Estudo sobre Mateus 1:1-25

Estudo sobre Mateus 1:1-25

por William Barclay




Estudo sobre Mateus 1:1-17
Pode ser que pareça ao leitor moderno que Mateus escolhe uma forma muito estranha de começar seu evangelho. Pode-se pensar que confrontar de entrada ao leitor com uma longa lista de nomes é um procedimento muito pouco afortunado. Mas para um judeu esta genealogia era uma forma natural de começar, interessante e até poderia dizer-se essencial tratando-se da história da vida de um homem.

Os judeus se interessavam muito nas genealogias. Mateus denomina esta seção "livro da genealogia" de Jesus Cristo. Esta frase era bem conhecida pelos judeus; significa o registro da ascendência de um homem, com algumas poucas notas explicativas onde estas eram mais necessárias. No Antigo Testamento freqüentemente encontramos listas das gerações de homens famosos (Gênesis 5:1, 10:1, 11:10, 11:27). Quando Josefo, o grande historiador judeu, escreveu sua autobiografia, prefaciou-a com o testemunho de seu próprio "pedigree" que, conforme nos diz, encontrou nos registros públicos. A razão deste interesse nas ascendências familiares é que para os judeus a pureza racial era de suma importância. Se alguém possuía mistura de sangue estrangeiro, perdia seu direito de chamar-se judeu e membro do Povo de Deus. Além disso, os sacerdotes eram obrigados a apresentar uma linha genealógica íntegra a partir do Arão; no caso de contrair casamento, a esposa devia documentar sua pureza racial pelo menos por cinco gerações. Quando Esdras ao Israel voltar do exílio reorganizou o culto a Deus, e estava pondo em funcionamento novamente o sacerdócio, privou do direito sacerdotal os filhos de Habaías, os filhos de Coz, os filhos de Barzilai, sob a acusação de impureza, porque “procuraram o seu registro nos livros genealógicos, porém o não acharam” (Esdras 2:61-62). O Sinédrio era o encarregado de conservar os registros genealógicos. Herodes o Grande sempre foi desprezado pelos judeus puro-sangue porque parte de sua ascendência era edomita. Podemos nos dar conta de que o próprio Herodes considerava importantes as genealogias, porque ordenou que se destruíssem os registros oficiais a fim de que ninguém pudesse demonstrar que possuía uma linha de antepassados mais pura que a sua. Esta passagem poderá nos parecer pouco interessante, mas para o judeu era de suma importância que se pudesse demonstrar a descendência abraâmica de Jesus.

Além disso, deve notar-se que esta genealogia está cuidadosamente organizada. Forma três grupos de quatorze nomes cada um. Trata-se de uma lista mnemotécnica, quer dizer, organizada de maneira a ser fácil memorizá-la. Sempre devemos ter presente que os evangelhos foram escritos muitos séculos antes do primeiro livro impresso. Muito poucas pessoas podiam possuir cópias manuscritas, e a única maneira de "ter" um livro para a maioria era memorizá-lo. Os hebreus não possuíam números em seu sistema de escritura, e usavam as letras como numerais, cada uma com um valor definido (como se nós representássemos o 1 mediante A, o 2 mediante B, etc.). As consoantes da palavra "Davi" em hebreu são D W D. Em hebreu a D serve como número 4 e a W como 6; portanto D W D representa a soma de 4 mais 6 mais 4, ou seja 14. Esta genealogia tem o propósito de demonstrar que Jesus é filho do Davi; está organizada de maneira que fosse fácil memorizá-la e, deste modo, poder tê-la sempre "à mão" cada vez que fosse necessário.

AS TRÊS ETAPAS
Estudo sobre Mateus 1:1-17 (continuação)
A organização desta genealogia é de caráter simbólico; representa certas características da totalidade da vida humana. Está dividida em três seções, que correspondem a três etapas importantes da história judia. A primeira etapa culmina com Davi. Davi foi o homem que fez de Israel uma nação e converteu os judeus em uma potência mundial. A primeira seção leva a história até o momento do maior rei dos judeus. A segunda seção vai até o exílio em Babilônia. É a etapa que registra a vergonha, tragédia e desastre da nação hebréia. A terceira seção chega até Jesus Cristo. Jesus Cristo foi a pessoa que liberou os homens de sua escravidão e os resgatou de seu desastre, em quem a tragédia se converte em triunfo.

