Provérbios 1 — Comentário Teológico

Provérbios 1 — Comentário Teológico


Capítulo Um
Capítulo Um

Instrução Paterna: Sabedoria versus Insensatez; A Instrução da Sabedoria
(1.1-9.18)



Prefácio (1.1-7)


Provérbios de Salomão. Esta seção, que perfaz o Livro I, tem dezesseis extensos discursos cheios de admoestação, advertências e declarações expressivas, que tendem a tornar um homem sábio, contanto que ele os conheça e os ponha em prática.

Ver sobre Autoria na seção III da Introdução, onde há uma discussão completa. Partes deste livro são atribuídas a outros autores: Agur (capítulo 30) e Lemuel (capítulo 31.1 -9). O ponto de vista dos comentaristas conservadores é que Salomão foi o autor de certas partes do livro, ao passo que o editor adicionou trabalhos de outros autores. O ponto de vista dos críticos é que o nome dele foi vinculado ao livro mediante uma convenção literária, visto que ele era conhecido como um homem sábio. Nos tempos antigos, era comum empregar os nomes de pessoas famosas como alegados autores de livros, em parte para prestar-lhes uma honraria, e em parte para garantir a circulação das obras, ou para dizer o que o mestre teria dito, se tivesse escrito o livro.

Provérbios. No hebraico, mashal, que pode significar com paração ou símile, ou então discurso. Ambas as idéias são encontradas em Provérbios. Quanto a uma discussão completa a respeito, ver os parágrafos primeiro e segundo da introdução ao livro.

Títulos. Alguns manuscritos dizem Sepher Sishle, o “Livro de Provérbios”. A Septuaginta diz Provérbios de Salomão. Eruditos judaicos posteriores chamavam este livro, bem como o livro de Eclesiástico, de Livros de Sabedoria. Não podemos estar certos sobre o título dos manuscritos originais, mas Mashal é o mais provável, caso houvesse um título.

Salomão. Ver o artigo sobre ele no Dicionário. O título rei, neste livro, deve estar ligado a Salomão, e não a Davi. Foi o rei sábio quem editou o material a seguir. Ele foi um homem sábio (I Reis 3.4-15,16-18) e escreveu três mil provérbios e mil e cinco cânticos (I Reis 4.32). Não há razão para duvidar de que parte da soma maciça de literatura entrou no livro presente, mesmo que a compilação final do material se desse depois do cativeiro babilônio.

Propósito do Livro (1.2-6)

Para aprender a sabedoria, e o ensino. Os homens precisam conhecer e seguir a sabedoria. Crawford H. Toy (International Criticai Commentary, in loc.) disse que o reconhecimento intelectual vem em primeiro lugar. A idéia é um tanto semelhante à doutrina de Sócrates do “conhece-te a ti m esmo”, na qual o conhecimento racional é muito importante. Mas não há que duvidar da ideia da agência do Espírito, que usa a sabedoria adquirida para operar a vontade de Deus. Portanto, isso deve incluir a iluminação da alma.

A sabedoria. Ver o artigo sobre esta palavra no Dicionário, quanto a explica­ções completas. O original hebraico diz hokhmah, palavra que, “neste versículo, significa inteligência moral e religiosa, ou seja, o conhecimento da lei moral de Deus, no que diz respeito às questões práticas da vida. Não se trata da sabedoria especulativa e filosófica dos gregos” (Charles Fritsch, in loc.). Quanto ao que se supõe que a lei significava para Israel, ver Sal. 1.2.

O ensino. A palavra hebraica correspondente é musar, que tem o sentido básico de disciplina, ou punição. V isto que aparece aqui de forma paralela com sabedoria, sem dúvida significa o corpo e a atividade de ensino aplicados aos homens mais jovens, para indicar seu treinamento no judaísmo. O principal m anual, com o é lógico, se ria a lei, porquanto, sem a lei, o judaísmo não seria o judaísmo . Esta palavra implica a submissão às autoridades que eram m estres, com o pai, mãe e, especialmente, os mestres da lei, sábios cuja atividade se constituía em ensinar às gerações mais jovens.

O próprio livro m ostra que tais m estres não se apegavam à Bíblia, conforme a conheciam em seus dias, m as, antes, in ventaram muitas declarações e discursos que ultrapassavam os dizeres da lei, em bora tivessem suas raízes apegadas a ela.

Para entender as palavras de inteligência . “Com preensão” significa discernimento, distinguir o certo do errado e seguir o caminho certo, pois, caso não acompanhasse a parte que segue, uma pessoa não seria dotada de real discernimento. A sabedoria pode passar de pai para filho, e de mestre para estudante. As palavras devem ser inteligentes e vigorosas, mas por trás delas deve haver a força do exemplo. No livro de Provérbios, há sessenta e cinco convites para que os leitores tenham entendimento. Ver Pro. 5.1.

Um pai deve três coisas a seus filhos: exemplo; exemplo; exemplo. Cf. este versículo com Heb. 5.14:  para discernir não somente o bem, mas também o mal”. Os homens possuem capacidades para tanto, mas precisam ser treinados para distinguir o bem do mal. Cf. I Reis 3.9. De outra sorte, o coração tornar-se-á néscio, ou seja, insensível (ver Isa. 6.10). Ver também Fil. 1.10.



Para obter o ensino do bom proceder. O autor sagrado continuava a explicar por qual motivo escrevera esta porção e compilara este livro. Não basta ensinar. O estudante deve estar motivado a aprender, isto é, receber o que lhe for ensinado. Um estudante sente-se motivado quando se assenta aos pés de seu mestre. O professor deve possuir muito mais conhecimento que o seu aluno. Além disso, o aprendiz tem de ver que o próprio mestre pratica o que diz, dando o exemplo correto.

Tornai-vos, pois, praticantes da palavra, e não somente
ouvintes, enganando-vos a vós mesmos.
(Tiago 1.22)

Resultados Práticos. Um estudante deve obter sabedoria, praticando a retidão, cumprindo a justiça e a equidade. Em outras palavras, deve ter as principais características de um homem espiritual, cuja filosofia o salva de seus atos profanos.

Bom proceder. No hebraico original temos a palavra haskei, e não a mesma palavra para “sabedoria”, do vs. 2. Esta palavra significa “bom senso”. Um homem viverá de acordo com o bom senso em todos os seus atos e relacionamentos com outras pessoas. Alicerçado sobre esse fundamento, ele praticará as coisas que se seguem, listadas após a palavra sabedoria.

A justiça. Esta palavra, no original hebraico, é cedheq, “reto”. Tal homem não se envolverá em veredas tortuosas. Antes, caminhará ao longo da “vereda reta e estreita”.

O juízo. No hebraico, mishpat, “decisão” em favor do que é reto, atos e relações retas, a retidão em todas as situações. A equidade. No hebraico, mesharim, que tem o sentido básico de suave ou reto. Ver Isa. 25.6, onde se fala sobre a vereda de um homem reto. O homem vive “no mesmo nível” de outros homens, ou seja, de maneira honesta e justa. “Aquilo que é reto, verdadeiro e honesto” (Ellicott, in loc.).

