavra grega usada para Elias. Por que Moisés e Elias foram os dois escolhidos para aparecerem não foi declarado. É digno de nota o fato de que os dois deixaram esta vida sob circunstâncias fora do comum. Mais ainda, Moisés representava a Lei, enquanto que Elias foi um dos profetas. O Evangelho de Lucas (9:31) declara que o assunto de sua conversação foi a iminente morte de Cristo, um tema que percorre todo o V.T. tanto na Lei como nos Profetas.

9:9. A ordem para que não divulgassem as coisas que tinham visto estava de acordo com a política de Jesus de reserva para que as errôneas ideias messiânicas correntes não se inflamassem. Depois da Ressurreição o perigo de precipitar uma insurreição popular não existiria mais. Então a experiência do monte teria valor espiritual para os discípulos como confirmação de sua fé (cons. lI Pe. 1:16-18).

9:11. A questão referente a Elias surgiu por causa da presença do profeta na Transfiguração. Os escribas, neste exemplo, extraíam seu ensino de Ml. 4:5, 6. Talvez os discípulos estivessem pensando que o seu aparecimento no monte era o cumprimento da predição.

9:12 Esta profecia foi confirmada pelo Senhor, e o tempo usado (presente futuro) indica que será cumprida no futuro. Elias virá e restaurará todas as coisas (cons. Ml. 4:6), antes da vinda do Messias. Como, pois está escrito. Muitos estudantes encaram o restante do versículo como se fosse uma pergunta, “Como está escrito?” A vinda de Elias foi profetizada nas Escrituras. E o que dizer das profecias sobre o sofrimento e rejeição do Messias? Cristo estava tentando despertar o raciocínio dos seus seguidores para que entendessem que o Filho do homem devia sofrer antes da vinda de Elias e do glorioso advento do Messias.

9:13. Mas havia um sentido no qual Elias já viera. Mateus 17:13 explica que Ele estava falando de João Batista. Isto não quer dizer que João fosse o Elias em pessoa, mas que ele veio na semelhança de Elias (cons. Lc. 1:17; Jo. 1:21). Fizeram com ele o que quiseram. Isto é, fizeram-lhe o que quiseram quando o mataram a pedido de Herodias.

9:15. Tomada de surpresa. As explicações referentes a esse espanto podem se reduzir a duas possibilidades. Uma, ficaram espantados por causa do resplendor que ainda havia no rosto de Jesus em virtude da Transfiguração. Outra, o espanto foi causado por causa da aparição oportuna mas inesperada de Jesus, no momento embaraçoso da derrota de seus nove discípulos. A primeira opinião não é justificável por causa da ausência de qualquer declaração referente à permanência do resplendor no rosto de Jesus.

9:17. O espírito mudo era um demônio que afligia o rapaz com mudez e surdez (v. 25).

9:18. Onde quer que o apanha. O pai descrevia a ação do demônio de tomar posse do rapaz. Sua reação parece que era parecida a uma crise de epilepsia.

9:19. Está claro que os discípulos foram fracos por causa da incredulidade. O desapontamento de nosso Senhor parece chegar às raias da impaciência. Até quando vos sofrerei? Literalmente, até quando terei que aguentá-los?

9:20. Agitou. Uma palavra forte que significa que o espírito convulsionou o rapaz tão violentamente que parecia querer rasgá-lo em pedaços. Revolvia-se. A palavra grega significa rolar. O tempo imperfeito pode ser traduzido para ficou rolando.

9:23. Se podes. No texto grego toda a cláusula vem precedida de um artigo com o propósito de chamar a atenção. Como se Jesus dissesse: “Prestem atenção a esta cláusula – se podes”. A palavra crer não aparece nos melhores manuscritos. Tendo chamado especial atenção para o se do homem, Jesus continua mostrando que tem necessidade de fé.