Estas três seções representam três etapas da história espiritual da humanidade.

(1) O homem nasce para a grandeza. "Deus criou ao homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou" (Gênesis 1:27). "Disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança" (Gênesis 1:26). O homem foi criado à imagem de Deus. O sonho de Deus para o homem era um sonho de grandeza. O homem foi feito para a comunhão com Deus. Foi criado de tal maneira que pudesse chegar a ser "parente" de Deus. Tal como o entendia Cícero, o pensador romano, "A única diferença entre Deus e o homem está no tempo". O homem nasceu essencialmente para ser rei.

(2) O homem perde sua grandeza. Em lugar de ser servo de Deus o homem se converte em escravo do pecado. Como diria G. K. Chesterton: "Seja o que for certo em relação ao homem, não pode sustentar-se que é aquilo para o qual foi criado". Usou seu livre-arbítrio para desafiar e desobedecer a Deus, em vez de usá-lo para entrar em comunhão e amizade com Ele. Converteu-se em um rebelde contra Deus, antes que em seu amigo. Fazendo uso de seu próprio arbítrio, o homem frustra o intuito e plano de Deus para sua criação.

(3) O homem recupera sua grandeza. Mas até então Deus não abandona o homem, nem o deixa entregue à sua própria sorte. Deus não permite que o homem seja destruído por sua própria loucura. Até nessa situação, não se permite que o final da história seja trágico. Deus enviou seu Filho ao mundo, a Jesus Cristo, para resgatar o homem do pântano do pecado, no que estava perdido, e libertá-lo das cadeias do pecado, com que ficara aprisionado, para que, através dele, o homem pudesse recuperar a comunhão com Deus que tinha perdido.

Nesta genealogia Mateus nos mostra como se obtém a grandeza majestática; a tragédia da liberdade perdida; a glória da liberdade restaurada. E esta, na misericórdia de Deus, é a história da humanidade e de cada homem individualmente.



A REALIZAÇÃO DOS SONHOS HUMANOS

Estudo sobre Mateus 1:1-17 (continuação)

Esta passagem sublinha duas coisas especiais a respeito de Jesus.

(1) Sublinha que era filho de Davi. Em realidade, a genealogia que encontramos no evangelho foi composta principalmente para demonstrá-lo. É um fato que o Novo Testamento afirma repetidas vezes. Pedro o faz no primeiro sermão da Igreja Cristã que se registrou (Atos 2:29-36). Paulo fala de Jesus como semente de Davi segundo a carne (Rom. 1:3). O autor das epístolas pastorais insiste com os homens a recordarem que Jesus Cristo, da semente do Davi, foi ressuscitado dentre os mortos (2 Timóteo 2:8). O autor do Apocalipse ouve Jesus Cristo dizer: "Eu sou a raiz e a linhagem de Davi" (Apocalipse 22:16).

No relato evangélico Jesus recebe em repetidas ocasiões o título de filho de Davi. Depois da cura do homem que fora cego e surdo, o povo exclama: "É este, porventura, o Filho de Davi?" (Mateus 12:23). A mulher de Tiro e Sidom que desejava a ajuda de Jesus para sua filha, chama-o: "Senhor, Filho do Davi!" (Mateus 15:22). Os cegos clamam a Jesus chamando-o Filho de Davi (Mateus 20:30-31). Quando Jesus entrou em Jerusalém pela última vez a multidão o aclamou de Filho de Davi (Mateus 21:9, 15).

