Mateus 2:13-23 — Comentário Católico

Mateus 2:13-23 — Comentário Católico

A fuga para o Egito (2,13-15)

15. do Egito: a citação é de Os 11,1; a referência é à experiência fundamental da salvação, o êxodo da escravidão egípcia. O “filho” na profecia é Israel, o povo de Deus. Mateus aplica aqui a tipologia do êxodo a um indivíduo, Jesus, que representa o início da restauração de todo o Israel (19,28; 21,43). Este duplo significado de filho de Deus tanto individual quanto coletivo volta a ocorrer em 4,1-11. Em Jesus, a história, o povo e as instituições de Israel são concentrados e condensados para um avanço à próxima era da salvação. A fuga é um novo êxodo com um novo e maior Moisés. Mateus utilizou tradições de Moisés tal como aparecem remodeladas em Josefo, Ant. 2.9.2-6 § 205-31. 14 (E) O massacre dos inocentes (2,16­ 18). 16. Herodes... mandou matar... todos os meninos: Herodes atua conforme o que sabemos dele; o relato pode não ser histórico, mas possui certa verossimilhança e evoca a ordem do faraó para matar toda descendência masculina dos israelitas (Ex 1,16), um exemplo clássico de abuso genocida de poder. Se o incidente for histórico, o número de crianças mortas não precisaria ter excedido a vinte. 18. Mateus introduz uma citação profundamente comovente de Jr 31,15. A perda dos próprios filhos por uma mãe é uma dor sem paralelos. Em Gn 35,16-20, Raquel se aflige não porque seu filho morre, mas porque ela morre ao dá-lo à luz. Em Jeremias, ela chora por causa do exílio de seus filhos José e Benjamim. Pode ser que, ao citar Jeremias, Mateus deseje associar Jesus com Jeremias como o profeta sofredor da nova aliança (Jr 31,31-34; Mt 26,28). Jeremias continuava vivo na esperança judaica no fim dos tempos (2Mc 2,1-12; 15,13-16).

O retomo do Egito (2,19-23) 

Os versículos 19-22 explicam por que José estabeleceu sua família na Galileia e não na Judeia. O versículo 20 evoca Ex 4,19. 23. e foi morar numa cidade chamada Nazaré: José, envolvido no negócio da construção, estabeleceu-se em Nazaré, provavelmente porque poderia encontrar trabalho em abundância na vizinhança de Séforis, que Herodes Antipas estava reconstruindo como sua capital naquele tempo. A referência a uma profecia aqui propõe um clássico problema de interpretação, uma vez que não há nenhuma correspondência exata com nenhum texto conhecido do AT. Talvez Mateus a tenha introduzido aqui para levar o leitor a considerar uma série de elementos: (1) uma referência a uma cidade pequena não mencionada no AT; (2) uma referência ao Messias como um ramo (nêser) em Is 11,1 etc.; e, o mais interessante, (3) uma referência a Jesus como um nãzir, “consagrado”, na linhagem de Sansão e de Samuel. Em Nm 6,1-21, encontramos as condições para ser um nãzir; em Jz 13-16, encontramos a história de um nãzir vitalício, Sansão, uma figura heróica de salvador. Outras referências são Am 2,11-12, Josefo, Ant. 19.6.1 § 294; At 21,24; 4QSamb (= ISm 1,22): m. Nazir; Eusébio, HE 2.23.4-5. Se Mateus visasse a esta terceira referência, ela significa que Jesus é forte para salvar seu povo (não que ele tenha levado uma vida ascética, que aponta, antes, para João Batista no versículo seguinte).

16. Considerando os caps. 1 e 2, podemos ver que Mateus apresentou Jesus ao leitor como o filho de Abraão na genealogia, filho de Deus e Emanuel em 1,18-25, filho de Davi em 2,1-12, um novo Moisés em 2,13-15, um novo Jeremias em 2,16-18 e um novo Sansão em 2,19-23. De todos os ângulos, Jesus aparece como a figura do salvador. O gênero literário destes dois capítulos foi bastante discutido. Por séculos foi considerado como história familiar, embora difícil de reconciliar com Lc 1-2 em muitos detalhes. Em décadas recentes, tornou-se comum considerá-los um midrásh judaico-cristão. Um midrásh é uma interpretação homilética do AT, empregando frequentemente a narrativa. Uma vez que Mt 1-2 não são primordialmente uma interpretação de textos do AT, mas de uma pessoa, Jesus, não é um midrásh no sentido estrito. Mas emprega, sem dúvida, técnicas midráshicas de exposição. Isto significa que, além de informações históricas, há também elementos legendários nos capítulos. R. E. Brown propôs como gênero apropriado “narrativas da infância de personagens famosos”, uma categoria que nos permite englobar estes diferentes aspectos (BBM 561). Uma comparação detalhada dos relatos em Mateus e em Lucas renderia 11 pontos em comum (BBM 34-35). Os três mais importantes são que Jesus é filho de Davi (i.e., da tribo de Judá), nascido em Belém e criado em Nazaré, e que foi concebido virginalmente. Seria conveniente fazer destes pontos o cerne histórico dos relatos, mas eles estão, de fato, em diferentes níveis de probabilidade histórica. O primeiro tem a maior possibilidade de ser histórico. O nascimento em Belém e a concepção virginal estão, potencialmente, tão altamente influenciados pela leitura das profecias do AT pelo autor que o historiador hesita onde o crente não precisa fazê-lo. Contudo, é mais provável que os relatos tenham existido primeiramente sem as fórmulas de citação do que as histórias terem sido criadas para as envolver. As cinco citações são contribuições de Mateus à tradição recebida, uma contribuição que ele continua a fazer em 4,14-16; 8,17; 12,17-21; 13,35; 21,4-5; 27,9-10. Os primeiros cristãos reconheceram Jesus como o Filho de Deus primeiramente em sua ressurreição (Paulo), depois em seu batismo (Marcos), depois em sua concepção (Mateus/Lucas). Em seu relato da rejeição e do triunfo divino, o prólogo contém a história do evangelho em miniatura. Prenuncia uma união de judeus e gentios em um novo reino universal e mostra que Deus pode tornar fecunda a estéril, que sua força está escondida na fraqueza, que seu plano está em ação.