Apocalipse 1 — Comentário Literário da Bíblia

Apocalipse 1

O capítulo 1 apresenta o livro como uma “revelação de Jesus Cristo”, enquanto a saudação de João às igrejas o caracteriza como uma carta. O capítulo termina com João na ilha de Patmos, onde o apóstolo recebe a primeira visão do Cristo ressuscitado e glorificado. A palavra apokalypsis (“apocalipse”) é parte de uma alusão a Daniel 2, uma vez que o todo de 1.1 é modelado de acordo com a estrutura mais ampla de Daniel 2.28-30,45-47 (cf. Θ), em que apokalyptõ (“revelar”) aparece cinco vezes (cf. tb. 2.19,22), ha dei genesthai (“o que deve acontecer”), três vezes, e sêmainõ (“significar”) duas vezes (cf. tb. 2.23 LXX). A expressão en tachei (“em breve”) é uma substituição consciente da frase “nos últimos dias” de Daniel (Dn 2.28) e conota a época definitiva e iminente de seu cumprimento. Mas enquanto Daniel esperava que esse cumprimento ocorresse num futuro distante, nos “últimos dias”, João espera o início desse cumprimento ainda na sua geração. Na verdade, já começou a acontecer, como atestam as referências à fase inicial do cumprimento das profecias do AT no capítulo 1 (cf. 1.5,7,13,16). O uso de sêmainõ em Daniel 2.45 LXX mostra a natureza simbólica do sonho do rei da Babilônia (uma estátua que simboliza quatro impérios mundiais, uma espécie de cartum político). O apelo a essa passagem de Daniel no título e na declaração de conteúdo do livro todo mostra que essa visão simbólica será parte da estrutura subjacente dos meios de comunicação por todo o livro de Apocalipse. Assim, em vez de produzir a expectativa de que a maior parte do livro é “literal” por natureza, esse versículo indica que a maior parte do material deve ser entendida de maneira simbólica (sobre o qual, v. Beale 1999b, p. 295-9). Essa é uma das várias razões pelas quais os capítulos de 4 a 21, em especial, devem ser vistos como predominantemente simbólicos (esp. as visões dos selos, das trombetas e das taças [sobre isso, v. Beale 1999a, p. 50-69]).

1.4a O número “sete” é o que mais se destaca em Apocalipse. No AT, o número denotava “completude” (e.g., Lv 4 — 16; 26.18-28), ideia que se origina do relato da Criação, em Gênesis 1, em que os seis dias da Criação são seguidos pela consumação. Assim, é provável que as sete igrejas da Ásia representem toda a igreja. A identificação de Deus como “aquele que é, que era e que há de vir” é uma interpretação do nome “YHWH” baseada na reflexão sobre Êxodo 3.14 e sobre a dupla e a tripla identificação temporal de Deus em Isaías (cf. Is 41.4; 43.10; 44.6; 48.12), as quais provavelmente refletem o nome divino de Êxodo 3.14. O nome de Êxodo 3.14 também foi ampliado de forma tríplice pela tradição judaica mais tardia, notadamente em Targum de Pseudo-Jônatas sobre Deuteronômio 32.39; “Eu sou aquele que é, que era e que será”. O primeiro elemento, “aquele que é” (ho õn), deriva de Êxodo 3.14 LXX (egõ eimi ho õn) e, embora a preposição grega apo (“de”, “da parte de”) peça o genitivo, João mantém ho õn no nominativo, a fim de destacá-lo como alusão ao Êxodo (para um relato completo da expressão, v. McDonough 1999). É possível que João empregue tais construções aqui e em outras passagens como hebraísmos — em hebraico, o substantivo não é flexionado nos casos indiretos (v. Charles 1920, 1:13), a fim de criar um efeito “bíblico” no leitor e, assim, mostrar a solidariedade de sua obra com a obra da revelação de Deus no AT (para outros exemplos de tais tipos de solecismos pretendidos, v. comentário de 1.5; 2.20; 3.12; 9.14 em Beale 1999a; v. tb. Beale 1997b). (1.4b) Essa epístola profética também é oriunda dos “sete espíritos que estão diante do seu trono”. O segmento de frase provavelmente é uma designação coloquial do Espírito Santo, a qual expressa a diversidade da obra de Deus na igreja e no mundo. A expressão “sete espíritos” é parte de uma parafraseada alusão a Zacarias 4.2-7 (como evidenciam 4.5 e 5.6), que identificava as “sete lâmpadas” como o Espírito de Deus, cujo papel era ser canal da graça de Deus (cf. Zc 4.7: “Graça! Graça!”) para Israel, se houvesse êxito na reconstrução do Templo (v. comentário de 1.12; 4.5; 5.6 adiante). É possível que Isaías 11.2-10 LXX esteja incluído com Zacarias no contexto dos “sete espíritos”, já que 5.5,6 faz alusão a esse texto (cf. a “raiz”, de Is 11.1, em 5.5; cf. tb. a menção aos “sete espíritos de Deus”, em 5.6 [v. Farrer 1964, p. 61]; observe ainda o uso de Is 11.4 em 1.16 [para um esclarecimento sobre a presença de ambas as influências do AT, v. Skrinjar 1935, p. 114-36]).