Temos aqui algo de grande significado. É evidente que eram as multidões, o povo, os homens e mulheres comuns, os que O reconheciam como Filho de Davi. Os judeus eram um povo que esperava. Nunca tinham esquecido, nem podiam esquecer, que eram o povo eleito de Deus. Embora sua história tenha sido uma longa série de desastres, embora nesse preciso momento fossem um povo subjugado, nunca esqueceram seu destino. O sonho dos judeus era que viria ao mundo um descendente de Davi que os conduziria à glória que lhes pertencia por direito próprio. Quer dizer, Jesus é a resposta aos sonhos dos homens. É verdade que com muita freqüência os homens não o entendem assim. Vêem o cumprimento de seus sonhos na riqueza, no poder, na abundância material e na realização das ambições que entesouram. Mas se alguma vez têm que realizar os sonhos humanos de paz e beleza, de grandeza e satisfação, isso será possível somente em Jesus Cristo. Jesus Cristo e a vida que Ele oferece é a resposta aos sonhos seres humanos. Na antiga história de José há um texto que transcende a direta história. Quando José estava preso, junto com ele estavam também no cárcere o mordomo principal e o padeiro de faraó. Estes tiveram sonhos que os perturbaram. Os dois se lamentavam, dizendo: "Sonhamos, e não há quem pode interpretar nossos sonhos" (Gênesis 40:8). Porque o homem é homem, porque é filho da eternidade, vive acossado por seus sonhos: E o único caminho que conduz a sua realização é Jesus Cristo.

(2) Esta passagem enfatiza também o fato de que Jesus era o cumprimento das profecias. NEle se realiza a mensagem dos profetas. Hoje tendemos a atribuir pouca importância à profecia. Não nos interessa verdadeiramente procurar no Antigo Testamento aquelas palavras que prenunciam o que se cumpre no Novo Testamento. Mas a profecia envolve uma grande verdade eterna, ou seja, que o universo é uma ordem planejada, que um propósito e intuito divino o sustenta, que Deus deseja que ocorram certas coisas e age para que Sua vontade se cumpra.

Na peça teatral The Black Stranger, de Gerald Healy, há uma cena que ocorre na Irlanda, nos dias terríveis da grande fome de meados do século XIX. Ao não saber o que fazer e carecendo de qualquer outra solução, o governo contrata os desempregados para construírem estradas, embora estas não fossem necessárias nem vão a lugar algum, Michael, um dos personagens, descobre esta circunstância e um dia, quando volta pra casa, diz a seu pai em uma expressão de cáustica surpresa: "Estão fazendo estradas que não levam a lugar nenhum." Se crermos na profecia jamais poderemos afirmar que isto é o que ocorre com a história. A história nunca é um caminho que não leva a lugar nenhum. É possível que não usemos a profecia da mesma maneira como o fizeram nossos pais, mas por trás do fato da profecia está a verdade eterna de que a vida e o mundo não são caminhos sem destino, pelo contrário, se dirigem à meta proposta por Deus.

NÃO JUSTOS, E SIM PECADORES

Estudo sobre Mateus 1:1-17 (continuação)

O mais extraordinário desta genealogia são os nomes das mulheres que aparecem nela. Não é comum que nas genealogias judias apareçam os nomes das mulheres. A mulher não exercia direitos legais: não era considerada como uma pessoa, mas uma coisa. Era simplesmente propriedade de seu pai ou de seu marido, e estava obrigada a fazer o que eles quisessem. Na ação de graças matinal que o judeu proferia todas as manhãs, agradecia a Deus por não tê-lo feito gentio, escravo ou mulher. A simples presença de nomes femininos em uma genealogia é um fato surpreendente e extraordinário. Mas quando nos detemos a considerar quem eram estas mulheres e que coisas fizeram, sua menção se torna ainda mais surpreendente.

Raabe era uma prostituta de Jericó (Josué 2:1-7).

Rute nem sequer era judia, era moabita (Rute 1:4). A própria lei estabelece que "Não entrará amonita nem moabita na congregação do Senhor, nem até a décima geração deles; não entrarão na congregação do Senhor para sempre." (Deuteronômio 23:3). Rute pertencia a um povo estrangeiro e odiado.

Tamar seduziu deliberadamente a seu sogro Judá e cometeu adultério com ele (Gên. 38).