1.4
Para dar aos simples prudência. Os jovens, inexperientes que se impressionam facilmente por palavras distorcidas, precisavam das instruções do mestre, e ele mostrou zelo sobre a questão, pleno de conhecimento e de capacidade de comunicar. Os simples seriam uma presa fácil para os homens maus e as más situações. A palavra hebraica para isso é pathah, que significa “aberto”, ou seja, franqueado a todas as espécies de influência. Paralelo a isso é o jovem. O jovem estaria aberto a influências boas e más, pelo que o mestre quereria chegar a ele, antes que os lobos o alcançassem.

Os jovens pensam que os idosos são tolos;
Os idosos sabem que os jovens são tolos.
(George Chapman)

Conhecimento. No hebraico, yadha, “conhecer”, a palavra comum com esse sentido. Um corpo de conhecimento tinha de ser comunicado, e o aluno tinha de dominar tal conhecimento. Um jovem precisava de mais do que conhecimento, mas isso era o sine qua non de qualquer indivíduo que quisesse iniciar a caminhada ao longo da trilha do conhecimento.


No hebraico, mezimmah, literalmente, “poder de planejar”, ou  seja, ter bom senso suficiente para tom ar boas decisões, “decidir quanto ao próprio curso de ação” . Um jovem teria de aprender a resolver, com propósito, por qual caminho deveria seguir, o que deveria e o que não deveria fazer.


Esta palavra podia ser usada em bom sentido e em mau sentido. Cf. Pro. 12.2; 14.17; 24.8 (no mau sentido); Pro, 2.11; 3.21; 5,2; 8.12 (no bom se n tido). Cf. a frase “prudentes com o as serpentes” (Mat. 10.16). Ver também Luc. 16.8 e Efé. 5.16.

Emerson queixou-se em um ensaio seu de que, “às vezes, o mundo parece estar em uma conspiração para nos importunar com trivialidades enfáticas”. Somente um homem instruído é capaz de separar o que é trivial do que é importante.

Ouça o sábio e cresça em prudência. O indivíduo que já obteve alguma sabedoria, bem como o aluno que está progredindo em conhecimento, continuará aumentando em sua erudição: o homem que atingiu alguma compreensão continuará desenvolvendo-se em discernimento e adquirirá habilidades. Seus esforços renderão dividendos. Ele tornar-se-á um mestre cada vez mais apto na lei e na aplicação prática à sua vida diária. Ele tornar-se-á um sábio praticante, e não meramente um sábio aprendiz. As idéias e as palavras são repetidas com base nos versículos anteriores.

Prudência. No hebraico, leqah, que vem de uma raiz que significa receber, tomar. Ele recebe de outros, e então doa a outros as instruções da lei. 

Adquira habilidade. Esta última palavra corresponde ao hebraico tahbuloth, termo náutico, de uma raiz que significa corda, ou seja, um mecanismo de “pilotagem”, a “arte dos marinheiros”, Tal homem guiar-se-á corretamente na passagem por esta vida e suas tempestades, e será capaz de guiar a outros pelo mesmo mar. A Septuaginta e a Vulgata Latina dizem aqui “governar”. A ideia é a noção de habilidade naquilo que o indivíduo faz, estando em mira a vida espiritual. “Tanto os mestres quanto os seus alunos são aprendizes. O mestre pode saber coisas além de seu estudante, mas nunca pára de aprender e aumentar as suas habilidades” (Rolland W. Schloerb, in loc.). Cf. Pro. 11.14; 12.5; 20.18 e 24.6 quanto ao
uso da mesma palavra, habilidade. Ver também Jó 37.12. Ver II Ped. 1.5, que tema mesma idéia:

Reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a
virtude; com a virtude, o conhecimento.

Para entender provérbios e parábolas. Este versículo é a continuação dos vss. 2-4. O livro de Provérbios tem um alvo erudito e prático. As declara­ções expressivas e os discursos sábios, dirigidos aos insensatos (isto é, os provérbios), serão inúteis para os aprendizes a menos que os significados apropriados sejam determinados. Tem os aqui uma nova palavra, a figura ou parábola, que no hebraico vem de uma raiz que significa dobrar, envergar. Uma palavra cognata é interpretar. Um intérprete é alguém que dá uma distorção apropriada a um jogo de palavras, para trazer à tona o sentido delas. O único outro lugar onde essa palavra hebraica é usada é Hab. 2.6, onde tem o sentido de “poem a escarninho”. O significado é algum a coisa difícil que precisa ser interpretada para o aluno. O sábio será um m estre das interpretações.

Palavras e enigmas dos sábios. Parte do ensino ministrado será relativamente fácil, sendo expresso por meio de palavras sábias que não precisam de nenhuma habilidade especial para serem entendidas. Mas ocasionalmente surgirão enigmas. A palavra hebraica correspondendo é hidhah, que significa, basicamente, “dobrar para um lado”. Alguma declaração do professor não será franca e direta como a maioria de suas palavras; antes, terá algum reflexo que exigirá um exame mais próximo e uma explicação para ser entendida. Algumas versões traduzem essa palavra por “nós”. Algumas afirmações terão de ser desatadas, e não cortadas, dando soluções fáceis. Ver sobre Nó Górdio no artigo chamado Nó, na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, que servirá bem para ilustrar o texto presente.

Como poderei eu entender, se alguém não me explicar?
(Atos 8.31)

Essa palavra, que se refere a alguma declaração enigmática, foi usada no tocante à charada de Sansão, em Juí. 14.12-18, bem como às perguntas difíceis feitas pela rainha de Sabá, as quais Salomão, naturalmente, sábio que era, foi capaz de resolver (ver I Reis 10.1; II Crô. 9.1),
O temor do Senhor é o princípio do saber. Esta é uma das maiores afirmações da literatura de sabedoria, e não som ente do livro de Provérbios.

É básica para compreendermos a espiritualidade do Antigo Testamento. A presento uma nota de sumário sobre essa declaração, em Sal. 119.38, e muito m ais ainda no artigo do Dicionário acerca do artigo intitulado Temor. Dou ali uma abundância de referências sobre o assunto. Portanto, forneço aqui apenas uma ideia ou duas, confiando que o leitor obtenha a essência dessa declaração nos lugares mencionados. O temor do Senhor é a “religião do homem sábio” (Rolland W. Schloerb, in loc.). Possivelmente, a base da ideia era o terror que um pobre adorador sentia perante o seu Deus, ou seus deuses ou seus ídolos. Mas o vocábulo acabou adquirindo as idéias de reverência, de profundo respeito, de uma espiritualidade em geral, conhecendo e praticando a lei mosaica, por motivo de profundo respeito ao Legislador. A expressão temor do Senhor ocorre por onze vezes no livro de Provérbios, e a form a imperativa, temei ao Senhor, por outras quatro vezes. O autor se referia a uma “piedade genuína” (Adam Clarke, in loc.). A declaração serve de “nota chave de todo o ensinamento do livro” (Ellicott, in loc.). V er Pro, 1.29; 2.5; 3.7; 8.13; 9.10; 10.27; 14.2,26,27; 15.16,33; 16.6; 22.4; 23.17 e 24.21. A leitura desses versículos dará ao leitor uma ideia do que essa expressão significa para o autor-com pilador do livro de Provérbios.