 1.5 O texto de Salmos 88.28,38 LXX (89.27,37 TP) é a base para a afirmação de que Cristo é a “fiel testemunha”, o “primogênito” e o “Príncipe dos reis da terra”, uma vez que as três expressões ocorrem apenas ali (cf. Is 55.4). O contexto imediato do salmo refere-se a Davi como rei “ungido” que reinará sobre todos os inimigos e cuja semente será estabelecida em seu trono para sempre (SI 88.20-38 LXX [89.19-37 TP]; o judaísmo interpretava Salmos 89.28 de forma messiânica [Midr. Rab. de Êx 19.7; talvez Pesiq. Rab. 34.2]). Embora a “fiel testemunha” em Salmos 88.38 LXX se refira ao testemunho perene da Lua, em comparação ao reinado perpétuo da semente de Davi no trono, a expressão aqui é aplicada adequadamente a Cristo (sobre a “fiel testemunha”, v. tb. Is 43.10-13). Assim, João vê Jesus como o rei davídico ideal, cuja morte e ressurreição resultaram em seu reinado eterno e no reinado de seus filhos “amados” (cf. 5.5b). O termo “primogênito” refere-se à posição privilegiada de Cristo conquistada como resultado da ressurreição dos mortos (SI 89.27-37, desenvolvendo a ideia de 2Sm 7.13-16; SI 2.7,8). Em 1.5, acha-se também uma alusão à função sacerdotal de Cristo (“nos libertou dos nossos pecados pelo seu sangue”), visto que os sacerdotes do AT obtinham a santificação e a expiação de Israel pela aspersão do sangue de animais sacrificados (cf. Êx 24.8; Lv 16.14-19; v. Loenertz 1947, p. 43). Esse pode ser um cumprimento tipológico da redenção do Israel escravo do Egito pelo sangue do cordeiro pascal, como demonstra a clara alusão a Êxodo 19.6 em 1.6. Aqui, como em Hebreus, Cristo é retratado ao mesmo tempo como sacerdote e sacrifício.

