Salmo 106 — Análise Bíblica

Salmo 106: A ingratidão de Israel

O salmo anterior falou da bondade de Deus para com os israelitas e do cumprimento de suas promessas. Este salmo mostra a atitude de Israel. Narra a história triste da propensão humana para pecar e reflete sobre os fracassos religiosos de Israel e a paciência e bondade de Deus, apesar do comportamento de seu povo.

106:1-6 Louvor e súplica pessoal

As ações de graças estão sempre presentes na mente, no coração e nos lábios do salmista, e vários dos salmos do Livro Quatro começam com um convite para louvar a Deus. Este salmo não é exceção. Somos chamados a louvar a Deus porque ele é bom e porque a sua misericórdia dura para sempre (106:1), expressão retomada no coro do salmo 136. Apesar de fazer esse convite, o salmista sabe que ninguém é capaz de contar de forma completa os poderosos feitos do Senhor nem anunciar todos os seus louvores (106:2). Deus fez tantas coisas maravilhosas que é impossível mencionar todas elas. Aqueles que verdadeiramente amam a Deus guardam a retidão e praticam a justiça em todo o tempo (106:3). Tais indivíduos são bem-aventurados, ou seja, “felizes”. São abençoados com o tipo de felicidade descrita no salmo 1. O salmista deseja compartilhar as boas dádivas que Deus concede ao seu povo para que possa louvar a Deus com eles (106:4-5). Não se identifica com seu povo, contudo, apenas no tocante às bênçãos, mas também aos pecados cometidos. Reconhece: Pecamos, como nossos pais; cometemos iniquidade, procedemos mal (106:6). Neemias fez a mesma oração (Ne 1:5-11). Esses homens sabiam que não podemos separar-nos dos atos de nossos pais e de nossa sociedade. Os pecados cometidos no passado continuam a influenciar nossa vida no presente.

106:7-12 A incredulidade de Israel

O salmo anterior descreveu o modo miraculoso pelo qual o Senhor livrou Israel do Egito (105:26-38). O salmista reconhece com tristeza que, em vez de refletir sobre o que esses milagres revelaram sobre o cuidado de Deus por eles, seus antepassados não tardaram em se rebelar contra o Senhor junto ao mar Vermelho (106:7). Nem por isso Deus deixou de demonstrar bondade para com eles. Por amor à sua própria reputação e para lhes fazer notório o seu poder, realizou outro milagre. Fez o povo de Israel atravessar o mar Vermelho em segurança, mas afogou os egípcios que os perseguiam (106:8-11; Êx 14—15). Como resultado, os israelitas creram nas suas palavras e lhe cantaram louvores (106:12; Êx 15:1-21).

106:13-15 A impaciência de Israel

Os louvores, contudo, não duraram muito tempo. Assim como eles se esqueceram dos milagres que o Senhor realizou no Egito, cedo [...] se esqueceram das suas obras em favor deles no mar Vermelho (106:13). Em vez de esperar pela direção de Deus e pedir humildemente que ele os ajudasse no deserto, murmuraram e tentaram a Deus (106:14; Êx 17:2). O Senhor concedeu-lhes o que pediram, mas também os castigou com uma enfermidade (106:15). Tinham de aprender que não podiam desprezar as bênçãos de Deus e agir como crianças mimadas. Todos nós enfrentamos ocasionalmente situações em que Deus não provê de imediato algo de que precisamos. Quando isso acontece, devemos cuidar para não esquecermos tudo o que o Senhor fez por nós no passado. Se desprezarmos as bênçãos do passado, é possível que Deus nos discipline a fim de aprendermos a lhe dar o devido valor, da mesma forma que o filho pródigo teve de sofrer antes que pudesse reconhecer o amor de seu pai (Lc 15:11-24).

106:16-18 A inveja de Israel

Não é raro as pessoas terem inveja de líderes. Moisés e Arão foram escolhidos e consagrados por Deus para liderar o povo (106:16) e, no entanto, enfrentaram esse problema. Os principais agitadores foram Datã e Abirão. Deus permitiu que a terra se abrisse e engolisse os dois rebeldes, e enviou fogo do céu para consumir seus seguidores (106:17-18; Nm 16). Será que, por vezes, não nos queixamos de nossos pastores e presbíteros, pessoas que Deus escolheu para nos liderar? Se temos essa atitude, precisamos lembrar os dissabores que Israel sofreu em decorrência de inveja e murmuração. Também precisamos lembrar que, por inveja, os líderes de Israel rejeitaram Jesus e o entregaram para ser crucificado. A inveja pode gerar confusão e destruir a igreja.

106:19-23 A idolatria de Israel

Além de rejeitar a liderança de Moisés e Arão, o povo rejeitou o próprio Deus. A convite do Senhor, Moisés subiu o monte Horebe (Sinai) para ter comunhão com Deus. Enquanto seu líder estava lá, porém, os israelitas confeccionaram e adoraram o ídolo fundido (106:19). Trocaram a glória de Deus pela de um bezerro, um simples animal que come erva (106:20; Êx 32:1-6). Esqueceram os feitos extraordinários que Deus havia realizado no Egito e no mar Vermelho e o reduziram a um ídolo (106:21-22). Podemos perguntar por que Israel agiu desse modo. Quantas vezes, porém, não fazemos o mesmo? Será que ocasionalmente não resvalamos no sincretismo e nos vemos tentando combinar a adoração a Deus com o culto a ídolos? Ao ver seu povo quebrar deliberadamente seus mandamentos (Êx 20:2-4), Deus se irou e decidiu destruí-lo. Moisés, contudo, era um líder repleto de compaixão por seu povo e intercedeu diante de Deus para impedir que sua cólera os destruísse (106:23; Êx 32:30-34).