O princípio do saber. Ter conhecimento não consiste apenas em estar informado sobre as coisas. Antes, é conhecer as realidades espirituais e ser transformado por elas. Para os hebreus, naturalmente, a lei era básica para alcançar tal form a de conhecimento. A lei era a primeira fonte do conhecimento. Um homem bom tem um bom começo no empreendimento do conhecimento, quando começa com seu fundamento e inspiração, “o temor a Yahweh” . A m ente de tal homem , pois, é condicionada a compreender e a prosseguir em seu aprendizado. A palavra aqui usada, “princípio” , pode significar “parte seleta “ . O term o hebraico é reshith, o ponto inicial de qualquer coisa. Quanto a esta palavra com o porção seleta, ver Jer. 49.35 e Amós 6.6. Cf. também Sal. 9.10; Jó 28.28 e Eclesiástico 1.14. Pirke Aboth 3.26 também contém algo sim ilar. Essa palavra foi usada em Gên. 1.1 para
indicar o ponto inicial da criação física . Portanto, ela também m arca o ponto inicial da criação espiritual.

“A reverência é a reação da alma à presença divina, uma reação não somente ao poder, mas também ao valor. Trata-se da atitude da alma para com Deus, em Quem a bondade e o poder são uma coisa só. E é despertada no homem sempre que ele encontra aqueles valores que considera santos. Tudo mais cede caminho e torna-se subordinado a isso” (Harris Franklin Rali, em seu livro, Chrístianity, pág. 11).

Em contraste com o bom aprendiz, que firmou seus pés no caminho para cima, está o insensato, que tropeça ao longo de seu caminho de ignorância e negligência. Os insensatos vivem sem levar Deus em conta. Eles são corruptos e cada vez se corrompem mais. Também guiam outros pelo caminho errado. Tais homens desprezam a verdadeira sabedoria e fazem da vida uma cruzada de fazer dinheiro, ou a tentativa de alcançar algum
outro alvo trivial.

Quando Deus, antigamente, desceu do céu, em poder e ira, os homens não Lhe deram atenção. Tais homens são ateus praticantes. Eles podem acreditar na existência de algum Ser Suprem o, que vive em algum lugar, mas isso não faz diferença algum a em sua vida. Pois vivem como se Deus não existisse. Ver Sal. 14.1, que usa a palavra “insensato”, para caracterizar tais indivíduos.

Exortações e Advertências (1.8-19)

Primeiro Discurso: O Valor da Sabedoria nas Honrarias. Exortação para que se ouçam as Instruções (1.8,9)

Filho meu, ouve o ensino do teu pai. “O treinamento no lar é uma salvaguarda moral. Protege o jovem que sai ao mundo” (Oxford Annotated Bible). Um pai tem a responsabilidade de ensinar seus filhos literais, mas a expressão, neste caso, significa “discípulo”, o aluno do mestre. Talvez o professor tivesse uma escola formal, com certo número de alunos, ou talvez tivesse alguns poucos jovens estudantes que com freqüência se valiam de sua sabedoria superior e eram estudantes informais. Seja como for, o mestre contava com alguns poucos homens sobre os quais exercia autoridade espiritual. Para eles, o mestre era a
fonte de aprendizado, tanto teórico quanto prático. Para eles, o mestre dava instruções, e essas instruções eram acerca da lei mosaica. A mãe do aprendiz era uma mulher piedosa, que tinha o cuidado de instruir seus filhos. Ademais, o pai literal do aprendiz também era um instrutor. Então havia o mestre, que substituiu o pai, quando este ficou muito idoso. “De acordo com a psicologia dos hebreus, a ação era o resultado natural do ato de ouvir, pelo que a palavra ouvir também pode ser traduzida por o b e d e c e i (Charles Fritsch, in lo c).

Ensino. Todo ensino de natureza espiritual se derivava da lei de Moisés, o manual de conhecimentos teóricos e práticos dos hebreus. Ver Sal. 1.2 quanto a um sumário do que a lei de Moisés significava para Israel. Cf. Pro. 3.1. Jarchi e Qersom fazem com que o “pai”, neste caso, seja o Pai celestial. Ele é a fonte originária de todos os ensinamentos a filhos fiéis.

Tua mãe. O livro de Provérbios exalta a posição da “mãe” mais do que qualquer outro livro do Antigo Testamento. É óbvio o papel que mulheres piedosas sempre tiveram na instrução espiritual durante todo o tempo. Em certo sentido, a mãe de uma criança é a primeira linha de ensinamentos espirituais, pelo menos durante os anos form ativos da criança. Ver II Tim. 1.5. Lóide e Eunice foram brilhantes exemplos disso.

Porque serão dia de graça para a tua cabeça. Ver as notas expositivas sobre Pro. 4.9, que adornam a declaração deste versículo. Instrução e disciplina não são jugos pesados que o homem pendure ao pescoço, mas, antes, ornamentos graciosos ou uma grinalda de flores que embelezam o homem, longe de lhe servir de empecilho. A sabedoria concede ao bom corredor uma bela coroa de louros, quando ele ganha a corrida. Tal homem também pode pôr um colar de ouro em torno do pescoço. Cf. Pro. 4,9, onde a sabedoria é que concede esse prêmio. “... sobre a cabeça e o pescoço, os sinais da distinção do indivíduo. Essa instrução celeste agraciará tanto a cabeça quanto o ser inteiro externo daquele que a recebe (ver Pro. 3.22; Isa. 61.10). As coroas na cabeça e as correntes no pescoço estão sem pre presentes, e não podem ser esquecidas facilmente (ver Jer. 2.32). Portanto, os jovens são exortados aqui a
lembrar-se sempre da glória da sabedoria piedosa, que é o mais brilhante ornamento deles” (Fausset, in loc.). Cf. este versículo com I Tim. 3.9,10; I Ped. 3.3,4. Cf. também Gên. 41.42 e Dan. 5.29, quanto às correntes como decorações e reconhecimentos.

Segundo Discurso: Valor da Sabedoria para se Preservar do Desastre (1.10-33)
Advertência contra a Associação com Pecadores Radicais (1.10-19)

1.10
Filho meu, se os pecadores querem seduzir-te, não o consintas. Na primeira vez em que ouvi um pastor evangélico, em Chicago, orar por “nossos rapazes na prisão”, fiquei chocado. Eu nunca tinha ouvido dizer que um bom rapaz de igreja havia sido detido em um a prisão. Mas desde então ouvi falar em dois filhos de pastores que terminaram na prisão (um deles por estupro), bem com o em um pastor que passou cheques sem fundo e, de modo geral, misturou-se em assuntos duvidosos, e acabou passando certo período numa
prisão.

