Provérbios 2 — Comentário Teológico

Provérbios 2

Este capítulo 2 é uma espécie de poema independente, desvinculado do primeiro capítulo; não é nem um a continuação do anterior nem é continuado pelo capítulo 3. O capítulo 2 descreve os frutos produzidos pela busca pela sabedoria. A verdadeira busca espiritual produz com preensão sobre a fé espiritual, a moralidade e a conduta apropriada em todas as coisas. Sua possessão é salvaguarda interior contra as más companhias e suas várias espécies de perversões. Leva à devida compreensão e aplicação do pacto de Israel com Yahweh.

Não continua aqui a figura simbólica da Sra. Sabedoria (ver Pro. 1.20-33). Agora é o m estre que oferece suas instruções. O m estre, na qualidade de pai, instrui seu filho (o estudante, ver Pro. 1.8). Esforço deve ser envidado para que o indivíduo atinja a sabedoria (vss. 1-6); benefícios m orais são resultantes da busca pela sabedoria (vss. 7-10); a sabedoria protege o aluno de indivíduos imorais (vss. 11-22).

Terceiro Discurso: Benefícios para quem Dá Ouvidos à Sabedoria (2.1-22)

A primeira grande seção do livro de Provérbios (capítulos 1-9) conta com dezesseis discursos ou seções. Chegam os agora ao terceiro desses discursos.

2.1 Filho meu. Ver Pro. 1.8. É provável que aqui, em contraste com o versículo citado, o filho seja aluno de seu pai espiritual, o mestre. Os rabinos de nomeada tinham alunos, quer em uma escola organizada e formal, quer individualmente. O ensino era uma atividade muito importante; m estres bons eram importantes; e bons alunos eram importantes para a mentalidade judaica. E a lei era o manual que eles usavam. Se aceitares as minhas palavras. As palavras do mestre eram as palavras da lei, transmitidas e bem interpretadas diante do aluno. Todavia, essas palavras eram inúteis, a menos que fossem aceitas, o que significa serem aprendidas e aplicadas. O mestre falava em seu próprio nome, mas sua autoridade era a lei, e não ele mesmo. E esconderes contigo. Há versões que dizem aqui “se entesourares”. Tal tradução fere o sentido básico do original hebraico. Os ensinos ministrados eram um tesouro e tinham de ser escondidos no coração e praticados na vida geral. O corpo de ensinos é pintado como algo que se reveste de grande valor. Cf. com o tesouro escondido no campo, da parábola de Jesus (ver Mat. 13.44), bem como com a pérola de grande preço (ver Mat. 13.46). Os meus mandamentos. Se a palavra “mandamentos” (no hebraico, miçwoth) se refere ao corpo de ensinos das escolas de sabedoria, devemos compreender que o corpo de ensinos se baseava quadradamente sobre a lei. A lei continha afirmações ricas e discursos espertos, mas todas essas coisas se baseavam na lei, e eram por ela aprovadas. O próprio livro de Provérbios é uma demonstração das miçwoth. O capítulo seguinte exemplifica esse corpo de ensinos. Portanto, em primeiro lugar, temos o convite para ouvir e obedecer. O aluno tinha o privilégio de sentar-se sob os auspícios de um mestre e devia viver segundo as oportunidades que lhe eram abertas.

Palavras-chaves dos Vss. 1-4: aceitares e esconderes (vs. 1); fazeres atento, inclinares, clamares e alçares (vss. 2 e 3); buscares, procurares (vs. 4). Estas palavras falam sobre a sinceridade e a intensidade da busca espiritual necessária da parte de um aluno sério.

Para fazeres atento à sabedoria o teu ouvido. Um bom aluno mostrar-se-á atento ao ensino que receber, inclinando seu ouvido para ouvi-lo e aceitá-lo. Ele será ouvinte e praticante dos mandamentos. Ver Tia. 1.22.

Todas as faculdades devem ser empregadas nessa busca: o ouvido, para ouvir e compreender; o coração, que fala sobre a mente e as sensibilidades espirituais. O homem estava atrás do entendimento (ver Pro. 1.5). Essas figuras simbólicas apontam, essencialmente, para as capacidades intelectuais e volitivas.

A “compreensão”, conforme entendiam os hebreus, nunca era algo meramente intelectual. Um homem precisa viver segundo a sua compreensão, pois só assim ele realmente compreenderá. Um aluno nunca poderia ser um mero teórico. Saber sem praticar termina em hipocrisia.

Bendito és tu, Senhor; ensina-me os teus preceitos. (Salmo 119.12)

E se clamares por inteligência... Um bom aluno “clamará” por conhecimento e discernimento. Em minha carreira de professor universitário durante trinta anos, tenho encontrado pouquíssimos estudantes dotados dessas qualidades! O bom aluno alçará a voz, em seu desejo por inteligência. Isso indica um intenso desejo de aprender. Li sobre um padre católico que memorizou o Novo Testamento inteiro em latim . Tal homem realmente era intenso em sua busca, e, quanto a mim, não vou condená-lo por razões dogmáticas. Encontramos muitos estudantes bastante bons, mas não muitos que “clamam”. Um aluno bom e intenso é um estudante que resolve dominar o corpo dos ensinos que estiver recebendo.