1.6 A expressão “reino e sacerdotes” baseia-se numa expressão semelhante de Êxodo 19.6 [basileiou hierateuma [cf. TM]). Há certa dúvida se a expressão de Êxodo deve ser entendida como “sacerdócio real” ou como “reino sacerdotal”, mas a diferença é insignificante, posto que ambas podem incluir a referência aos elementos real e sacerdotal (para a discussão de significados alternativos em Êx 19.6 e Ap 1.6, v. Gelston 1959; Dumbrell 1985, p. 124-6, 159-60). A expressão de Êxodo é um resumo do propósito de Deus para Israel. Isso significa essencialmente que Israel deveria ser uma nação real e sacerdotal a mediar a luz da revelação salvífica de Yahweh por meio do testemunho aos gentios (e.g., Is 43.10-13), propósito que os profetas do AT relembravam continuamente e que Israel não cumprira (e.g., Is 40—55). A natureza sacerdotal de toda a nação de Israel também fora demonstrada pelo fato de Moisés tê-los consagrado exatamente da mesma forma que a Arão e seus filhos, pela aspersão do sangue do sacrifício (cf. Êx 29.10-21 com Êx 24.4-8). É provável que a designação de todos os santos como sacerdotes, em 1.6, tenha origem nesse contexto (assim Düsterdieck 1980, p. 124). À semelhança dos sacerdotes do AT, todo o povo de Deus agora tem acesso direto à divina presença (I. T. Beckwith 1919, p. 430), porque Cristo removeu o obstáculo do pecado pelo seu sangue vicário (Vanhoye 1986, p. 289). Tal acesso sem intermediários recebe algumas qualificações em outras passagens do NT, principalmente no sentido de que Cristo é o sumo sacerdote mediador no templo celestial para todo o povo de Deus (cf., e.g., Hb 8— 10; para outras qualificações desse “acesso sem intermediários”, v. Beale 2004 [os cap. sobre o templo do NT]).

1.7 Esse versículo é composto de duas citações do AT. A primeira é de Daniel 7.13, que no contexto do AT se refere à entronização do “filho de homem” sobre todas as nações (cf. Dn 7.14) após o juízo de Deus sobre os impérios do mal (Dn 7.9-12). A citação seguinte é de Zacarias 12.10, que em seu contexto diz respeito ao final dos tempos, quando Deus derrotará as nações inimigas ao redor de Israel e quando Israel for redimido depois que se arrepender da pecaminosa rejeição a Deus e ao seu Mensageiro (i.e., “aqueles que o traspassaram”). A combinação idêntica de Daniel 7 e Zacarias 12 em Mateus 24.30 pode ter influenciado João a reuni-las aqui também (a mesma combinação ocorre ainda em Justino, o Mártir, Dial. 14.8; MT 24.30 pode se referir também ao arrependimento, à luz de 24.31). A comparação entre aquele pelo qual “lamentarão” e o “primogênito” de Zacarias 12.10 também não é coincidência, uma vez que a mesma palavra (prõtotokos) descreve o rei em Salmos 88.28 LXX (89.27 TP) e Jesus em Apocalipse 1.5. O texto de Zacarias sofreu duas alterações significativas: “todo o olho” e “da terra” (cf. Zc 14.17) foram adicionados para universalizar o significado original. Trata-se provavelmente de uma referência não a todas as pessoas, sem exceção, e sim a todas as pessoas entre as nações que creem, como mostram claramente 5.9 e 7.9 (cf. o pl. “tribos”, como referência universal aos incrédulos:11.9; 13.7; 14.6). A palavra (“terra”; “solo”) não pode ser uma referência limitada à terra de Israel, pois denota universalidade, já que esse é o único significado da expressão pasai hai phylai tês gês (“todas as tribos da terra”) no AT (LXX: Gn 12.3; 28.14; Sl 71.17; Zc 14.17). A expressão “todas as tribos de Israel” é recorrente no AT (c. 25 vezes) e realça a expressão diferente de Apocalipse 1.7b. Isso implica uma extensão do conceito veterotestamentário de Israel, uma vez que aquilo que outrora foi aplicado àquela nação em Zacarias 12 é agora transferido aos povos da terra que assumiram o papel do Israel arrependido. Alguns estudiosos acreditam que a citação de Zacarias é utilizada de forma oposta à intenção original, para designar o sofrimento das nações sob juízo iminente. No entanto, João normalmente adere e, de modo consistente, desenvolve as ideias contextuais de suas referências ao AT, por isso as exceções propostas a essa regra devem conter o ônus da prova. As nações de 1.7b lamentam não por si mesmas, mas por Jesus, o que se encaixa melhor na ideia de arrependimento que na de juízo. É bastante apropriado que a figura do “filho de homem” seja aplicada duas vezes a Jesus no espaço de apenas sete versículos (1.7,13), pois o “filho de homem”, de Daniel 7, era uma representação coletiva dos santos no que diz respeito a sofrer e governar, e esse título era usado por Jesus nos Evangelhos para indicar seu reinado revelado e inaugurado em meio ao sofrimento. No Midrash de Salmos 2.9, Daniel 7.13,14 é interpretado como uma referência coletiva à nação de Israel, embora outros setores do judaísmo o apliquem a uma figura messiânica individual (e.g., 4Ed 13.1-39; lE n 37-71; 2Br 36-40). A identificação de Jesus como “filho de homem” (1.13) e a natureza progressiva do tempo presente em 1.7a (“ele vem”) sugere que o cumprimento da profecia de Daniel 7.13 é visto aqui como iniciando no primeiro século, continuando por toda a era da igreja e culminando no final da história.