Bate-Seba, a mãe do Salomão, foi a mulher que Davi tomou de Urias, seu marido, valendo-se de uma imperdoável crueldade (2 Samuel 11 e 12).  

Se Mateus tivesse procurado com maior afinco em todo o Antigo Testamento, não poderia ter encontrado quatro personagens mais indignos de ser antepassados de Jesus. Entretanto, há algo muito belo na menção destas mulheres. Aqui, no princípio de seu evangelho, Mateus nos mostra de maneira simbólica qual é a essência do evangelho de Deus em Jesus Cristo, ao nos dar testemunho de como as barreiras são derrubadas.

(1) Em Jesus a barreira que separa o judeu do gentio é derrubada. Raabe, a mulher de Jericó e Rute, a mulher de Moabe, encontram um lugar na linha direta dos antepassados de Jesus. Já figura aqui a grande verdade de que em Jesus não há judeu nem grego. Aqui, desde o começo, afirma-se o universalismo do evangelho e do amor de Deus.

(2) Em Jesus a barreira que separa o homem da mulher é derrubada. Em nenhuma genealogia comum apareceriam nomes de mulher, mas os encontramos na genealogia de Jesus. O antigo desprezo desapareceu: O homem e a mulher estão igualmente perto do amor de Deus e são igualmente importantes em seu plano.

(3) Em Jesus a barreira que separa o santo do pecador é derrubada. De algum modo Deus pode incluir em seus propósitos, e incorporar em seu plano para a História, até aquele que cometeu grandes pecados. Diz Jesus: "Porque eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento" (Mateus 9:13). Aqui, ao iniciar o evangelho, nos é dado uma insinuação da amplitude universal do amor de Deus. Deus pode encontrar servos seus em seres humanos diante dos quais o crente respeitável tremeria de horror.


A ENTRADA DO SALVADOR NO MUNDO

Estudo sobre Mateus 1:18-25

Para nossa forma ocidental de entender os parentescos, as relações que se mencionam nesta passagem são muito confusas. Primeiro, diz-se que José está desposado com Maria; e depois encontramos que pensa "deixá-la" em segredo (divorciar-se dela); além disso, encontramos que o chama seu "marido". Estes termos são fiéis aos costumes matrimoniais dos judeus daquela época. No casamento judeu havia três passos:

(1) Em primeiro lugar vinha o compromisso. Freqüentemente se combinava quando os interessados eram apenas crianças. Em general os pais se encarregavam disto, ou um casamenteiro profissional contratado por estes. Além disso, em geral, os futuros maridos nem sequer se conheciam. Considerava-se que o casamento era um passo muito sério para ficar à vontade dos ditames do coração ou da paixão dos homens.

(2) Em segundo lugar vinha o noivado. Este era a ratificação pelos interessados da aliança que se concertou por eles. Até este ponto a mulher tinha direito de romper o contrato se não estivesse disposta a levá-lo adiante, mas quando o casal se havia desposado o compromisso se convertia em uma obrigação iniludível. O noivado durava um ano e durante este lapso o casal era conhecido como marido e mulher, embora não tinham os direitos dos maridos. A única forma de dissolver esta relação era mediante o divórcio. Na lei judia encontramos freqüentemente uma frase que para nós é extremamente estranha. Se uma mulher perde, por motivo de morte, o seu prometido durante o ano do noivado, é chamada "virgem viúva". José e Maria tinham chegado a esta etapa. Estavam noivos, e se José queria pôr fim à relação a única maneira legítima de fazê-lo era pedindo um divórcio. E durante esse ano de noivado, Maria era legalmente a esposa de José.

(3) A terceira etapa era o casamento propriamente dito, que tinha lugar ao finalizar o ano de noivado. Se tivermos em mente os costumes matrimoniais dos judeus, os parentescos e relações que figuram nesta passagem ficam perfeitamente normais e claros.