O texto à nossa frente avisa que não devem os misturar-nos com tipos de criminosos graves, com o ladrões ou assassinos. Assim é que, no vs. 10, encontram os um bom rapaz que estava sendo encorajado a manter-se em companhia de assassinos (vs. 11). Nestes dias de drogas, qualquer coisa pode acontecer. Eu soube de um caso, na cidade de São José dos Campos, em que o filho de um líder de um a igreja evangélica participou de um assassinato, m eram ente para roubar. Ele e seus com panheiros estúpida, brutal e desavergonhadamente assassinaram um jovem , preso em sua cadeira de rodas, m eram ente porque sua irmã e sua mãe não quiseram revelar o lugar onde, presumivelmente, eles tinham escondido algum dinheiro na casa. Além disso, conheci um pastor evangélico na cidade de Las Vegas, EUA, cujo irmão, crente professo, assassinou a namorada porque ela tinha ficado grávida, e ele não queria envolver-se no caso. Ele atirou nela no seu carro e, quando viu que ela estava ferida e agonizante, correu com ela para o hospital, implorando para que os médicos a salvassem . Porém , era tarde demais. A baia já tinha feito seu trabalho daninho. Assim acontece quando pessoas se envolvem em crimes pesados, descuidando-se e fazendo o jogo do diabo.

Talvez seja verdade o que diz uma de minhas fontes informativas: a seção perante nós revela um estado desregrado da sociedade, em que tais coisas são comuns, quando jovens fracos podem deixar envolver-se na rede da violência. Por outro lado, no mundo atual, a maioria das grandes cidades está vivendo um estado desregrado. Pecadores profissionais apelam para outros para engrossar suas fileiras. Os “pecadores”, neste caso, são os bandos organizados de ladrões e assassinos que ganham a vida praticando atos violentos. Esses fazem convites inflamados aos jovens.


1.11
Se disserem: Vem conosco, embosquemo-nos para derramar sangue. Alguns desprezíveis criminosos profissionais, que já possuem muito dinheiro e propriedades por terem obtido sucesso na violência, engajam-se em crimes por mera diversão, e não atrás de dinheiro. Em nossos dias, na cidade de São Paulo, enfrentamos algo similar. A cidade tornou-se um lugar de criminosos profissionais que têm muito mais dinheiro do que você ou eu. No entanto, não interrompem seus furtos e seus assassinatos somente por terem muito dinheiro. Além disso, vemos o espetáculo de jovens, provenientes de famílias da classe média, que não têm necessidade de dinheiro, mas que se atiram aos furtos e aos assassinatos somente por causa da excitação e da diversão.

Não nos devem os surpreender que coisas dessa ordem estivessem acontecendo em Jerusalém e outras cidades grandes. A queles eram tempos brutais em que as matanças eram glorificadas, e até Deus era transformado no Capitão dos Exércitos (ver I Reis 18.15). A guerra era uma constante, e é justo dizer que grande porcentagem dos jovens, em idade militar, já tinha m atado um homem ou dois. Os registros históricos demonstram que o assassinato era o acompanhamento com um dos roubos. “As cidades antigas eram mal iluminadas à noite e pouco policiadas ou nem mesmo eram policiadas” (Toy, Provérbios). Assim , era fácil encontrar vítimas inocentes, roubar-lhes o dinheiro e m atá-las por simples esporte. Vítimas inocentes eram m ortas “sem nenhum a causa” (King James Version) ou “sem razão”, conforme diz a nossa versão portuguesa.

1.12
Traguemo-los vivos, como o abismo. Os criminosos profissionais são agora devidamente retratados como monstros ou feras devoradoras, que engolem suas vítimas, despachando-as para o sepulcro, a cova miserável. A palavra aqui usada, no hebraico original, é sheol, que pode ser uma referência a uma vida pós-túmulo, no submundo das almas descarnadas, mas que aqui é uma simples referência ao sepulcro. Em Sal. 88.10; 139.8; 148.7, a palavra tem possíveis significados de pós-vida, em bora ali essa vida se revista de uma form a muito preliminar. Ver no Dicionário os artigos cham ados Sheol e Hades. Não devem os esperar que esses assassinos se preocupem com um pós-vida, quer para si mesmos, quer para outra pessoa qualquer. Seu único prazer consiste em ver homens morrendo e sendo sepultados, como pedaços inúteis de carne. A cova é sinônimo para o sheol. Ver Isa. 14.15; Eze. 32.23; 28.30, trechos que, para alguns intérpretes, pode distinguir a cova como um lugar diferente do sheol.

Traguemo-los vivos... e inteiros. Eles estavam vivos, mas de repente foram engolfados pela morte, e isso completamente, sem deixar nenhum indício sobre quem fora o assassino. Cf. a linguagem semelhante que nos dá conta da punição de Coré e seus associados (ver Núm. 16.30; Sal. 55.15).

“O sheol, neste passo bíblico, não aponta para o pós-vida” (Sid S. Buzzell, in lo c .).”... tragar, alusão a uma fera que engole completamente sua presa e deixa apenas alguns poucos ossos. Isso fala da crueldade e da natureza rapace dela” (John Gill, in loc.).

1.13
Acharemos toda sorte de bens preciosos. O dinheiro era uma das motivações daquela gente. Os assassinos obteriam bens preciosos de suas vítimas. Encheriam suas casas (ou seus arm azéns) com todas as coisas furtadas, e assim continuariam a fazer, até se tornarem riquíssimos. Estou conjecturando que o autor se referia a bandos de ladrões que invadiam casas, e não somente a bandos de ladrões que atacavam vítimas inocentes nas ruas. Mas a referência não parece ser ao saque recolhido na guerra. Aqueles homens ímpios dirigiam uma guerra contínua e incansável contra a sociedade. Eram saqueadores de seu próprio povo e, talvez, até de seus vizinhos. Este versículo aplica-se obviam ente a criminosos das cidades, tradicionalmente lugares que convidam ao crime.

1.14
Lança a tu a sorte entre nós; teremos todos um a só bolsa. Os pecadores geralmente se mostram generosos para com os que querem ser seus recrutas. Eles não procuravam dominá-los, antes aceitavam-nos como membros iguais. Haveria um único fundo para ser distribuído a todos em termos iguais. Haveria uma única bolsa, conforme se lê no hebraico original. Mas para ter acesso a esse fundo comum, o novo criminoso teria de fazer um juramento. Precisaria ser um irmão devidamente ajuramentado, que estivesse trabalhando sob o mesmo juramento e a mesma maldição. As palavras são próprias de um pacto, segundo o qual os participantes juravam lealdade uns aos outros e à causa comum. Eles tinham uma espécie de rito para membros, literal ou subentendido Sorte. Originalmente era algo lançado a fim de determinar a vontade de alguma divindade. A sorte revelava a vontade do ser divino, bem como o curso da vida a ser seguido. Disso derivou-se a ideia da sorte do próprio indivíduo. O novo irmão viveria para m atar e saquear. Essa seria a sua sorte na vida, o curso que ele seguiria na companhia de outros indivíduos de seu tipo de vida.

