Estudo sobre 1 Coríntios 6:1-20

Estudo sobre 1 Coríntios 6
Estudo sobre 1 Coríntios 6
A INSENSATEZ DOS TRIBUNAIS
Estudo sobre 1 Coríntios 6:1-8

Nesta seção Paulo trata um problema que afetava especialmente os gregos. Os judeus não estavam acostumados a dirigir-se aos tribunais de justiça públicos com seus problemas; resolviam os assuntos perante os chefes da cidade ou da sinagoga; para eles a justiça era algo que devia aplicar-se muito mais com espírito familiar que legal. Em realidade a lei judia proibia expressamente os judeus recorrer a um tribunal de justiça que não fosse judeu; fazê-lo era considerado uma blasfêmia contra a lei divina que possuíam. Outra coisa completamente distinta ocorria com os gregos; estes eram característica e naturalmente um povo litigioso. Os tribunais eram em realidade um de seus principais entretenimentos Recorrer a eles era parte integrante da vida grega. Conhecemos os detalhes da lei ateniense e quando a estudamos comprovamos a parte importante que jogavam os tribunais judiciais na vida dos cidadãos atenienses; e a situação em Corinto não podia ser muito diferente.

Em Atenas, se houvesse uma disputa se recorria em primeiro lugar ao árbitro privado. Nessa ocasião cada parte elegia um árbitro, e logo se escolhia um terceiro de comum acordo, para que agisse como juiz imparcial. Se não se conseguia resolver o assunto desta maneira, era encaminhado a um tribunal conhecido como "o dos Quarenta". Este referia o caso a um árbitro público, acusação que ocupavam todos os cidadãos de Atenas de sessenta anos de idade, e qualquer homem que se escolhesse tinha que tomar parte, querendo ou não, sob pena de ver-se privado de seus direitos civis. Se o assunto ainda não se resolvia devia encaminhar-se a um tribunal com duzentos e um cidadãos, o qual considerava os casos inferiores a uma soma equivalente a cem dólares. Para os casos de um montante superior o tribunal se constituía com quatrocentos e um membros.

Havia casos em que os tribunais podiam ter mais de mil membros e alguns chegavam até seis mil. Eram constituídos por cidadãos atenienses de mais de trinta anos de idade. Era-lhes pago três óbolos por dia de atuação. Os cidadãos que podiam agir como parte do tribunal se reuniam nas manhãs e lhes adjudicavam os casos por sorteio. É fácil ver que em uma cidade grega todos os homens eram mais ou menos advogados e que utilizavam grande parte de seu tempo em decidir ou tratar casos judiciais. Os gregos eram em realidade famosos — ou notórios — por sua afeição a recorrer aos tribunais judiciais. Não era estranho pois, que alguns gregos tivessem introduzido na Igreja suas tendências litigiosas, e Paulo estava muito preocupado. Seus antecedentes judeus faziam com que todo isso lhe repugnasse, e seus princípios cristãos aumentavam esse sentimento. "Como pode qualquer de vós", perguntou, "seguir o paradoxal caminho de buscar a justiça em presença dos injustos?"

O que fazia com que este assunto fosse ainda mais fantástico para Paulo era, que na imagem da era de ouro por vir, quando o Messias fosse o rei supremo, Ele julgaria às nações e os santos tomariam parte nesse juízo. O Livro da Sabedoria diz "Julgarão as nações e dominarão os povos (3:8). O Livro de Enoque diz: "Trarei nome àqueles que me amaram, vestidos em uma luz esplendorosa, e situarei cada um no trono de sua honra" (108:12). De modo que Paulo pergunta "Se algum dia forem julgar o mundo, se até os anjos, as criaturas mais puras que foram criadas, vão ser sujeitos a seu juízo, como, em nome da razão, podem subordinar seus casos aos homens, e para pior, pagãos?" "Se devem fazê-lo", diz, "façam isso dentro da Igreja, e dada a tarefa de julgar as pessoas que tenham em menos consideração, devido ao fato de que ninguém que esteja destinado a julgar o mundo se incomodaria envolvendo-se nas pequenezes das contendas cotidianas.

E logo, repentinamente Paulo lança mão do grande princípio essencial. Recorrer aos tribunais e em especial fazê-lo com um irmão, é cair abaixo do nível de comportamento cristão. Muito tempo atrás Platão estabeleceu que o homem reto sempre escolheria sofrer injustamente antes que fazer o mal. Se um cristão tem até o mais remoto traço do amor de Cristo em seu coração, sofrerá insultos, perdas, injúrias e danos antes que tentar infligi-los a outrem — mais ainda, se se trata de um irmão. Vingar-se ou tentar fazê-lo é sempre algo anticristão. Um cristão não resolve seus assuntos com outros com o desejo de ser recompensado nem com os princípios da justiça crua. Resolve-os com espírito de amor, e este insistirá em que deve viver em paz com seu irmão, e lhe proibirá rebaixar recorrendo aos tribunais de justiça.