Neste momento, pois, é dito a José que Maria está grávida, que o filho tinha sido gerado pelo Espírito Santo e que devia lhe pôr o nome de Jesus. Jesus é a forma grega do nome hebreu Josué, e Josué significa Jeová é a salvação. Muito tempo antes o salmista tinha ouvido Deus dizer: "É ele quem redime a Israel de todas as suas iniqüidades" (Salmo 130:8). Foi dito a José que o menino que havia de nascer cresceria até tornar-se o Salvador que haveria de liberar o povo de Deus dos pecados deles. Jesus não era apenas o homem nascido para ser Rei como também o homem nascido para ser Salvador. Veio ao mundo não por seu próprio interesse, mas sim por todos nós, os seres humanos, para nossa salvação.


NASCIDO DO ESPÍRITO SANTO

Estudo sobre Mateus 1:18-25 (continuação)

Esta passagem nos diz como Jesus nasce por obra do Espírito Santo. Seu tema é o que nós denominamos "o nascimento virginal". O nascimento virginal é uma doutrina que nos apresenta muitas dificuldades. No momento não nos interessa discuti-la, e sim descobrir o que significa para nós.

Se viermos a esta passagem com a mente aberta e a lermos como se a estivéssemos lendo pela primeira vez, descobriremos que não sublinha tanto o fato de que Jesus nascesse de uma mulher virgem como a circunstância muito especial de que o nascimento de Jesus foi obra do Espírito Santo. "Achou-se grávida pelo Espírito Santo." "descobriu que o filho gerado no seio da Maria provém do Espírito Santo." É como se estas orações estivessem sublinhadas e impressas com letras maiúsculas. É isto o que Mateus deseja nos comunicar nesta passagem. Nesse caso, o que significa dizer que no nascimento de Jesus o Espírito Santo agiu de um modo particular? Deixemos de lado no momento todos os aspectos duvidosos e discutíveis deste fato, e nos concentremos em sua grande verdade, tal como Mateus tinha em mente.

No pensamento judeu o Espírito Santo exercia certas funções bem definidas. Não podemos trazer para a interpretação desta passagem a plenitude da doutrina cristã do Espírito Santo, porque estas idéias seriam completamente entranhas ao pensamento de José. Devemos interpretá-lo à luz da doutrina judia do Espírito Santo, porque esta, inevitavelmente, é a forma em que José deve ter compreendido a mensagem que recebeu, dado que era tudo o que ele conhecia.

(1) Segundo a concepção judia, o Espírito Santo era a pessoa que trazia a verdade de Deus aos homens. O Espírito Santo era quem comunicava aos profetas o que deviam dizer e quem dizia aos homens de Deus o que deviam fazer. Era o Espírito Santo quem, através das eras e das gerações, havia aproximado a verdade de Deus aos homens. De maneira que Jesus, segundo esta concepção, é a pessoa que traz a verdade de Deus aos homens.

Dito de outra maneira, Jesus é a pessoa que pode nos dizer como é Deus e o que Deus quer que nós sejamos. Somente em Jesus vemos como é Deus e como deveria ser o homem. Antes que viesse Jesus os homens tinham idéias muito vagas e confusas, com freqüência muito errôneas a respeito de Deus; até no melhor dos casos a única coisa que podiam fazer era adivinhar e propor idéias tentativas. Mas Jesus pôde dizer: "Quem me vê a mim vê o Pai" (João 14:9). Em Jesus vemos o amor, a compaixão, a misericórdia, a vontade redentora e a pureza de Deus como em nenhum outro lugar do mundo. Com a vinda de Jesus termina a época das respostas tentativas, e entramos plenamente na era da certeza. Antes que viesse Jesus ninguém sabia em realidade o que era a bondade. Jesus é o único em quem conhecemos a verdadeira humanidade, a autêntica bondade e a verdadeira obediência à vontade de Deus. Jesus veio para nos comunicar a verdade a respeito de Deus e de nós mesmos.