1.8 O merisma “Alfa e Ômega” talvez tenha sido formulado por meio de uma reflexão sobre expressões semelhantes encontradas em Isaías 41—48, sendo que “o primeiro e o último” (1.17b) se baseia no mesmo vocabulário de Isaías (cf. Is 41.4; 44.6; 48.12) e, uma vez que a tripla identificação de 1.8b também remete a Isaías (v. comentário de 1.4 [“aquele que é, que era e que há de vir”]). Deus, que transcende o tempo, guia todo o curso da história, porque permanece soberano desde o início dela até o fim. A expressão “diz o Senhor Deus, o Todo-Poderoso” (pantokratõr), bastante comum nos Profetas (e.g., Ageu; Zacarias; Malaquias), também aqui representa a soberania divina.

1.10-11 A introdução à comissão de João é cunhada na linguagem repetida do profeta Ezequiel, ser “levantado” pelo Espírito, o que identifica a revelação de João com a dos profetas do AT (cf. Ez 2.2; 3.12,14,24; 11.1; 43.5). Sua autoridade profética é reforçada com a voz que Moisés ouviu quando Yahweh se revelou a ele no monte Sinai (Êx 19.16,19,20). Essa ideia é ainda mais enfatizada pela ordem: “Escreve em um livro”, que é reflexo da incumbência dada por Yahweh aos seus servos profetas, de comunicar a Israel a revelação que haviam recebido (LXX: Êx 17.14; Is 30.8; 37.2; 39.44; Tb 12.20). Observe que em todas as comissões dadas aos profetas os escritos eram testamentos de juízo contra Israel (LXX: Is 30.8; Jr 37.2; 39.44; cf. tb. na LXX: Êx 34.27; Is 8.1; Jr 43.2; Hc 2.2). (1,12) A primeira imagem que João vê em sua visão inicial é a dos “sete candelabros de ouro” (1.12b), que tem seu contexto geral em Êxodo 25 e 37 e Números 8, mas que é extraída mais especificamente de Zacarias 4.2,10. Essa afirmação é corroborada por três observações: 1) a menção aos “sete espíritos”, em 1.4 (cf. Zc 4.6); 2) a visão dos candelabros, em 1.12b, é interpretada em 1.20, que segue o mesmo padrão de interpretação das visões de Zacarias 4.2,10; 3) alusões claras a Zacarias 4.2,10 são encontradas em 4.5 e 5.6, em estreita associação com as alusões a Daniel.

Os “sete candelabros” representam a igreja (cf. 1.20). Em Zacarias 4.2-6, o candelabro com sete lâmpadas é uma sinédoque, em que parte do mobiliário do Templo representa o Templo inteiro. Este, por extensão, também representa o Israel fiel (cf. Zc 4.6-9), que é de quem se exige que viva “não por força nem por poder [terrenos], mas pelo meu Espírito, diz o Senhor” (Zc 4.6). Tanto o candelabro do Tabernáculo quanto o do Templo eram colocados diante do lugar santíssimo, que continha a gloriosa presença de Deus, e a luz que deles emanava aparentemente representava a presença divina (v. Nm 8.1-4; em Êx 25.30,31, o candelabro é mencionado logo após os “pães consagrados”; v. tb. 40.4; lRs 7.48,49). De igual modo, as lâmpadas do candelabro de Zacarias 4.2-5 são interpretadas em 4.6 como uma representação da presença de Deus ou do Espírito, que iria capacitar Israel ( = “o candelabro”) a concluir a reconstrução do Templo, apesar da resistência (cf. Zc 4.6-9). Assim, o novo Israel, a igreja, como “candelabro” é parte do templo e deve obter seu poder do Espírito, a santa presença diante do trono de Deus, em seu esforço contra a resistência do mundo. Isso é realçado em 1.4 e no capítulo 4. A expressão incomum “ver a voz”, do texto grego, pode estar relacionada com Êxodo 20.18, em que “todo o povo viu a voz [...] a voz da trombeta” (cf. na LXX: Ez 3.12,13; 43.5,6; Dn 7.11).