“TAIS FOSTES ALGUNS DE VÓS”
Estudo sobre 1 Coríntios 6:9-11

Aqui Paulo prorrompe em uma terrível contagem de pecados que é um horrendo comentário da civilização corrompida em que a Igreja de Corinto estava crescendo. Há certas coisas das que não é agradável falar, mas devemos considerar este catálogo e tentar compreender o meio em torno da Igreja cristã primitiva, e ver que a natureza humana não mudou muito.

Havia fornicários e adúlteros. Já vimos que o relaxamento sexual era parte da vida pagã e que a virtude da castidade era quase desconhecida. A palavra que emprega para fornicário especialmente desagradável; refere-se aos homens que se prostituem. Deve ter sido muito difícil ser cristão na corrupta atmosfera de Corinto.

Havia idólatras. O edifício maior de Corinto era o Templo de Afrodite, a deusa do amor, onde prosperavam lado a lado a idolatria e a imoralidade. A idolatria é um triste exemplo do que acontece quando tentamos fazer com que a religião seja mais fácil. Um ídolo não surgia como deus; começava simbolizando a um deus, sua função era facilitar o culto do deus, provendo de algum objeto no qual se localizasse a presença do mesmo. Mas muito em breve os homens começaram a adorar não ao deus que estava atrás do ídolo, mas sim ao próprio ídolo. Um dos perigos crônicos da vida é que os homens adorarão sempre o símbolo em lugar da realidade que reside atrás do mesmo.

Havia efeminados. A palavra (malakos) significa literalmente aqueles que são suaves e femininos; aqueles que perderam sua virilidade e que vivem na luxúria de prazeres recônditos; a palavra descreve o que só podemos chamar enlameado no vício no qual o homem perdeu todo seu poder de resistência. Quando Ulisses e seus marinheiros chegaram à ilha de Circe atracaram à terra na qual crescia a flor de lótus. Aquele que comia dessa flor se esquecia de seu lar e de seus seres queridos e desejava viver para sempre nessa terra na qual "era sempre de tarde". Perdiam o gozo severo que provém de "remontar as ondas". O efeminado deseja a vida na qual é sempre de tarde.

Havia ladrões e estelionatários. O mundo antigo estava cheio deles. Era muito fácil entrar nas casas. Os ladrões freqüentavam em especial dois lugares — os banheiros e os ginásios públicos nos quais roubavam as roupas dos que se estavam banhando ou fazendo exercícios. Era especialmente comum o seqüestro de escravos que tinham dons especiais. As leis demonstram quão grave era este problema. Havia três tipos de roubo que se castigavam com a morte: (1) Roubos por valor de mais de cinqüenta dracmas (2) Roubos nos banheiros, ginásios, portos e ancoradouros pelo valor de mais de dez dracmas (3) Roubos noturnos, qualquer que fosse o seu valor. Os cristãos viviam rodeados por uma população que se dedicava a roubo.

Havia bêbados. A palavra utilizada provém de methos que significa bebedores sem controle. Na Grécia até os meninos pequenos bebiam vinho; o nome que davam ao café da manhã era akratisma e consistia de pão ensopado em vinho. A inadequada provisão de água era a razão de que se bebesse tanto vinho. Mas normalmente os gregos eram sóbrios, devido ao fato de que sua bebida consistia em três partes de vinho mescladas com duas de água. Mas na luxuriosa Corinto abundava a embriaguez consuetudinária.

Havia estelionatários e ladrões. Ambas as palavras são interessantes. A palavra utilizada para estelionatários é pleonektes (literalmente, rapazes [BJ.]). Descreve, como os gregos o definiam: "o espírito que sempre está buscando alcançar mais e apoderar-se do que não lhe corresponde". É o apetite de lucros vorazes, é obter agressivamente. Não se trata do espírito do avarento, mas sim de que buscava ganhar para poder gastar, para poder viver em mais luxo e até maior prazer, e não se preocupava de quem se aproveitasse, contanto que conseguisse. A palavra que se traduz por ladrão é harpax. Significa tomar com as garras, agarrar. É usada para referir-se a um certo tipo de lobo, e para descrever os ganchos de ferro por meio dos quais se abordavam os barcos nas batalhas navais É o espírito que agarra e usurpa aquilo que não lhe corresponde com uma espécie de ferocidade selvagem.