1.15
Filho meu, não te ponhas a caminho com eles. O jovem, que se deixava impressionar, que gostaria de pôr as mãos em todo aquele dinheiro e em todos aqueles bens, foi advertido pelo mestre sábio a evitar a vereda tortuosa dos obreiros da iniquidade. O pé do jovem não deveria dar um único passo naquela vereda. Pois um passo abriria caminho para outro, até que aquele que começara sua carreira como aluno seria um líder na senda do crime. Ver no Dicionário verbete chamado Caminho.


Entrai pela porta estreita (larga é a porta e espaçoso o
caminho que conduz para a perdição e são muitos os que
entram por ela).
(Mateus 7.13)

Um sábio tinha consciência de que esse era um jogo perdido, a longo prazo. Mas o proveito que os ímpios obteriam por tais meios era uma perda, afinal. Cf. Pro. 4.14. Envolver-se em tais atividades seria cair em um curso de ação que terminaria em ruína. Cf. Sal. 1.1 e Pro. 4.14. 


De todo mau caminho desvio os meus pés, para observar a
tua palavra.
(Salmo 119.101)

1.16
P orque os seus pés correm para o mal. Este versículo repete a essência dos Mss. 11 e 12. O furto transforma-se em assassinato. Então um homem é culpado de um crime de sangue. Tal homem afundou ao mais baixo nível de criminalidade. Essa era uma razão para o jovem manter-se longe dos obreiros da iniquidade. Em breve ele seria culpado de crimes hediondos e seria como uma fera na floresta, brutal, totalmente voltado para o serviço de si mesmo, uma maldição contra a sociedade e contra si mesmo. Este versículo é virtualmente
igual a Isa. 50.6a. Ver também Rom. 3.15,16, que diz: ...são os seus pés velozes para derramar sangue; nos seus caminhos há destruição e miséria.

O vs. 18 mostra que eles receberão segundo aquilo que deram. Nenhuma pessoa pode escapar da punição apropriada para os seus crimes, tanto nesta vida como na vida vindoura. Cf. este versículo com Pro. 6.18.

1.17
Pois debalde se estende a rede à vista de qualquer ave. Se estiver presente uma ave que esteja espiando o que se faz, será ridículo estender uma rede para apanhá-la. Pois a tal ave terá inteligência suficiente para voar para longe e manter-se distante da rede. Provavelmente essa declaração era um provérbio popular.

...se estende. O termo hebraico correspondente, mezorah, significa, apropriadamente, engodar, e não estender. Pode haver uma alusão a um pecador que não se contenta apenas em estender uma rede, pois também põe ali alguma espécie de chamariz, como um pouco de alimento, que atraia a atenção da ave. O ponto do provérbio é que, quando os homens ímpios pensam em armar uma emboscada para alguma pessoa inocente que por ali passe (vss. 11,12), o que estão realmente fazendo é estender uma rede para si mesmos. E agem assim por estarem cegos para a armadilha que preparam para si mesmos, porquanto a justiça divina cuidará que eles sejam apanhados em seus próprios ardis, sofrendo a devida retribuição. Portanto, revelam-se m ais estúpidos do que as aves, as quais, ao ver uma rede sendo estendida, embora contenha comida, voam para longe do perigo. Em conseqüência, para o homem jovem que foi convidado a participar de uma vida de crimes (vs. 10), seria uma coisa sábia fugir da rede armada por homens ímpios e assim salvar a própria vida.

1.18
Estes se emboscam contra o seu próprio sangue. Este versículo exprime uma conseqüência do versículo anterior, bem como da declaração adversa a isso, no vs. 11. Quando os homens assaltam e assassinam a outros homens, na verdade assaltam e assassinam a si mesmos. A Lex Talionis (pagamento segundo a gravidade do crime) os apanha no pulo. A Lei M oral da Coiheita segundo a Semeadura acabará por apanhá-los. Ver sobre ambos os títulos no Dicionário.

Os homens que continuam na senda do crime estão atraindo a própria destruição. Sócrates, embora fosse homem muito sábio, estava errado em uma de suas suposições. Ele pensava que o homem que realmente sabia o que é melhor para ele faria tal coisa. No entanto, sabem os de pessoas que fazem coisas destrutivas, perfeitamente conscientes de que isso as prejudicará. Pois tal é a perversidade do coração humano.

Um caso acontecido em Sait Lake City, EUA, em dezembro de 1996, ilustra muito bem este versículo. Um homem viciado em drogas, que precisava de dinheiro para manter seu vício, foi à casa de sua cunhada. Ele a amarrou e roubou o que pôde roubar. E então, estúpida e brutalmente, matou a mulher, jovem mãe de quatro filhos. Em seguida, roubou o carro da família e escapou, Um oficial da polícia pensou intuitivamente que o homem guiaria o veículo até Wandover, cidade na fronteira entre os estados de Utah e Nevada, na direção oeste de quem sai de Sait Lake City. Portanto, ele e outro policial, que acreditou na intuição do colega, partiram para aquele lugar. De fato, encontraram ali o carro roubado. O homem estava jogando em um cassino. Ao ver a polícia, tentou escapar, mas um dos policiais atirou e o feriu mortalmente. Então o bandido foi embarcado em um avião de volta para Sait Lake City e foi internado em um hospital. Se esse homem sobreviver ao seu ferimento, provavelmente será executado no estado de Utah. Por conseguinte, seu caminho de violência voltou-se contra ele e eventualmente acabará por tirar-lhe a vida. Nem sempre acontece dessa maneira, mas, de algum modo, Deus apanhará os criminosos, mesmo que isso aconteça somente no pós-vida.

1.19
Tal é a sorte de todo ganancioso. A Aplicação. Aqueles que são gananciosos pelo lucro e saem a praticar crimes para obter o que querem, preparam um caminho de destruição para si mesmos, que os leva à ruína. Há uma lei da retribuição que é tema comum da literatura de sabedoria. Quanto a isso, ver no Dicionário sobre Sabedoria, seção III. Cf. esta conclusão com Jó 8.13.

Aquele que vive cobiçando as coisas logo descobre que a cobiça é um animal feroz que se volta contra ele e lhe arrebata a vida. Encontramos aqui uma expressão idiomática no hebraico, que fala no proprietário da cobiça. Alguém possui alguma coisa é chamado de seu proprietário. Assim sendo, o “proprietário da ira” é alguém que não pode controlar sua ira. Quanto à função, essa expressão opera como outra expressão, “filho de”, ou seja, um homem que é, essencialmente, uma coisa qualquer. Cf. este versículo com Pro. 15.27 e I Tim. 6.10.

