Estudo sobre Habacuque 1

Estudo sobre Habacuque 1

Estudo sobre Habacuque 1


1) Título (1.1)
A introdução é caracterizada pela simplicidade e por um senso de autoridade espiritual. O nome e o ofício de Habacuque são mencionados, mas a atenção se concentra na natureza e origem de sua mensagem. O termo Advertência (algumas versões trazem “oráculo”) indica um comunicado divino recebido para ser transmitido como uma declaração solene e marcada pela autoridade. “Peso” (ARG, ACF) destaca a responsabilidade que é transferida para o agente humano. (V. uma análise detalhada de massã' em Zacarias, TOTT, p. 162-3, nota adicional). A expressão revelada deixa propositadamente vago o meio pelo qual essa revelação foi transmitida (cf. Am 3.7).

2) Habacuque protesta contra Deus (1.2-4)
As condições: Um espírito de anarquia está amplamente difundido, e, como hoje, usa como armas a destruição e a violência. Gomo resultado da amargura entre facções rivais, há luta e conflito por todo lado\ em todos os lugares, predomina o caos moral. Não muito tempo antes, sob Josias, a lei (torah) havia sido redescoberta e reaplicada à vida da comunidade (2Rs 21; 22). Agora ela é novamente inoperante (se enfraquece-, “se afrouxa”, ARA; lit. “está entorpecida”). Designada por Deus para a orientação da vida do seu povo em questões morais e também rituais, ela está sendo abertamente escarnecida e desconsiderada e, por consequência, levada ao descrédito. Em todos os lugares, parece que o poder está do lado das pessoas erradas, de maneira que os “maus levam vantagem sobre os bons” (NTLH). Os justos em vão esperam por apoio ou reparação do tribunal. A justiça que eles esperam não é nada mais do que uma caricatura dela, pois é pervertida. Os defensores da verdade e da pureza que ainda há são escarnecidos ou ignorados. A lei (torah) é rejeitada, e, por consequência, a justiça (mispât) é abandonada.
O efeito: Para Habacuque, a repugnância desse trágico estado de coisas é acentuada porque ele enxerga a situação de forma muito clara (v. 3a). Aliás, ele praticamente censura Deus por compeli-lo a olhar para a condição desesperadora do seu povo. Uma atitude escapista (cf. SL 55.6,7; Jr 9.2) é impossível. A sensibilidade tanto para as mazelas quanto para as necessidades da sociedade surge do relacionamento com Deus.
Contudo, o maior problema e a causa que está na raiz da sua angústia são que Deus parece tanto silencioso — sem que tu ouças — quanto inativo — sem que tragas salvação (v. 2). E isso, muito mais do que a falta de obediência à lei, a injustiça e a opressão que causam a perplexidade do profeta. O seu grito é Até quando...? (cf. SL 89.46; Jr 12.4; Zc 1.12; Ap 6.10). As suas intercessões têm sido urgentes e sofridas, e de fato o seu terror explode às vezes em um grito de exclamação: Violência! (uma oração de uma palavra). Ele está confuso e magoado porque o Deus que ele conhece e a quem ele chama pelo nome da aliança, JavéSenhor, não intervém. Mas o pior está por vir: “os enigmas da condução divina da história estão se tornando ainda mais obscuros” (von Rad, p. 190).