9:24. A angústia que encheu o coração do pai foi descrita por sua resposta imediata quando disse, exclamou, com exclamações quase contraditórias. Ele cria, mas estava profundamente cônscio de sua falta de fé que lutava contra o seu desejo de confiar irrestritamente. Sua incredulidade não era uma recusa obstinada em crer; era uma fraqueza que o próprio indivíduo não podia resolver. Por isso clamou a Cristo pedindo ajuda.

9:29. Esta casta. Uma indicação de que existem diferentes tipos de demônios. Parece que o tipo que habitava neste rapaz era incomumente manhoso e poderoso. Parece que, devido às observações precedentes que Jesus fez sobre a incredulidade (v. 19) e à declaração deste versículo referente à necessidade da oração, os nove discípulos tinham tentado expulsar o demônio sem se apoiar no poder de Deus (cons. Mt. 17:20). A incredulidade e a falta de oração certamente resultam em impotência espiritual. Muitos dos melhores manuscritos gregos omitem a referência ao jejum, como também a mesma passagem em Mt. 17:21. Deve-se observar que os discípulos não poderiam enfrentar essa situação com jejum, mas certamente poderiam ter confiado e orado.

9:31. Ensinava os seus discípulos. Durante as retiradas, essa foi a principal ocupação do Senhor e continuou os ensinando (gr. imp.), pois eram lentos em compreender (v. 32). O centro desse ensino era a Sua morte e ressurreição que se aproximavam.

9:33. A volta à Cafarnaum levou-o novamente à casa de Pedro, que foi o quartel-general de sua campanha na Galileia. O verbo interrogou está no tempo imperfeito, provavelmente para indicar que Jesus continuou insistindo aos discípulos em relação ao assunto que discutiam pelo caminho.

9:34. Em lugar de responder à interrogação de Jesus, calaram-se. Novamente o tempo imperfeito mostra que eles persistiram em seu silêncio. Estavam envergonhados em revelar o assunto indigno da discussão. Ele continuou insistindo em explicar que sua morte estava próxima, mas suas mentes estavam ocupadas com pensamentos de grandeza pessoal no reino messiânico (cons. Mt. 18:1).

9:36, 37. O humilde ato de receber uma criança em nome de Cristo é um feito verdadeiramente grande. É a prontidão em tomar a humilde posição de servo, mesmo com um criança nos braços, que é o sinal da verdadeira grandeza; pois fazê-lo é prestar serviço a Cristo e, através dele, ao Pai. Isto envolve descer à posição de uma criancinha (veja Mt. 18:4).

9:38. Talvez o desejo de mudar de assunto levou João a falar. Parece que a observação de Jesus relativa aos atos praticados em seu nome fê-lo lembrar-se do exorcista que viram usando o nome de Jesus. Mestre. Esta é palavra usada para “professor”. Nós lho proibimos. Eles continuaram proibindo este desconhecido operador de milagres (tempo imp.). Sua motivação, não nos segue, revela uma atitude basicamente egoísta, uma falta de vontade em aceitar qualquer pessoa exceto aqueles que eram do seu próprio círculo. Scofield diz que é sectarismo.

9:39. Não lho proibais. Literalmente, parem de proibir. Jesus não tergiversou sobre os detalhes. Se o homem estava usando o nome de Cristo com sincero esforço em ajudar os outros, não devia ser impedido. Um espírito de tolerância que deve caracterizar o povo de Deus. A lógica de nosso Senhor tinha dois aspectos. Primeiro, tal homem não se voltaria contra Cristo depois de operar milagres em Seu nome.

9:40. O segundo motivo para a proibição de Cristo era que, se o homem não estava contra Cristo e os discípulos, então até certo ponto estava ao lado deles.

9:41. Este versículo enfatiza mais a atitude tolerante demonstrada em 9:39, 40. Ninguém que esteja procurando servir o Senhor, por menos importante que o seu serviço possa parecer, será excluído do círculo de Cristo. A importância desse princípio vê-se no uso da palavra em verdade (amên) e na dupla negativa forte que pode ser traduzida para de modo algum perderá o seu galardão.

