Interpretação de Jó 19
A Segunda Réplica de Jó a Bildade. 19:1-29.
Derrubado pelo julgamento brutal de Bildade (cons.
18:20), Jó não consegue aparentar a indiferença desdenhosa que demonstrou para
com os contendores em seu discurso anterior. Ele está morrendo à míngua de
compreensão e procura a piedade dos outros seres humanos (19:2-22). Mas eles
continuam desumanos. No auge do seu sofrimento, contudo, ele descobre novamente
o hálito da vida no amor de Deus, seu celestial Partidário (vs. 23-29).
2-22. O lamento introdutório de Jó leva à auto-defesa, além de uma descrição
da sua desolação (vs. 7-12) e isolação (vs. 13-19). Se os amigos são tão
antagônicos que devem instaurar um processo contra ele (v. 5; cons. 22), que
saibam agora que Deus é que me oprimiu, declara Jó (v. 6a, Bildade usou
o mesmo verbo em 8:3, para com o qual esta é tinia reação adiada). Eles estão
defendendo a injustiça. Como estranhos se apodaram de mim (v. 13b). O
sentimento de ostracismo de Jó, agravado pela manipulação insensível dos seus
opositores para com ele, transformou-se em fardo esmagador. Ele é evitado,
esquecido, aborrecido por todos – desde os conhecidos que apenas o cumprimentam
de longe até os membros mais íntimos da família (vs. 13-18), e finalmente, mas
não menos importante, pelo grupo dos seus conselheiros (v. 19). Desse abandono
brota o duplo: Compadecei-vos de mim (v. 21a). Basta de acusações e
falsidades! (v. 22). Assim esta seção completa o ciclo (cons. vs. 2, 3),
envolvendo Jó em desamparo.
23-29. Uma vez que seus contemporâneos desacreditam seu testemunho pessoal
quanto a sua integridade, Jó deseja que pudesse ser registrado em um livro (v.
23), ou, mais indelevelmente, em uma rocha (v. 24). Então seriam ouvidas e
possivelmente um veredito mais delicado por alguma futura geração seria
concedido. Pela inclusão da história de Jó nas Escrituras, esse desejo foi
atendido além da sua imaginação. Contudo, Jó desesperou-se de qualquer
cumprimento. Além disso, o que sua alma mais ansiava não era a vindicação
humana, mas divina. A visão do futuro era, portanto, apenas uma preliminar da
visão do céu:
25. Eu sei que o meu Redentor vive, e por fim se
levantar sobre a terra. A
esperança de um vingador celestial, divino, que estivera fortalecendo a alma de
Jó (cons. 9:33; 16:18 e segs.), aqui se aperfeiçoa. A posição do redentor (go’el)
era a do parente mais achegado. Era de sua responsabilidade restaurar a
fortuna, liberdade e nome do seu parente, quando se fizesse necessário, e de
corrigir o mal que lhe fosse feito, especialmente vingar o derramamento de
sangue inocente. Jó está confiante em que, embora toda a sua parentela
terrestre o deserde (cons. v. 13 e segs.), seu parente divino está preparado
para reconhecê-lo e falar a seu favor a última palavra no caso (cons. Is. 44:
6). O go’el celeste, ouvindo o grito do sangue inocente de Jó, vindo do
pó de sua sepultura (cons. Jó 16:18; 17:16), perseguirá seus difamadores (vs.
28, 29) e vingará o seu nome.
26.
Depois, revestido este meu corpo da minha pele, em minha carne verei a Deus. A
preposição hebraica aqui traduzida para “em” é ambígua, significando “em” ou “de”
(embora o último significado não seja comprovado em nenhum outro lugar com um
verbo de percepção). Jó continua considerando a morte iminente para o seu corpo
desgastado, a ser rapidamente destruído por enfermidade (cons. v. 20); mas seu
antigo anseio de um retorno do Sheol para a verdadeira vida (14:13-15) revive
agora como esperança firme. Deus cumprirá inteiramente seu papel de parente
remidor, até mesmo libertando Jó da tirania do rei dos terrores. Portanto, Jó
testemunhará, como jamais poderia se ele fosse destinado ao isolamento do Sheol
(cons. 14: 21, 22), da intervenção divina no mundo real para sua vindicação.
Seja como for que a frase em minha carne foi traduzida, Jó continua
expressando a ideia de uma renovação do homem como um todo após a morte. A
ênfase de 19:27, provavelmente, não está em que Jó, mais do que qualquer outro
venha a ver Deus, mas que Jó o verá como seu parente remidor, não como a um
estranho que lhe é hostil (cons. vs. 11, 12). Aqui está o começo daquilo que a
revelação progressiva finalmente enunciaria na doutrina da vinda de Cristo no
final dos tempos, a ressurreição dos mortos e o juízo final. O fato de que nem
Jó nem qualquer outro orador subsequentemente se refira a estas exaltadas
convicções é mais uma indicação de que o propósito do autor não era a teodiceia.
Esta notável investida da fé no meio do debate serviu para quebrar a tensão de
Jó, ainda que seu espírito não tivesse a capacidade de manter este nível
sublime.
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