3) Deus responde (1.5-11)
Olhem as nações: (cf. “Por que me fazes ver a injustiça...?”, v. 3). O olhar de Habacuque precisa de uma mudança de direção. Também requer ser focalizado, como sugere o imperativo Olhem. A resposta que ele recebe corresponde à dupla queixa que ele fez. Deus lhe informa que, apesar de todas as aparências, ele não está inativo — nos dias de vocês farei algo. E se ele esteve silencioso foi só por causa da relutância do profeta e do povo que ele representa em aceitar a solução que Deus está propondo — não creriam se lhes fosse contado (cf. Is 53.1). Deus não estava afastado, como imaginava Habacuque, deixando que as coisas acontecessem sem a sua supervisão. Ele já havia começado a agir, mas de maneira que se mostraria inacreditável e inaceitável. A duplicação Olhem [...] fiquem atônitos e pasmem indica a Habacuque como ele ficaria completamente aturdido quando fosse confrontado com a incompreensibilidade do plano de Deus. As ideias preconcebidas podem bem ter tornado mais difícil para ele aceitar a resposta de Deus, mas as suas orações não podem ser consideradas infrutíferas.
Observação: Paulo usa esse versículo no seu sermão na sinagoga em Antioquia da Pisídia (Atos 13.40,41). Ele o cita da LXX, “que se adaptava mais ao seu propósito” (F. F. Bruce, ActsThe English Text, p. 279), e prossegue em aplicá-lo à extraordinária salvação oferecida pelo evangelho, como também ao terrível julgamento que aguarda os que a rejeitam.
Os versículos seguintes (6-11) descrevem a arma forjada pelo Todo-poderoso como a vara da sua ira (Is 10.5). E suficiente para fazer tremer o coração mais valente. Estou trazendo: a ARA diz: “Pois eis que suscito”, uma tradução mais próxima do original hebraico. Mas isso dificilmente estaria se referindo ao estabelecimento da Babilônia como potência mundial, mas ao fato de que a sua atenção está se voltando agora para Judá. Por isso, a NVI aqui traduz melhor a ideia do original. Em relação ao retrato que se faz nesses versículos das forças babilônias, tem-se dito que “não está em harmonia com o real progresso e a verdadeira natureza dos exércitos de Na-bopolassar depois de 625” (Eaton, p. 89). Isso, no entanto, não parece dar reconhecimento suficiente à natureza poética e dramática desse retrato do inimigo.
E provável que Habacuque já soubesse da imensa força militar e da natureza dos babilônios. A crueldade e determinação deles eram tais que nada parecia poder barrá-los. Movidos por ambição egoísta e por ganância, eles vêm para apoderar-se de moradias que não [lhes] pertencem. A ameaça de invasão por eles deixa a população aterrorizada (v. 7a, 9a). Eles não reconhecem nenhum tratado internacional de conduta militar, não prestam contas a nenhum poder superior; é uma nação que cria a sua própria justiça e promove a sua própria honra. A natureza desses padrões, que eles determinam sozinhos, pode ser aferida do pânico que eles inspiram.
Imagens muito fortes são usadas para retratar a cavalaria do inimigo: como leopardos por causa da rapidez e a brusquidão com que se lançam sobre as suas vítimas, como lobos no crepúsculo por causa da crueldade e da implacabilidade com que perseguem o seu inimigo, e como ave de rapina que mergulha para devorar a presa por causa da imprevisão do seu ataque.
Embora o texto dos versículos restantes desse parágrafo (9-11) seja incerto, o retrato que transmite não é. violência é melhor traduzido por “despojo” (v. 9a). A expressão seguinte é considerada pela maioria dos tradutores uma referência aos “rostos” do inimigo (cf. ARA, ARC e ACF). “Um mar de faces avança” (NEB), “as suas faces ardentes como o vento oriental” (JB em inglês). Se optarmos pela última, a figura de uma tempestade de areia pode estar por trás da afirmação seguinte: fazendo tantos prisioneiros como a areia da praia. A deportação em massa segue o ataque. Eles não são intimidados por homens de renome nem detidos pela fortaleza mais robusta, constroem rampas de terra e por elas as conquistam é uma referência aos montes de terra feitos no cerco diante da cidade murada, possibilitando o avanço dos invasores para que assaltassem a fortaleza (cf. Jr 32.24). A descrição chega ao seu clímax com as palavras passam como o vento e prosseguem.
A sua carreira de conquistas é tão devastadora quanto um furacão. Em todo esse esboço das forças babilônias, a marca predominante é a do seu avanço rápido e irresistível.
O princípio segundo o qual eles operam é o que tem motivado muitos déspotas antes e depois deles — “o poder define o direito” (v. 7b). No caso deles, no entanto, esse mal é aumentado e tornado mais abominável pelo fato de que deifícam e adoram a sua invencibilidade — têm por deus a sua própria força (v. 11). E isso, acima de tudo, que os faz merecer o veredicto: homens carregados de culpa. Não é de admirar, então, que essa seção precisasse ser prefaciada com a declaração: fiquem atônitos e pasmem; pois nos dias de vocês farei algo em que não creriam se lhes fosse contado (v. 5). Deus fala desse panorama horrendo como uma ação sua, direta e pessoal (observe a repetição da primeira pessoa: “farei”, “estou”; v. 5,6). Não se pode esperar disso tudo outro efeito sobre o seu servo que não uma profunda perplexidade.

4) O profeta objeta (1.12-17)
Habacuque, pronto para expressar a sua objeção à estratégia divina, primeiro se fortalece na reafirmação da sua fé. (1) Deus é eterno. Ele, sem dúvida, encontra conforto nessa verdade (cf. Dt 33.27; SL 90.1). O corolário “nós não morreremos” (nr. da NVI; o texto traz tu não morrerás\ cf. Ml 3.6) pode bem representar uma emenda feita por um escriba antigo para quem a associação entre “Deus” e “morrer” era considerada irreverência (cf. “tu és imortal”, NTLH). (2) Senhor —    aquele que pelo amor leal da aliança se compromete a abençoar o seu povo. (3) Deus —    supremo, poderoso, confiável. (4) Santo — santo no seu caráter e justo nas ações (uma convicção da qual o profeta se nega a abrir mão). (5) Rocha — o refúgio permanente de todos os que confiam nele. Assim, Habacuque recita o que ele sabe de Deus e, empregando duas vezes o pronome pessoal possessivo meu, se apega àquela grande realidade. Além disso, ele confirma que entendeu o plano que Deus lhe revelou, isto é, que os babilônios vão ser uma ferramenta para aplicar o castigo (v. 12b). Essa combinação entre fé e compreensão constitui, por um lado, o fundamento em que ele se apóia para enfrentar a crise, e, por outro, a causa da sua perplexidade. Essa perplexidade ele agora traz a público.
O rumo proposto por Deus parece estar em contradição aberta com o seu caráter. Como pode aquele cujos olhos sempre devoraram o mal (Ap 1.14) “suportar” a traição de homens maus? v. 13. perversos-, (“infiéis”, RSV; cf. fidelidade, 2.4b). Anteriormente Habacuque tinha lamentado que os ímpios prejudicam os justos (v. 4); agora ele encara o fato de que os ímpios devoram os que são mais justos que eles. Vítimas inocentes vão sofrer um destino pior do que antes, e Deus aparentemente não é nada mais do que um espectador — calado. O que é muito mais desconcertante ainda é que ele está ativamente usando um agente impuro na execução do seu propósito (v. 12b,14). A relação imediata entre as ações de Deus e as dos homens é destacada pela referência a ambos com a mesma metáfora (cf. o “tu” implícito com respeito a Deus, v. 14; ele e sua com respeito aos caldeus, v. 1517). Com o seu protesto a plenos pulmões, precisamos questionar se o profeta não foi longe demais na sua censura a Deus (v. 14), e se não se infiltrou uma medida de exagero no retrato do pescador reverenciando a sua rede. A irrupção chega ao clímax com a pergunta desafiadora que é lançada diante de Deus para que a responda (v. 17).