9:42. O pensamento deste versículo está ligado ao 9:37 pelo termo pequeninos. Do mesmo modo, os versículos 42-48 estão relacionados, e centralizados na ideia das ofensas. É possível que a atitude dos discípulos em repreender o exorcista anônimo (v. 38) possa tê-lo ofendido. Isto explicaria por que Cristo discutiu as ofensas neste ponto. A fé sub-desenvolvida do exorcista não devia ser impedida, mas estimulada. Crítica áspera da imaturidade espiritual só pode servir para afastar as pessoas do Senhor. Fizer tropeçar. A palavra grega skandalyzô significa colocar uma armadilha no caminho de uma pessoa, fazendo-a tropeçar.

Os pequeninos deve ser entendido literalmente referindo-se às crianças que creem, ou podem ser aqueles que são pequenos na fé ou espiritualmente subdesenvolvidos. Provavelmente a intenção de Jesus foi a de se referir a estes últimos. A pedra de moinho era uma pedra grande e chata que o jumento girava a fim de moer os grãos.

9:43. Jesus passou da ofensa contra os outros para a ofensa contra si mesmo. Uma pessoa pode colocar uma pedra de tropeço em seu próprio caminho. Sem dúvida a ordem de cortar a mão que escandaliza é figurativa e hiperbólica. O sentido do versículo é que tudo que leve uma pessoa a tropeçar e cair no pecado deve ser removido imediatamente. Estes versículos não devem ser tomados ao pé da letra como se ordenassem um ascetismo extremo. Deve-se lembrar que a sede do pecado é a alma, não algum órgão do corpo físico. Entrares na vida. A expressão paralela em 9:47 diz entrares no reino de Deus. Esses termos são o oposto de inferno e devem ser entendidos como referentes à vida do salvo no reino eterno. O inferno é a tradução do geena grego, o qual por seu lado é uma transliteração do gehinom hebreu, significando “o vale de Hinom”. Era um vale ao sudoeste de Jerusalém que foi amaldiçoado por ter sido o cenário da adoração de Moloque. Mais tarde transformou-se no sítio do lixo da cidade, onde havia um fogo contínuo, que reduzia o lixo a cinzas. O lixo depositado ali devia também estar infestado de muitos vermes. No pensamento judeu este vale transformou-se no símbolo do lugar do castigo eterno.

9:48. A linguagem deste versículo foi extraída de Is. 66:24 da Septuaginta. O verme que não morre é uma figura de linguagem extraída do vale de Hinom, onde os vermes estavam continuamente ocupados. É uma figura da tortura infinita e da destruição do inferno.

9:49. Este versículo e o seguinte estão entre os de mais difícil interpretação nos Evangelhos. Primeiro, deve-se notar que a segunda cláusula de 9:49 foi provavelmente acrescentada posteriormente, uma vez que poucos manuscritos a contêm. Talvez fosse uma anotação marginal na tentativa de explicar esta difícil passagem. A palavra introdutória porque (gar) normalmente ligaria esta declaração à precedente, caso em que serviria para apoiar ou explicar a afirmação anterior. Poderia então significar que todo aquele que entra no inferno será preservado, como o sal preserva, através de uma eternidade de tormento.

9:50. Tomando a palavra sal usada em 9:49 em relação ao inferno, Jesus prossegue dizendo que os seguidores de Cristo devem ser como o sal, deixando que a sua influência seja sentida no mundo (cons. Mt. 5:13). Tende sal em vós mesmos. Ordenou aos discípulos que se permeassem dessa influência purificadora. A fim de serem uma influência sadia, deviam eles mesmos serem possuidores dessa salubridade. Tende paz. Fazendo uma última alusão à disputa sobre a grandeza registrada em 9:34 Cristo conclui a exposição do assunto. As duas ordens estão no tempo presente, exigindo uma prática constante.

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