Salmo 104 — Análise Bíblica

Salmo 104: As maravilhosas obras de Deus

O salmo 103 terminou com um apelo para toda a criação de Deus louvá-lo (103:22). O salmo 104 nos lembra como essa criação é grandiosa. Este magnífico hino de louvor ao Criador se refere repetidamente a Gênesis 1 ao mostrar como Deus se relaciona com seu mundo.

104:1-4 Deus e as forças da natureza

Como no salmo 103, no início desse salmo o salmista convida a si mesmo para louvar ao Senhor. Ele fica maravilhado diante da glória e majestade de Deus (104:1). Descreve essas qualidades como se fossem vestes e dá continuidade a essa imagem ao retratar o Senhor coberto de luz como de um manto (104:2a). E como se a luz fosse um manto real semelhante ao que o rei vestia antes de aparecer diante do povo e partir numa viagem. A imagem se toma ainda mais significativa pelo fato de as primeiras palavras proferidas por Deus na criação terem sido: “Haja luz” (Gn 1:3).

A luz é valorizada de modo especial na África, onde a falta de eletricidade significa que não podemos simplesmente ligar um interruptor e dissipar as trevas. Na sequência, o salmista descreve o lugar de habitação desse grande rei: Tu estendes o céu como uma cortina (104:2) ou “como uma tenda” (NVI). O termo traduzido por “céu” é a mesma palavra usada em Gênesis 1:6, em cuja passagem a RA. traz “firmamento”. Os céus são o palácio de Deus, de onde ele controla o universo. Esse rei não vive apenas numa tenda, mas também num palácio. Coloca nas águas o vigamento da sua morada, ou seja, nas nuvens ou águas que os antigos israelitas acreditavam haver acima do firmamento (104:3a; Gn 1:7). Quando o rei viaja, toma as nuvens por seu carro e voa nas asas do vento (104:3; cf. 2Rs 2:11; Sl 18:10; 24:2). Ao ler descrições como esta, precisamos lembrar que os salmos são textos poéticos e que os poetas usam metáforas. Deus não precisa de carros para se deslocar, nem usa o vento como se fosse um avião. O salmista emprega essas imagens para mostrar que Deus é maior do que os maiores reis que ele conhece. Descreve-o, portanto, em termos que refletem como os reis da Antiguidade mostravam sua riqueza. Como nós, o salmista precisa usar linguagem humana para apresentar realidades divinas. O criador de todas as forças da natureza pode usá-las conforme lhe aprouver, daí o salmista dizer: Fazes a teus anjos ventos e a teus ministros, labaredas de fogo (104:4). Sabemos como essas forças são poderosas, pois vemos a destruição que ciclones, tempestades tropicais, trovões, raios e redemoinhos podem causar. Todas as grandes forças, porém, estão sujeitas a Deus. São servas do Senhor, da mesma forma que seus anjos (Hb 1:7).

104:5-9 A criação da terra e do mar

Depois de descrever o palácio do rei, o salmista fala da criação da terra. Vê a terra firmada sobre seus fundamentos [...] para que não vacile em tempo nenhum (104:5). Essa declaração não contradiz as descobertas científicas de que a terra e outros planetas giram em tomo do sol. Antes, mostra que foi Deus quem estabeleceu o curso que esses corpos seguem. Sob nossos pés, a terra se mostra tão sólida quanto se tivesse sido assentada sobre fundamentos (Jó 38:4-11). Quando foi criada, a terra era coberta de água (104:6; Gn 1:2,6-8). Deus ordenou, porém, que as águas retrocedessem a fim de formar oceanos, lagos e rios (104:7-8; cf. Gn 1:9-10). Determinou seus limites para que nunca voltem a cobrir a terra inteira (104:9).