O humor negro deste versículo é que a ganância opera como um bumerangue. Uma vantagem financeira mal ganha (ver Pro. 10.2 e 28.16) não pode ser desfrutada, finalmente, por um ladrão e assassino. Os ladrões roubam dinheiro, mas esse ato acaba tomando-lhe a vida. Em outras palavras, o crime não compensa. Essa declaração pode até ser um truísmo, mas é veraz, no fim, em todos os casos. Portanto, um jovem deve fugir de homens violentos como uma ave foge da rede. A Sabedoria, Personificada como Mulher, Adverte os Homens para que não a Negligenciem (1.20-33)

1.20
Grita na rua a sabedoria. Como é natural, os homens são atraídos pelas mulheres, e o poeta chama nossa atenção ao falar sobre uma mulher realmente superior, a Sabedoria. Ela tem uma mensagem a comunicar, embora não seja algo que os homens gostem de ouvir. Cf. esta personificação com Pro. 3.15-19; 8.1-36; 9.1-6; Eclesiástico 1.1-10 e 24.1-34. Essa mulher percorre as ruas, clamando em alta voz. Ela atrai bastante atenção, mas poucos ouvem suas palavras, a ponto de modificar o curso da vida. O livro de Provérbios, em toda a Bíblia, é o que mais eleva a posição da mulher na sociedade. Portanto, foi apenas natural que o autor do livro tivesse apresentado essa figura simbólica. Essa figura tem sido cristianizada, para que Cristo apareça a falar, mas um judeu não teria apresentado o Messias sob a figura de uma mulher.

Os homens acham-se nas apinhadas e barulhentas ruas, no lugar espaçoso que conduz à destruição. A corajosa Sra. Sabedoria caminha pelas ruas para cima e para baixo, conforme Jonas fez em Nínive. Ninguém a detém, mas também ninguém lhe dá atenção.

Sabedoria. A palavra hebraica aqui usada não é exatamente a mesma do vs. 3. A palavra é hokhmoth, encontrada aqui e em Pro. 9.1; 14.1; 24.7 e Sal. 49.4. Essa palavra hebraica provavelm ente é a forma plural de hokhmah (1.2), e não um substantivo abstrato separado. Provavelmente tenciona apontar para as multiformes excelências da sabedoria. A sabedoria, nos capítulos 1, 8 e 9 do livro de Provérbios, corresponde ao que esperaríamos que o Messias fizesse, de modo que alguns cristãos, desde os tempos mais remotos do cristianismo, têm visto aqui profecias sobre Cristo. V er I Cor. 1.24,30, onde se lê que Cristo foi feito nossa Sabedoria. Nele se encontram os tesouros da sabedoria de Deus (ver Col. 2.3). Parece melhor, entretanto, entender tal interpretação como uma aplicação das passagens em questão, em vez de fazer delas passagens proféticas.

Seja como for, a Sra. Sabedoria leva a sua mensagem às ruas, sob formato evangelístico. Ela não espera que os discípulos venham à sua casa ou escola. Os mestres gregos, como Sócrates, levavam sua mensagem aos mercados, mas certamente esse não era o método usado pelos hebreus em seu ensino. Contudo, o evangelista Jonas foi pregar nas ruas de Nínive. Os nínivítas deram ouvidos a Jonas; e foi assim que o império assírio perdurou mais cem anos, em vez de desaparecer nos dias de Jonas.


“A voz da Sabedoria se opõe à linguagem sedutora dos ímpios, vss. 10-13”
(Adam Clarke, in loc.).

“A Sabedoria, personificada como mulher, denuncia aqueles que desprezam as instruções morais, ou aqueles que só percebem tarde demais a necessidade da sabedoria” 
(Oxford Annotated Bible, com entando sobre o vs. 20).

1.21
Do alto dos muros clama. A Sra. Sabedoria foi aos principais logradouros de Jerusalém, onde o povo costumava reunir-se, primeiramente caminhando ao longo do topo das muralhas (a Revised Standard Version traduz aqui um hebraico um tanto incerto, preferindo seguir a Septuaginta). A frase poderia ser traduzida por “no começo das ruas barulhentas” . O termo hebraico envolvido é homiyyoth, que parece falar de algo barulhento (cf. isa. 17.12; 22.2; 51.15; Jer. 5.22; 6,23; 31.35 e 50.42).

A Sabedoria clama a sua mensagem em outra parte apinhada da cidade. Algumas traduções dizem aqui “ruas ou mercados”. “As palavras de condenação que vêm depois dos vss. 23 ss., que a Sabedoria proferiu, fazem lembrar as mensagens dos profetas. Nesta passagem, tal como em Pro. 8.1-4 e 9.1-6, a Sabedoria usa o método evangelístico de apelo às multidões, um método bastante diferente de aconselhar estudantes individuais” (Charles Fritsch, in loc.). “A sabedoria não podia aguentar ver pecadores precipitando-se loucamente para sua condenação. Cf. o choro de Cristo sobre Jerusalém , em Luc. 19,41, e ver Rom. 9.2 ss. e Fil. 3.18 ss.” (Ellicott, in loc.).

“Quão pouco ouvida é a Sabedoria em sua solicitude pela nossa salvação, clamando em voz alta por todos os lugares!” 
(Fausset, in loc.). 

“A Sabedoria usa todo o artifício possível para despertar as pessoas de sua letargia, e de seguirem caminhos equivocados” 
(Rolland W. Schloerb, in loc.).

1.22
Até quando, ó néscios... e vó s, escamecedores... e vós, loucos...? Trio. Vários tipos de homens podem errar de diversas maneiras, e a Sra. Sabedoria nos dá alguma idéia sobre isso com uma tríplice referência, conforme se vê abaixo:

1. Néscios, amareis a necedade. Esta frase fala da classe inteira de homens espiritualmente não-instruídos, jovens ou velhos, que pouco sabem sobre o temor do Senhor e não põem em prática esse temor na vida diária. Ver no vs. 7: “os loucos” desprezam a sabedoria e o ensino. As notas expositivas sobre a segunda parte do versículo aplicam-se diretamente aqui, embora diferentes palavras hebraicas tenham sido usadas. Aqui, a palavra traduzida como “néscios” é o vocábulo hebraico pethi, que fala de pessoas inexperientes, principiantes, aprendizes. Tais homens amam a imaturidade. São perpétuos adolescentes espirituais.

2. Escarnecedores. No hebraico tem os o vocábulo, que fala sobre os desprezadores, os arrogantes, que voltam as costas para o bem. Eles se deleitam em sua arrogância e zombaria, e não na lei mosaica. 

3. Loucos. No hebraico, kesil, o indivíduo embotado, a quem falta sensibilidade espiritual, o homem dotado de pele grossa, que coisa alguma consegue penetrar, a quem a verdade espiritual não toca. Ele abomina o conhecimento, porque este perturba em demasia sua vida.

Outras palavras, no livro de Provérbios, para indicar os “insensatos”, são: ‘ewil, a pessoa de casca grossa, embotada; e nabhal, o insensato sem vergonha, que é uma pessoa desprezadora e grosseira, destituída de discernimento espiritual e intelectual. Ver Pro. 17.7,21; 30.22.

1.23
Repreensão. Ou seja, os ensinos que repreendem o mal e, ao mesmo tempo, apontam para o que é bom. “Admoestação, exortação, tingidas com a imputa­ção de culpa” (Toy, in loc.).

A tentai para a minha repreensão. Tem os aqui outro trio de palavras, mediante as quais a Sabedoria admoesta os insensatos, fazendo-lhes promessas.

1. Atentai, ou seja, ouvi a reprimenda, agindo de modo a reverter a insensatez e a rebelião. Isso significa obedecer à lei mosaica, com suas muitas demandas. O arrependimento e a conversão, de acordo com o Antigo Testamento, são atos que põem um homem em linha com a lei, e o levam a deixar para trás as coisas contrárias à lei.