1.13-16 Uma análise das alusões ao AT em 1.13-16 mostra que as características predominantes do “Filho de homem” são extraídas de Daniel 7 e 10, e outros textos contribuem para a descrição. A maioria dos comentaristas concorda em que a importância disso se encontra no fato de Cristo ser retratado como uma figura régia e sacerdotal, sendo que nos dois textos de Daniel são vistas as mesmas características. Embora as vestes em 1.13 também se assemelhem à vestimenta real, sua utilização aqui evoca a imagem de um sacerdote por causa da atmosfera dos candelabros do templo de 1.12 e também porque os anjos que saem do templo celestial usam os mesmos trajes (15.5-8). A ambiguidade talvez se deva à possibilidade de que se esteja pensando num rei e num sacerdote, cujos precedentes são as duas figuras de Zacarias 4.3,11-14 (v. comentário de 11.4 adiante; cf. IMe 10.88,89; 14.30,32-47). A transposição dos atributos da figura judicial do Ancião de Dias (ARA; cf. Dn 7.9- 12) para Cristo evoca também sua função de juiz divino do último dia, o que 19.12 deixa evidente.

Isso é acentuado ainda mais pela observação de que Daniel 10 também esteja por trás da imagem do “Filho de homem”: o propósito primordial do homem celestial em Daniel 10 é revelar o decreto divino de juízo contra os perseguidores de Israel (v. 10.21— 12.13). A passagem de Daniel 10.6 chega a retratar o “filho de homem” com “olhos [...] descrição da voz que ouviu, “uma voz forte, como de trombeta” e que evoca a mesma como tochas de fogo”. A aplicação dos atributos do Ancião de Dias a Cristo também aponta para a vida eterna que ele tem com o Pai (assim Sickenberger 1942, p. 49). A descrição da cabeça e dos cabelos do “filho de homem” (1.14a) é obtida do Ancião de Dias, de Daniel 7.9, enquanto a descrição dos olhos e dos pés mais uma vez segue Daniel 10.6 LXX. A menção a uma “fornalha” (1.15b), logo em seguida, ecoa a descrição de Daniel 3.26 (3.93), embora Ezequiel 1.27 talvez também esteja em vista. A conclusão de 1.15 menciona a voz do “Filho de homem” da mesma forma que em Daniel 10.6, embora os termos que descrevem a voz sejam extraídos de Ezequiel 1.24 e 43.2 TM, em que a voz de Deus é comparada com o rugido de muitas águas, e isso reforça o retrato de Cristo até agora como ser divino. Como os sete candelabros, o número de “sete estrelas” também pode ter se originado em parte das “sete lâmpadas” de Zacarias 4. De acordo com o judaísmo tardio, o candelabro de Zacarias 4.2 simbolizava os justos em Israel e é equiparado aos sábios que brilharão como as estrelas, de Daniel 12.3 [Midr. Rab. de Lv 30.2; Sipre de Dt Piska 10; Pesiq. R ab K ah. Piska 27.2; Pesiq. R ab. Piska 51.4). McNamara (1966, p. 197-9) vê o Targum palestino de Êxodo 40.4 como contexto de 1.20a, em que as “sete lâmpadas” do Tabernáculo “correspondem a sete estrelas, que se assemelham aos justos que brilham até a eternidade em sua justiça”, e a última expressão é uma clara alusão a Daniel 12.3.