106:24-27 Israel ignora a promessa de Deus

Deus livrou Israel do Egito em cumprimento à sua promessa de dar a terra de Canaã aos descendentes de Abraão. Quando os israelitas se aproximaram dessa terra aprazível, porém, esqueceram a promessa e o poder de Deus. Moisés enviou doze homens para explorar a terra, mas, quando voltaram, dez deles relataram que seria impossível ocupá-la, pois seus habitantes eram fortes demais. Somente dois dos espias creram na promessa de que Deus lhes daria Canaã (106:24). O povo se recusou a avançar (106:25), e alguns chegaram a sugerir que o povo devia voltar para o Egito, onde havia sido escravizado. Essa falta de fé provocou a ira de Deus, e, como resultado, toda aquela geração (exceto Josué e Calebe, os dois espias fiéis) morreu no deserto (106:26-27; Nm 13— 14; Dt 1:19-33).

106:28-31 O envolvimento de Israel com práticas pagãs

Os israelitas haviam sido castigados por adorar o bezerro de ouro, mas não se livraram de sua idolatria. No episódio descrito em Números 25, envolveram-se com o culto a Baal-Peor e comeram os sacrifícios dos ídolos mortos (106:28). Mais uma vez, Deus os castigou enviando uma peste entre eles (106:29). Anteriormente, Moisés havia intercedido pelo povo, e Deus desviara sua ira (106:23). Nesse episódio, Fineias se levantou e interveio de modo que cessou a peste (106:30). Isso lhe foi imputado por justiça de geração em geração (106:31). Como povo cristão de Deus, também precisamos defender a retidão e as coisas de Deus. Devemos ficar do lado da verdade, e não do lado da maioria. Não cabe a nós empunhar a espada como Fineias, mas não devemos ter medo de condenar publicamente o pecado.

106:32-39 O envolvimento de Israel com sacrifícios humanos

Quando não é detido, o pecado se reproduz e se propaga. Em Meribá, Israel não confiou que Deus proveria água potável. O pecado do povo afetou Moisés, seu líder, que se irou e agiu de modo contrário à instrução do Senhor. Em decorrência, Moisés falou irrefletidamente e pecou (106:32- 33). Da mesma forma, a desobediência de Israel à ordem de Deus para destruir as nações pagãs ao seu redor os levou a ser influenciados pelos costumes desses povos (106:34- 35; Jz 3:5-6). Mais especificamente, participaram de sua idolatria e, portanto, desobedeceram ao mandamento de Êxodo 20:1-4. Seus filhos e suas filhas pagaram o preço, pois foram oferecidos como sacrifício humano (106:36- 38). Israel não se tomou uma nação santa, conforme Deus desejava. Antes, a terra foi contaminada, e eles próprios se contaminaram (106:39).

106:40-46 A infidelidade recorrente de Israel

Desgostoso com os israelitas, Deus os entregou a seus inimigos (106:40-41). Essas palavras retomam uma oração que ocorre repetidamente em Juízes: “Fizeram os filhos de Israel o que era mau perante o Senhor, pois serviram aos baalins [...] o Senhor [...] os entregou na mão dos seus inimigos” (Jz 2:11-23; 3:8,12). Israel sofreu opressão (106:42). Por sua compaixão e misericórdia, quando Deus ouviu Israel clamar, lembrou-se da promessa associada à aliança feita com seus antepassados e os libertou das mãos de seus inimigos (106:43-46). Conforme o NT adverte, aquilo que aconteceu aos israelitas deve servir de lição para nós. Devemos cuidar de não cair nos erros de Israel (ICo 10:11).

106:47-48 Oração e louvor do salmista

No final dessa lista triste de fracassos e esquecimentos, o salmista ora em favor de seu povo. Seu clamor por livramento sugere que ele se encontra entre os cativos na Babilônia. Pede que Deus reúna seu povo de entre as nações para que possam dar graças ao seu santo nome e voltar a louvar ao Senhor (106:47). Deus mostrou repetidamente sua compaixão e disposição de perdoar os incidentes descritos nesse salmo, daí a certeza do salmista de que Deus ouvirá sua oração. Sua esperança é justificada, pois o AT apresenta vários exemplos de como Deus responde à confissão humilde (IRs 8:22-53; Ed 9:5-15; Ne 1; 9:6-37; Dn 9:3-19). Mais que depressa, portanto, ele começa a entoar um cântico de louvor ao Senhor, Deus de Israel, de eternidade a eternidade (106:48). Nós, cristãos, devemos estar sempre preparados para confessar diante de Deus os nossos pecados, sejam eles pessoais, familiares, tribais ou nacionais. Quando confessamos nossos pecados, Deus está sempre pronto a perdoá-los (1 Jo 1:8-10). Como povo perdoado de Deus, devemos então louvá-lo pelo perdão que recebemos em seu Filho e pela promessa que ele nos fez nas Escrituras. Em vez de provocar sua ira como Israel fez, devemos esforçar-nos para que seu nome seja louvado para todo o sempre. A doxologia em 106:48 marca o final do Livro Quatro de Salmos e é idêntica ao final do Livro Um (41:13). Todos os cinco livros de Salmos terminam com um convite semelhante para louvar (72:18-19; 89:52; 150:6)