 2. Eis que derramarei copiosamente para vós outros o meu espírito. O homem que se “volve” e se arrepende recebe a unção do Espírito (se é que o pensamento dos hebreus já havia atingido essa teologia personalizada), ou uma influência grandiosa e bendita é enviada da presença de Deus. Alguns intérpretes dizem aqui “mente” ou “intenção”, e a Revised Standard Version diz “pensamentos”. Cf. Joel 2.28; João 7.38,39 e Atos 2.17, quanto à crescente teologia do espírito, que veio a tornar-se do Espírito.

3. E vos farei saber as minhas palavras. O indivíduo arrependido, ao receber a influência divina, virá a conhecer a Palavra divina de modo mais significativo; tornar-se-á erudito na lei e terá coragem de ser-lhe obediente. Cf. Sal. 25.14; João 7.17.

“Se ouvirdes a minha palavra, tereis ampla instrução” 
(Adam Clarke, in loc.).

Este versículo tem sido cristianizado, fazendo da Sabedoria, neste passo, a Palavra de Cristo, e de suas palavras os ensinos do evangelho.

1.24
Mas, porque clamei, e vós recusastes. A exortação da Sra. Sabedoria foi clara, perfeitamente compreensível e urgente, mas os homens ignoraram continuamente essa exortação e seguiram seus próprios caminhos, que contradizem os caminhos da lei de Moisés. O convite da Sabedoria foi feito com sinceridade, mas foi repelido, pelo que temos uma cortante denúncia dos insensatos (vs. 22). Tal denúncia é o que vem os nos vss, 26 ss. Os vss. 24-25 a introduzem.

Estendia minha mão, e não houve quem atendesse. Temos aqui um gesto de apelo sincero. “A Sabedoria usa todos os meios para atrair as pessoas; mas elas se recusam a vir” (Charles Fritsch, in loc.). “Uma vez que o convite da Sabedoria foi rejeitado, ela mudou seu tom de misericórdia para julgamento (Sal. 101.1). Cf. Rom. 10.21” (Ellicott, in loc.).


Oh, senhor, a homens voluntariosos,
As injúrias que eles mesmos buscam
Devem tornar-se seus mestres-escoias.
(Shakespeare)

1.25
Antes rejeitastes todo o meu conselho. Duas declarações sumariam como os insensatos repelem os conselhos da Sra. Sabedoria:

1. Eles ignoraram esses conselhos. O original hebraico usa aqui o termo para, que significa “liberar” (cf. Êxo. 32.25). Dessa ideia de liberar, obtemos a ideia de “negligenciar”, “evitar”, “ignorar”. Quando deveriam ter retido as palavras, agarrando-as para si mesmos, esses homens permitiram que elas ficassem ineficazes. Cf. Atos 4.11,12 e 20.27.

2. Não quiseram os conselhos. Aquela gente nada queria com a repreensão da Sabedoria, porquanto isso interferiria com seu velho estilo de vida. A maneira de eles viverem era totalmente contrária às exigências da lei, pois preferiam acomodar-se às concupiscências da carne.

“A sabedoria parece-se com um cão a mostrar os dentes. Nesta passagem há uma forte ênfase sobre as conseqüências indesejáveis que se seguem à vida destituída de sabedoria. A sabedoria lança mão de todos os artifícios para dizer a verdade sobre as conseqüências... Não há como evitar o fato de que a vida insensata tem muitas conseqüências desagradáveis” (Rolland W. Schloerb, in loc.). “Os fariseus e m estres da lei rejeitaram o conselho de Deus contra si mesmos” (ver Luc. 7.30). “Quer eu tenha dado conselhos quanto à prática do bem, quer tenha repreendido quanto à necessidade de evitar o mal (ver Pro. 4.15), vós tendes rejeitado os m eus apelos (ver Pro. 15.32)” (Fausset, in loc.). Cf. Mat. 23.37.

1.26
Também eu me rirei na vossa desventura. A tirada começa agora. A Sra. Sabedoria, uma vez rejeitada, rir-se-ia das calamidades que atingiriam os insensatos. “A misericórdia era grande e a graça era gratuita, o perdão foi ali oferecido a mim”, mas os melhores esforços da Sra. Sabedoria foram repelidos. Portanto, alguma coisa teria de acontecer. A Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura (ver a respeito no Dicionário) precisava ter cumprimento. Os homens escolhem se esse cumprimento tem de ser negativo ou positivo. Os insensatos não acreditam nas operações da lei da colheita segundo a semeadura e surpreendem-se quando são envolvidos em alguma calamidade. Mas a Sra. Sabedoria-ri-se diante da surpresa deles.


Ri-se aquele que habita nos céus; o Senhor zomba deles.
(Salmo 2.4) 

A calamidade impõe o temor, porquanto algo destrutivo deverá ocorrer. Cf. Sal. 37.13 e 59.8.

“É uma característica do pecado que o conhecimento mais pleno de seus resultados só ocorra depois do ato ter tido cumprimento” (Felix Adler). A essência do jogo do pecado e da punição é que as pessoas têm de aprender pelo caminho mais difícil. O vosso terror. ‘Terror’ é tradução da palavra hebraica pahadh, que quer dizer “pânico” ou “terror súbito”.

1.27
A Tríplice Ameaça. Acompanhe o leitor os três argumentos abaixo: 1. A Tempestade. O terror apossar-se-ia dos pecadores como uma tempestade, o que enfatiza a subitaneidade mencionada no vs. 26. As correntes de vento que arrastam as tempestades usualmente sopram desde longa distância, e os satélites que verificam as condições atmosféricas podem reconhecê-las com dias de antecedência, mas sem esses modernos aparelhos científicos uma tempestade parece não se ter originado em lugar algum, surgindo inesperadamente. Assim também é a retribuição que recai sobre os homens, sem nenhum aviso prévio.

2. O Redemoinho. Um redemoinho é uma espécie de tempestade particularmente destrutiva, com correntes de vento que giram loucamente, em um movimento frenético que pode levantar no ar uma casa inteira, fazendo-a pousar em outro lugar, totalmente arruinada. Tais redemoinhos são repentinos e devastadores, e outro tanto se deve dizer quanto aos pecadores teimosos.

3. O Aperto e a Angústia. Os apertos são calamidades físicas, chamadas aqui por nomes gerais, sem dizer, exatamente, no que consistem. A natureza exata das calamidades varia de pecador para pecador. Existem enfermidades e acidentes; também existem pragas e ataques de homens ímpios e desarrazoados; e há, igualmente, injustiças perpetradas por homens injustos; finalmente, há guerras e invasões da parte de inimigos estrangeiros.

1.28
Então me invocarão, m as eu não responderei. Quando se vê em aperto e angústia, o homem ímpio volta-se para a oração, mas então já é tarde demais. Suas orações sobem, mas não são ouvidas pela mente divina, personificada aqui como a Sra. Sabedoria. Eles oram com diligência, mas tudo é inútil, por ser tarde demais. Esses não deram preferência ao temor do Senhor desde antes (comentado no vs. 7). Em outras palavras, rejeitaram a espiritualidade e preferiram a senda do pecado e da degradação. Dessa forma, anularam suas chances de vida longa e prosperidade, conforme a promessa da lei (ver Deu. 4.1; 5.33 e Eze. 20.1).


