Salmo 110 — Análise Bíblica

Salmo 110: Celebração do Rei-Sacerdote

Nenhum outro salmo do Saltério é tão digno do título Salmo de Davi. Semelhantemente, em nenhum outro salmo a autoria é corroborada de modo tão enfático quanto aqui. Negar que Davi escreveu este salmo corresponderia a contradizer o NT, que em várias ocasiões o atribui a Davi. O salmista o compôs não apenas para o rei que estava no trono, mas também para o Rei vindouro e, desse modo, prestou sua homenagem ao Messias. Como os salmos 2, 45 e 72, este é de fato um salmo real. O texto celebra a vida e o governo de um rei de Israel. De acordo com alguns estudiosos, é possível que fosse recitado como parte da cerimônia de coroação dos reis de Judá. O NT o interpreta como uma apresentação messiânica de Cristo em seus papéis de sacerdote e rei. O autor de Hebreus trata desse tema e segue o mesmo padrão de organização do salmo. Nos primeiros capítulos da epístola aos Hebreus, o autor enfatiza o papel de Cristo como rei e, mais adiante, o proclama nosso sumo sacerdote. Uma vez que Cristo é, ao mesmo tempo, rei e sacerdote, podemos achegar-nos “confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna” (Hb 4:14-16).

110:1-3 O Rei
No primeiro versículo, o salmista chama o rei de meu senhor (110:1a). É possível que essas palavras tenham sido proferidas originariamente por um profeta, pois a tradução literal da primeira linha é: “Oráculo de Javé ao meu senhor”. Jesus citou essas palavras, mas não as explicou, pois desejava que seus ouvintes pensassem em suas implicações (Mt 22:41-45). Depois do prólogo, o profeta transmite a primeira mensagem. O rei é convidado a sentar-se à direita de Deus, o lugar de honra e autoridade (110:16). Uma vez que nenhum rei de Israel alcançou essa posição, os intérpretes judeus acreditavam que o Espírito Santo havia inspirado Davi a profetizar acerca do Messias. O único que se assentou à destra de Deus foi Jesus (Mt 26:64; At 5:31; Rm 8:34; Ef 1:20-21; IPe 3:22). Consequentemente, seus discípulos não hesitaram em aplicar essa profecia a ele (At 2:32-35; Hb 1:13). O rei também recebe a promessa de vitória sobre seus inimigos, que serão colocados debaixo dos seus pés (110:1c) ou serão “estrado para os teus pés” (NVI).

A imageria do Oriente Médio usava essa expressão com frequência para indicar a humilhação total do inimigo derrotado. Alguns estrados antigos de reis trazem gravuras de inimigos capturados. O cetro que será estendido simboliza o poder e a autoridade do rei (110:2). Esse é um símbolo ainda usado hoje Na Nigéria, por exemplo, o governante do Estado costuma presentear um novo chefe com um bastão ou cetro que representa a autoridade que lhe é conferida. Em 110:3a, vemos uma multidão de voluntários reunida ao redor de seu líder numa guerra santa. Essa imagem traz à memória o Cântico de Débora, segundo o qual “o povo se ofereceu voluntariamente” (Jz 5:2; cf. tb. Rm 12:1; Fp 2:17; 2Co 8:3-5). O versículo como um todo, porém, é difícil de traduzir, o que explica as diferenças consideráveis entre as versões bíblicas.

A expressão traduzida na RA por “com santos ornamentos” (110:36), por exemplo, aparece na NTLH como “nos montes sagrados”, tradução que corresponde a alguns textos antigos. Não existe, portanto, consenso quanto ao significado dessas palavras. Pode-se dizer o mesmo da imagem: Como o orvalho emergindo da aurora, serão os teus jovens (110:3c), a qual, de acordo com alguns, representa o Messias glorioso conduzindo seus exércitos à batalha.


110:4 O Sacerdote
O profeta transmite a segunda mensagem de Deus e informa ao rei: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque (110:4). O nome “Melquisedeque”, que significa “meu rei é justo”, tem uma história. Gênesis 14:18-20 apresenta um homem misterioso chamado Melquisedeque como “sacerdote do Deus Altíssimo”. Também era rei de Salém, ou seja, de Jerusalém. (A forma abreviada “Salém” ressalta a ligação entre esse nome e shalom, que significa “paz”.) 0 rei-sacerdote justo não possuía nenhuma ligação com a ordem aarônica nem com a ordem levítica do sacerdócio e, no entanto, era responsável por dirigir seu povo nos caminhos do Senhor. O rei de Israel era incumbido da mesma tarefa. Nenhum rei israelita, contudo, poderia ser sacerdote para sempre. Em última análise, portanto, a profecia deve referir-se ao Messias. O autor de Hebreus cita esse versículo duas vezes (Hb 5:5; 7:17) ao tratar de como a profecia se aplica especificamente a Jesus (Hb 5:5-10; 6:19-7:28). Como Melquisedeque em Gênesis, Jesus é o Rei justo e o âmbito de seu reinado é pacífico. Ele também é ao mesmo tempo sacerdote e rei. Por que Deus julgou necessário especificar que o rei não pertence à ordem habitual de sacerdotes, isto é, à ordem de Arão? Hebreus 7:3 responde a essa pergunta ao informar que todos os sacerdotes da linhagem de Arão possuíam genealogia e descendência. Fica evidente, portanto, que não eram sacerdotes “para sempre”. Jesus, porém, sempre existiu (Jo 1:1) e concede salvação eterna.

110:5-7 O Rei-Sacerdote guerreiro
Em 110:1, o rei está assentado à direita do Senhor. Aqui, porém, a cena muda, e o Senhor está à direita do rei (110:5). Não há nenhum sinal dos soldados voluntários mencionados em 110:3; antes, o salmista mostra Deus e o rei lutando juntos numa batalha acirrada (110:6). Ao perseguir o inimigo que bate em retirada, param apenas para beber de uma torrente de águas refrescantes e revigorantes junto ao caminho (110:7). No AT, o rei luta contra inimigos físicos e bebe de um riacho comum. No NT, porém, os inimigos do Rei-Sacerdote correspondem a forças espirituais do mal que se opõem ao governo de Cristo e à sua bênção. Nós somos o seu exército e lutamos contra os poderes malignos neste mundo (Ef 6:10-18). Nosso Rei ordena que continuemos avançando até o dia da vitória.