O fato de as estrelas serem identificadas explicitamente como anjos em 1.20a (cf. a evidente identificação das estrelas como anjos em, e.g., Jz 5.20) não exclui a influência de Daniel. Os anjos podem ser vistos como representantes do povo de Deus, de acordo com textos como Daniel 10.13 e 12.1. A “espada afiada de dois gumes” que sai da boca de Jesus baseia-se nas profecias de Isaías 11.4 e 49.2, o que reforça essa descrição dele como cumprimento do juiz escatológico. A última descrição do “filho de homem”, o rosto, que “brilhava como o sol no seu fulgor” (1.16c) ainda segue o esboço de Daniel 10, embora a própria formulação seja derivada de Juízes 5.31 LXX (B). A conexão com o livro de Juízes pode estar nas descrições da aparência brilhante do vitorioso guerreiro israelita de Juízes 5.31 e do “filho de homem” de Daniel 10, relacionadas com a descrição imediatamente anterior de Jesus como um guerreiro com uma espada.

1.17 Em 1.17, percebe-se o mesmo padrão encontrado quatro vezes em Daniel 10.8-20, por exemplo; 1) o profeta, observa uma visão; 2) cai com o rosto em terra, atemorizado 3); mais tarde, é fortalecido por um ser celestial; 4) em seguida, recebe dele uma revelação adicional, introduzida por uma forma de laleõ (“falar”). Esse é outro indício de que João e sua mensagem se identificam com a autoridade profética do AT (cf. 1.10). O “filho de homem” chama a si mesmo “o primeiro e o último”, uma clara referência às autoafirmações do próprio Yahweh em Isaías 41.4, 44.6 e 48.12. Esses textos estão ligados por “expressões-chave” e imagens comuns: 1) o contexto de Isaías 41.4 contém a imagem do servo de Deus derrotando o inimigo com uma espada (41.2) e a expressão-chave “não temas” seguida imediatamente por divinas palavras de conforto, segundo as quais Deus vai “fortalecer” e “sustentar” o justo com a mão direita (41.10); 2) o contexto de Isaías 44.6 também apresenta a expressão “não temas” (cf. 44.2); 3) o texto de Isaías 48.12 é seguido por uma representação semelhante à de Isaías 41.10, Daniel 12.6,7 e Apocalipse 1.17:”A minha mão fundou a terra, e a minha mão direita estendeu os céus” (48.13). Esses elementos comuns estabelecem a ponte que liga o quadro de conforto profético de Daniel 10 às imagens do conforto de Yahweh a Israel nas três passagens de Isaías. Se, como alguns comentaristas, conectarmos “o que vive” [hozõn [cf. a expressão muito semelhante ho õn, em 1.4]), de 1.18, com “o primeiro e o último”, de 1.17, temos uma fórmula tripartida paralela à que é usada para Deus em 1.4. Isso dá ainda maior realce ao status divino de Cristo (v. tb. a expressão “vivo para todo sempre”, em 1.18, utilizada muitas vezes por Deus no AT [Dt 32.40; Dn 4.34; 12.7; Ez 18.1]).

1.19 A terceira parte da fórmula de 1.19, como em 1.1a, foi composta com a terminologia de Daniel 2 e não deve ser vista como a última parte de uma tripla cronologia literal ou sequencial do livro. A expressão meta tanta (“depois destas coisas”) pode conter uma nuança relativa ao final dos tempos, uma vez que Daniel 2 emprega a mesma expressão como sinônimo de eschaton tõn hêmerõn (“últimos dias” [cf. o uso semelhante de J1 3.1 em At 2.17]). Os “últimos dias” provavelmente devem ser vistos como iniciados já na época de João (para esse argumento, v. Beale 1999a, p. 152-70).

1.20 A expressão to mystêrion (“o mistério”) ocorre no AT apenas em Daniel e doze vezes nos Apócrifos. Uma vez que o termo “mistério” ocorre com sentido escatológico apenas em Daniel, o fato de ele constar em 1.20 nesse contexto confirma a ligação com aquele livro do AT. A visão de João retrata o cumprimento das profecias de Daniel a respeito dos últimos dias (sobre o significado de “mistério” aqui, v. Beale 1999b, p. 255-9).

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