No tempo aceitável eu te ouvi e te socorri no dia da salvação;
guardar-te-ei e te farei mediador da aliança do povo, para
restaurares a terra e lhe repartires as herdades assoladas.
(Isaías 49.8)

Eles não invocaram a Yahweh quando o Senhor estava próximo para ouvi-los (Isa. 55.6). O dono da casa já havia fechado a porta (Luc. 13.25) e não ouviria seus clamores. “Embora aqueles insensatos soubessem o bastante para invocar a Sabedoria em sua aflição, não foram libertados. Eles tinham repelido os apelos anteriores da Sra. Sabedoria. Agora ela estava surda a seus clamores. Eles tinham tido ampla oportunidade para voltar-se a ela” (Charles Fritsch, in loc.).

Esta passagem, de modo geral, torna-se profética e messiânica. A destruição e a diáspora romana foram impostas aos judeus, e houve julgamento evangélico para aqueles que rejeitaram o evangelho cristão. Embora possamos fazer tais aplicações, essas conclusões não estão em pauta no texto.

1.29
Porquanto aborreceram o conhecimento. Ao odiar o conhecimento, aqueles pecadores descuidados não escolheram, deliberadamente, o temor do Senhor (ver as notas expositivas sobre o vs. 7; Sal. 119.38 e, no Dicionário, o verbete chamado Temot). Aqueles homens mostravam-se antagônicos contra a espiritualidade básica que consiste em conhecer e obedecer à lei mosaica. Não eram apenas indiferentes. Eram pecadores agravados. Encarnavam o título que a Sra. Sabedoria lhes atribuiu — insensatos (ver o vs. 22; ver sobre os três tipos de in se n sa to s.”... odiaram o conhecimento; isso subentende o mais profundo grau de depravação intelectual e moral” (Adam Clarke, in loc.). Eles lançaram redes visando a própria destruição (vss. 18 e 19). “Esses homens escolheram a destruição, pelo que a culpa repousa sobre eles (ver Atos 13.46)” (Fausset, in loc.). Ver no Dicionário artigo chamado Livre-arbítrio.

1.30
Não quiseram o m eu conselho. Este versículo é paralelo direto do vs. 25, na questão de desprezar o conselho e a repreensão. Ver as notas expositivas ali, que também se aplicam aqui. “O conselho da sabedoria, dos homens sábios, equivale à lei dos sacerdotes e à palavra dos profetas (ver Jer. 18.18)” (Charles Fritsch, in loc.).

“Estes detalhes são repetidos com base no vs. 25, para observar a sua ingratidão, e quão justa era a sua ruína, e qual era a sua verdadeira causa” (John Gill, in loc).

1.31
Portanto comerão do fruto do seu pro cedimento. Uma metáfora baseada na agricultura. Eles mesmos tinham plantado as sementes da retribuição e da angústia e, chegado o tem po da colheita, era apenas isso o que havia para colher.

Tiveram de comer o amargo fruto que haviam plantado deliberadamente. Ver no Dicionário o artigo cham ado Lei M oral da Colheita segundo a Semeadura. Ver sobre a lei da retribuição, em Gál. 6.7,8. Ver sobre carma, na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia.

Dos seus próprios conselhos. No hebraico, “conselho” é m o’eçah, que no Antigo Testam ento quase sem pre tem conotações negativas, podendo ser traduzido por artifícios ou planos perversos. Contrastar isso com os bons conselhos da Sra. Sabedoria. Cf. Deu. 32.32, a “vinha de Sodoma” e os “campos de Gomorra”. As uvas desses lugares eram uvas de fel, e os cachos de suas vinhas eram amargos. Cf. Isa. 3.9-11. Ver também Jer. 6.19 e Miq. 7.13.


Concedeu-lhes o que pediram, m as fez definhar-lhes a alma.
(Salmo 106.15)

Eles comeram os frutos amargos de seus próprios desejos perversos, que lhes afligiam a vida. As pragas sofridas pelos homens são excrescências de sua própria perversidade. Cf. Jó 4.8 e Pro. 14.14: O infiel de coração dos seus próprios caminhos se farta.

Os néscios são mortos por seu desvio . A Sra. Sabedoria nos leva de volta à palavra usada no vs. 22, néscios. No hebraico, a palavra é p ethi, que aponta para os espiritualmente inexperientes, que se recusam a crescer aprendendo a sabedoria. O homem espiritualmente imaturo torna-se m aduro no pecado. Ele se desvia da sabedoria da lei, e isso lhe é fatal. Sua própria escolha o leva à morte prematura. Ele cultiva uma vida curta e morre imaturamente, algo tremendamente tem ido pela m ente dos hebreus. Além disso, a palavra hebraica kesil é novam ente usada, indicando alguém em botado espiritualmente, que se tornara um pecador agudo. A Revised Standard Version tem aqui “complacência”, em lugar de “prosperidade” . Essa é uma tradução melhor, porquanto a palavra hebraica shalvah significa, basicamente, “segurança”, “quietude”, e também pode ter a ideia de “prosperidade” . Nesse caso, talvez se refira ao vs. 13, indicando todas as riquezas que indivíduos ímpios obtêm através do furto e do assassinato. Assim sendo, ou a complacência
deles, ou sua prosperidade, voltava-se contra eles com o serpentes, para matá-los. Cf. Jer. 2.19. A tendência para o desvio tornara-se fatal, pois os conduzira à vereda cujo fim é a destruição. Em um estado de “segurança imaginária”, de súbito encontraram a morte.

1.33
Mas o que me der ouvidos habitará seguro. A Sra. Sabedoria volta-se agora para aqueles que lhe dão ouvidos, ou seja, os alunos aplicados, prometendo-lhes segurança e quietude em meio às tribulações. Eles habitarão em lazer (em paz) e sem sustos, ao contrário dos pecadores. O homem que habitar em segurança não sofrerá nenhum a das calamidades ameaçadas contra outras pessoas. Tal homem terá paz interior e segurança, em contraste com os perigos e as calamidades dos ímpios (vs. 27). Cf. o vs. 37 quanto a declarações e promessas similares. Ver também Sal. 112.7:

Não se atemoriza de más notícias: o seu coração é firme, confiante no Senhor. Dar ouvidos significa acolher favoravelmente a instrução quanto à lei mosaica e mostrar-se obediente. Esse era o padrão de toda a sabedoria dos hebreus. Era a lei que tornava Israel um povo distinto (ver Deu. 4.4-8). A lei era o guia dos hebreus (ver Deu. 6.4 ss.). Ver Sal. 1.2 quanto a um sumário do que a lei de Moisés significava para Israel. Eles viveriam livres de temor, “temporal, mental, espiritual e eternamente (ver Isa. 26.3; 33,15,16; Jer. 23.6; Deu. 33.12,28” (Fausset, in loc).