(2) Os judeus creiam que o Espírito Santo não somente trazia a verdade de Deus aos homens, mas também capacitava os homens a reconhecerem essa verdade quando a vissem. De maneira que Jesus é quem abre os olhos dos homens à verdade. Eles estão cegados por sua própria ignorância; estão separados do reto atalho por seus próprios preconceitos; seus olhos e suas mentes são entrevadas por seus próprios pecados e paixões. Jesus pode nos abrir os olhos até que sejamos capazes de ver a verdade.   25

Em uma das novelas de William J. Locke encontramos o retrato de uma mulher que tem qualquer quantidade de dinheiro e que empregou a metade de sua vida em visitar os museus e galerias mais famosos de todo o mundo. Mas estava aborrecida e cansada. Nessa situação encontra a um francês que tinha muito poucas posses materiais mas um grande amor para a beleza e um amplo conhecimento de todas as expressões da arte. Este a acompanhou, e com ele tudo parecia ser diferente. "Nunca soube como eram as coisas", diz-lhe ela, "até que você me ensinou a olhá-las."

A vida é muito distinta quando Jesus nos ensina a olhá-la. Quando Jesus entra em nosso coração vemos tudo de maneira diferente, porque ele nos abre os olhos, para que possamos ver de verdade.



CRIAÇÃO E RECRIAÇÃO

Estudo sobre Mateus 1:18-25 (continuação)

(3) Os judeus relacionavam o Espírito de Deus particularmente com a obra da criação. Mediante seu Espírito, Deus efetuou sua obra criadora. No princípio o Espírito de Deus sobrevoava a face das águas, e o caos se converteu em cosmos (Gênesis 1:2). "Pela palavra do Senhor foram feitos os céus", disse o salmista, "e todo o exército deles, pelo espírito da sua boca" (Salmo 33:6). (Tanto em hebreu como em grego a palavra que significa fôlego, sopro, respiração, também significa espírito.) "Envia seu espírito, são criados..." (Salmo 104:30), "O Espírito de Deus me fez, e o sopro do Onipotente me deu vida" (Jó 33:4). O Espírito é o criador do mundo e o doador da vida. De maneira que, em Jesus Cristo, ingressa no mundo o poder de Deus que dá vida e cria. Com Jesus entra no mundo a própria vida e poder de Deus. Este poder, que reduziu o caos à ordem, vem para pôr ordem em nossa vida desordenada. Este poder, que infundiu vida no que carecia dela, vem para insuflar vida em nossas debilidades e frustrações. Poderíamos dizê-lo da seguinte maneira: Não estamos verdadeiramente vivos até o momento em que Jesus entra em nossas vidas.

(4) Os judeus relacionavam ao Espírito acima de tudo com a obra de recriação. Ezequiel traça sua lúgubre imagem do vale dos ossos secos. Mas quando mais triste é o panorama, ouve a Deus dizer: "Porei meu espírito em vós, e vivereis" (Ezequiel 37:1-14). Os rabinos tinham uma afirmação: "Deus disse a Israel: Neste mundo meu Espírito encheu você de sabedoria, mas no mundo futuro meu Espírito fará com que você volte a viver." Quando os homens estão mortos em seu pecado e letargia, destruídas suas inteligências, almas e corações, somente o Espírito de Deus pode voltar a despertá-los para a vida. De maneira que, em Jesus, entra no mundo o poder que pode refazer e recriar a vida. Pode devolver a vida à alma que está morta no pecado. Pode reavivar os ideais que morreram. Pode voltar a fortalecer o desejo do bem que pereceu. Pode renovar e recriar a vida quando os homens perderam tudo o que a vida significa.

Neste capítulo do evangelho há muito mais que o fato de que Jesus tenha nascido de uma mãe virgem. A essência da narração do Mateus é que o Espírito de Deus age no nascimento de Jesus de uma maneira sem precedentes. É o Espírito que traz a verdade de Deus aos homens, é o Espírito que põe os homens em condições de ver essa verdade quando está diante deles, é o Espírito que pode, somente Ele, recriar a alma quando esta perdeu a vida que deveria ter. Jesus nos capacita a ver o que é Deus e o que deveria ser o homem. Jesus abre nossos olhos e mentes de tal maneira que podemos ver a verdade de Deus para nós; Jesus é o poder criador que desceu aos homens; Jesus é o poder recriador que pode liberar as almas dos homens da morte do pecado.