104:10-18 O cuidado de Deus com os seres vivos

Por vezes, agimos como se acreditássemos que Deus se preocupa somente com os seres humanos, mas não se importa com o mundo natural, ou seja, com a fauna e a flora. Mas Deus é o criador de tudo e se importa com tudo, como ilustram claramente os exemplos em 104:11-18. Provê água não apenas para nós, mas também para matar a sede das aves e dos animais não domesticados, como os jumentos selvagens (104:10-12; cf. Mt 6:26). Deus cuida também da flora que criou no terceiro dia (Gn 1:11-12). Rega a terra para que as plantas possam crescer e alimentar animais e seres humanos (104:13-14). Algumas das plantas proporcionam alegria, outras hidratam nosso corpo, enquanto outras ainda proveem o sustento básico (104:15; Gn 1:30). As árvores altas que Deus criou não fornecem apenas madeira para construções e móveis e lenha para o fogo. Também são um lugar seguro para as aves fazerem seus ninhos (104:16-17). Os montes altos, inapropriados para a habitação humana, servem de lar para animais como as cabras montesinhas (104:18). Em resumo, nosso Deus é generoso e concede dádivas a toda a sua criação. Como seus filhos, devemos seguir seu exemplo e cuidar do mundo natural em vez de fazer coisas que prejudicam o ambiente e causam a extinção de criaturas de Deus.

104:19-23 O sol e a lua

O sol e a lua, formados no quarto dia da criação (Gn 1:14- 19), fazem parte das dádivas que Deus nos concedeu. A lua tem a função de marcar o tempo (104:19) ou “marcar estações” (NVI) ao delimitar os meses do ano. O sol, em combinação com a rotação da terra, produz luz e escuridão, dia e noite. A noite não é considerada inútil: é o momento que Deus reservou para animais selvagens como os leões e leopardos caçarem seu alimento (104:20-22). Também é o período de descanso. Quando o sol aparece pela manhã, nós nos levantamos e vamos para o trabalho (104:23). Deus provê alimento e descanso para todas as suas criaturas.

104:24-30 O cuidado de Deus com as criaturas marinhas

Ao meditar sobre todas as coisas que Deus criou e seu cuidado com elas, o salmista exclama: Que variedade, Senhor, nas tuas obras! (104:24). Sua infinita diversidade e os relacionamentos complexos entre elas demonstram a sabedoria de Deus. Deus cuida não apenas dos seres humanos, animais e aves, mas também das diversas criaturas marinhas que criou no quinto dia (Gn 1:20). O mar é vasto e repleto de uma variedade extraordinária de seres sem conta, animais pequenos e grandes (104:25). Celacantos e crustáceos, polvos, lagostas, tubarões, baleias, leões marinhos e inúmeras outras criaturas — Deus provê para todas elas. Os israelitas não eram um povo do mar e se admiravam ao ver um navio transitar pelos oceanos como se as águas fossem uma estrada comercial ligando terras distantes (104:26). Os navios dividiam o mar com grandes criaturas marinhas quase do mesmo tamanho das embarcações antigas. O monstro marinho talvez fosse o nome dado pelos israelitas à baleia que, apesar de seu tamanho, folga (ou brinca) nas águas do mar. Todas as criaturas de Deus esperam dele que lhes dê de comer a seu tempo (104:27). Deus não as alimenta diretamente, mas provê alimento para que recolham (104:28; cf. tb. 103:5). Desfrutam a vida por tanto tempo quanto apraz ao Criador, e, então, ele as retira da face da terra (104:29). O controle de Deus sobre a vida é total: ele a sustenta e pode tirá-la ou renová-la, quer neste mundo, quer no porvir (104:30). No âmbito espiritual, Deus renova nossa vida em Jesus Cristo (Jo 3:16).

104:31-35 Deus seja louvado!

O salmo termina em tom crescente de louvor como consequência natural da análise das obras de Deus ao criar e sustentar o mundo. Tudo o que Deus criou pode morrer e desaparecer, mas sua glória permanecerá para sempre! (104:31). Que as obras de Deus continuem a lhe dar prazer. Ao mencionar essas palavras, o salmista lembra a imensidão do poder de Deus demonstrado em terremotos e erupções vulcânicas (104:32), o mesmo poder celebrado nos versículos iniciais do salmo. E impressionante que alguém com forças tão espetaculares à sua disposição se regozije em prover um lugar para o ninho da cegonha (104:17) e em alimentar criaturas marinhas das quais poucos seres humanos terão conhecimento! O salmista decide: Cantarei ao Senhor enquanto eu viver (104:33) e apresenta esse salmo como oferta de amor a Deus (104:34). Seu maior desejo é que o mal e a perversidade desapareçam para que somente a glória e a justiça de Deus sejam vistas (104:35a; cf. 37:38). O salmo termina com o mesmo apelo sonoro do início: Bendize, ó minha alma, ao Senhor! (104:356)