Deixamos para o fim o pecado menos natural — havia homossexuais. Este pecado se expandiu como uma infecção na vida grega, e mais tarde se propagou a Roma. Apenas podemos nos dar conta do complicado que era o mundo antigo. Até um homem tão grande como Sócrates o praticava; o diálogo de Platão O Simpósio foi apontado como uma das maiores obras sobre o amor; mas seu tema não é o amor natural mas sim o antinatural. Quatorze dos primeiros quinze imperadores romanos praticavam este vício. Nesses momentos Nero era imperador. Tinha tomado a um jovem chamado Esporo e o tinha castrado. casou-se com ele com uma grande cerimônia e o tinha levado a seu palácio em procissão e vivia com ele como com uma esposa. Com um incrível vício Nero por outro lado se casou com um homem chamado Pitágoras e o chamava seu marido. Quando se eliminou a Nero e Oto subiu ao trono o primeiro que fez foi tomar possessão do Esporo. Muito mais tarde o nome do imperador Adriano está associado para sempre com o de um jovem de Bitínia chamado Antônio. Viveu com ele inseparavelmente, e quando morreu deificou e cobriu o mundo com suas estátuas e imortalizou seu pecado chamando uma estrela com seu nome. Este vicio em especial, na época da Igreja primitiva, afundava o mundo na vergonha; e existem poucas dúvidas de que esta fosse uma das causas principais de sua degeneração e da queda final de sua civilização.

Mas depois deste horrendo catálogo de vícios, naturais e antinaturais, Paulo dá um grito de triunfo: “Tais fostes alguns de vós.” A maior prova do cristianismo residia em seu poder. Podia tomar os desperdícios da humanidade e fazer deles homens. Podia tomar os homens perdidos na vergonha e torná-los filhos de Deus. Havia em Corinto, e em todo mundo, homens que existiam, que eram provas viventes do poder regenerador de Cristo. Este poder é ainda o mesmo. Nenhum homem pode mudar-se a si mesmo, mas Cristo pode fazê-lo.

Há um contraste surpreendente entre a literatura pagã e a cristã da época. Sêneca, um contemporâneo de Paulo, declara que os homens necessitam "a mão de alguém que se agache a recolhê-los". Diz: "Os homens estão tristemente conscientes de sua fraqueza nas coisas necessárias." Continua com certo desespero: "Os homens amam seus vícios e os odeiam ao mesmo tempo." Olhava-se a si mesmo e se chamava homo non tolerabilis, um homem que não pode ser tolerado.

A este mundo, consciente da maré de decadência que nada podia deter, chegou o poder radiante do cristianismo, que era realmente capaz de fazer todas as coisas novas de maneira triunfal.

COMPRADO POR UM PREÇO
Estudo sobre 1 Coríntios 6:12-20

Nesta passagem Paulo enfrenta uma série de problemas. Termina com uma ordem: "Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo" (v. 20, RC). É o grito de batalha de Paulo na passagem. Os gregos sempre desprezaram seus corpos. Havia um provérbio que dizia: "O corpo é uma tumba". Epicteto dizia "Sou uma pobre alma encadeada a um cadáver." O que importava era a alma, o espírito do homem; o corpo não interessava. Isto dava como resultado duas atitudes. Ou dava origem ao mais rigoroso ascetismo no qual tudo se realizava para dominar e humilhar os desejos e instintos do corpo. Ou — e em Corinto prevalecia a segunda atitude — significava que visto que o corpo não importava, podia-se fazer o que se quisesse com ele: podia-se deixá-lo saciar e satisfazer os seus apetites. Não interessava absolutamente. Se o que interessa é a alma, diziam, então não tem importância o que o homem faça com seu corpo.

O que complicava isto era a doutrina da liberdade cristã que Paulo pregava. Se o homem cristão era o mais livre de todos, não está livre para fazer o que desejar, especialmente com esse corpo tão insignificante que lhe pertence? De modo que — argumentavam os coríntios — de uma maneira que consideravam muito sábia, era preciso deixar que o corpo fizesse o que quisesse. Mas o que é o que o corpo quer? O estômago foi criado para a comida e a comida para o estômago, diziam os coríntios. Comida e estômago inevitável e naturalmente vão lado a lado. Precisamente da mesma maneira — diziam — o corpo estava feito para seus instintos, está feito para o ato sexual e este está feito para ele; portanto era preciso deixar que os desejos do corpo seguissem seu caminho.

A resposta de Paulo é clara. O estômago e a comida são coisas passageiras; chegará o dia em que ambos passarão. Mas o corpo, a personalidade, o homem como uma totalidade não perecerá, foi criado para unir-se com Cristo neste mundo e estreitar esta união no além.

Cristo e todo o homem estão inevitavelmente relacionados. O que acontece então se o homem fornicar? Entrega seu corpo a uma rameira, pois as Escrituras dizem que o ato sexual faz com que duas pessoas sejam uma só carne. Esta é uma citação de Gênesis 2:24. O que quer dizer que o corpo que pertence a Cristo foi literalmente prostituído.

Lembremos que Paulo não está escrevendo um tratado sistemático, está pregando, rogando com um coração fogoso e com uma língua que está disposta a utilizar todos os argumentos que possa. Diz que de todos os pecados, a fornicação é aquele que afeta ao corpo do homem e o ofende. Agora, isto não é estritamente certo — o alcoolismo pode fazer o mesmo. Mas Paulo não escreve para satisfazer a um examinador, está suplicando para que os coríntios se salvem em corpo e em alma, de modo que aduz que os outros pecados são externos ao homem, enquanto que neste está pecando contra seu próprio corpo, aquele que está destinado a unir-se a Cristo.

E finalmente realiza um último chamado. Devido ao fato de que o espírito de Deus habita em nós, convertemo-nos em templos de Deus; e se isto é assim nossos corpos são sagrados. E o que é mais — Cristo morreu não para salvar uma parte do homem, mas sim a sua totalidade, salvá-lo em corpo e espírito. Cristo deu sua vida para outorgar ao homem uma alma redimiu a e um corpo puro. E devido a isto o corpo do homem não é sua propriedade com a qual pode fazer o que deseja, pertence a Cristo, e o homem deve utilizar esse corpo não para satisfazer seus próprios apetites, mas sim para a glória do Salvador.

Há dois grandes pensamentos nisto.

(1) Paulo insiste em que, apesar de estar livre para fazer o que deseja, não deixará que nada o domine. Uma das grandezas da fé cristã é que não liberta o homem para pecar, mas sim para que não o faça. É muito fácil deixar que hábitos, práticas e formas de vida nos dominem, mas a força cristã nos permite dominá-los. Quando um homem experimenta realmente o poder cristão se converte, não em um escravo de seu corpo, de seus instintos e de seus desejos, mas sim em amo dos mesmos. Muitas vezes o homem diz "Farei o que me agrada", quando em realidade quer dizer que acessará o hábito ou a paixão que o domina; só quando o homem tem a força de Cristo nele pode dizer real e verdadeiramente: "Farei o que quiser", e não, "Satisfarei as coisas que me dominam."

(2) Paulo insiste em que não nos pertencemos. Não existe no mundo um homem que se criou a si mesmo. Não podemos fazer nada que só nos faça sofrer. O cristão não pensa em seus direitos, mas sim em seus deveres. Nunca pode fazer o que lhe agrada devido ao fato de que não se pertence a si mesmo, deve fazer sempre o que Cristo deseja, devido ao fato de que ele o comprou com sua vida.
Na seção de nossa carta que está compreendida entre os caps. 7 a 15 Paulo se dedica a responder uma série de perguntas e a tratar certos problemas sobre os quais a Igreja de Corinto lhe pediu conselho. Começa a seção dizendo: “Quanto ao que me escrevestes...” Em linguagem moderna diríamos: "Com referência à sua carta."

Daremos um esboço do problema à medida que o consideremos. O capítulo 7 trata de uma série de problemas com respeito ao casamento.

Este é um resumo dos assuntos sobre os quais a Igreja de Corinto desejava o conselho de Paulo.

Versículos 1 e 2: Conselho para os que pensam que os cristãos não deveriam casar.
Versículos 3-7: Conselho para aqueles que sustentam que até aqueles que estão casados deviam abster-se de manter relações sexuais.
Versículos 8 e 9: Conselhos para os solteiros e as viúvas.
Versículos 10 e 11: Conselho para os que pensam que os casados deviam separar-se.
Versículos 12-17: Conselho para os que pensam em se os casamentos entre um cristão e um pagão teriam que dissolver-se.
Versículos 18 e 24: Instruções para viver a vida cristã em qualquer estado civil.
Versículo 25 e versículos 36-38: Conselhos a respeito das virgens.
Versículos 26-35: Exortação a que nada impeça o concentrar-se no serviço de Cristo, devido ao fato de que o tempo é curto e Cristo virá muito em breve outra vez.
Versículos 38-40: Conselhos para os que desejem voltar a casar-se.

Devemos estudar este capítulo tendo em conta firmemente dois aspectos:

(1) Paulo está escrevendo a Corinto, que era a cidade mais imoral do mundo. Para viver numa situação e num meio como esse, era muito melhor ser muito estrito que ser muito frouxo.

(2) O que domina e dita cada uma das respostas de Paulo é a convicção de que a segunda vinda de Cristo ia ser imediata. Não se realizou esta expectativa. Mas Paulo estava convencido de que estava aconselhando para uma situação puramente transitiva. Podemos estar seguros de que em muitos casos seus conselhos teria sido algo distintos se tivesse visualizado uma situação permanente. Agora consideremos o capítulo em detalhe.