Henry Ford era um industrial fanático e trabalhador infatigável. Ele criou a primeira linha de montagem de automóveis dotados do motor de combustão interna. Ele sabia mais sobre esse motor do que qualquer outra pessoa. Não obstante, quando alguém criticava seu produto, ele ouvia cuidadosamente e anotava a critica, para ver se não poderia melhorar o veículo. Assim sendo, ele foi, ao mesmo tempo, mestre e aluno, e atingiu sucesso que persiste até os dias de hoje.

Se buscares a sabedoria com o a prata. O tesouro (vs. 1) deve ser buscado de todo o coração, tal com o alguns homens buscam prata ou tesouros escondidos. Este versículo é um a expansão das ideias do vs. 1. O tesouro são os m andamentos, o corpo de ensinos que deve ser posto em prática, porquanto, de outra maneira, esse tesouro fica sem valor e deixa de ser um tesouro. Naqueles dias, quando não havia bancos, era costume enterrar coisas de valor, para ficarem em segurança. Ver Jer. 41.8 e Mat. 13.44. Os tesouros eram acumulados em meio a grande esforço, e os tesouros escondidos ou perdidos eram recuperados com grande e diligente busca e labor.

A demais, a prata tinha de ser extraída em minas, e isso requeria intensa escavação. E a prata precisava ser refinada, sendo este outro labor cansativo. Por isso, o m estre exortou seus alunos a labutar. As verdades de Deus estão abertas à busca, mas não são obtidas facilmente, de m aneira significativa. Existem muitos mineiros que esburacam a terra superficialmente, e há vários caçadores teóricos de tesouros que não fazem muito para cumprir as suas aspirações. Este versículo fala do minério de prata, e não das moedas de prata.

Um tópico favorito dos autores orientais, que refletia a verdadeira atividade, era a caça a grandes tesouros. O verdadeiro conhecimento jaz profundamente em uma mina. Somente os que trabalham arduamente tirarão proveito do minério da terra. Essa figura simbólica deixa subentendidos o tempo, o trabalho, os adiamentos e os gastos que precisam ser feitos.

Este versículo tem sido cristianizado para falar sobre a verdade em Cristo. Ver sobre o tesouro do evangelho em II Cor. 4.7. “Cristo é a súmula e a substância do evangelho” (John Gill, in loc.). Ver também Efé. 3.9,10.

Em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento... estão ocultos.
(Colossenses 2.3)

Então entenderás o temor do Senhor. O bom aluno, que escava atrás do minério da prata ou busca e então encontra o tesouro escondido (vs. 4), virá a entender o temor do Senhor (que é o lema do livro de Provérbios). Ver isso comentado em Pro. 1.7; Sal. 119.38, e também ver no Dicionário o artigo chamado Temor. O temor do Senhor é o princípio do conhecimento de Deus, em seus aspectos teórico e prático. O homem que busca a Sabedoria acaba encontrando-se com Deus. O indivíduo que continua sabendo mais e mais e pratica o que sabe mais e mais, encontra-se com Deus. O temor de Deus é o começo do conhecimento, é a chave para saber e fazer. O conhecimento de Deus. “Conhecimento”, neste trecho bíblico, é da'ath, que aponta não para o mero acúmulo de conhecimento intelectual, mas indica o verdadeiro aprendizado, o conhecimento e a experiência espiritual, as realiza­ções espirituais, o conhecimento da prática do bem, e a própria prática do bem.

Talvez o autor sagrado estivesse falando para incluir o conhecimento místico que vem através das visões e dos sonhos, e através do toque do ser divino, embora não tenha enfatizado esse aspecto da questão. 

A vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. (João 17.3)

Deus, em última análise, é o Tesouro escondido, a prata que deve ser minada. O conhecimento de Deus pode ser encontrado na natureza (Rom . 1) e também na lei mosaica, m as especialmente na revelação de Cristo, o Tesouro de Deus, conforme demonstram as notas expositivas sobre o vs. 4. Tem os de ultrapassar do corpo de ensinamentos (vs. 1) para o assunto trata ­do por esses ensinos. A comunhão com a presença de Deus, que nos fornece os mandamentos, deve estar incluída nessa ideia.

Porque o Senhor dá a sabedoria. Este versículo reitera o prefácio (ver Pro. 1.2), que fala sobre a sabedoria e a com preensão. Pro. 1.4 fala sobre o conhecimento, que aparece no versículo anterior. Agora, porém, aprendem os que o Senhor é a origem dessas qualidades, e compreendemos que seu instrumento é a lei de Moisés, além dos livros que falam a respeito, conforme temos visto nos m andamentos que figuram em Pro. 2.1. Som ente Deus é o Mestre, e não a sabedoria ou os m estres humanos. Ele é o Mestre Supremo. Esse tem a acha-se por diversas vezes no livro de Salmos . Ver Sal. 25.4, 8, 9; 27.11; 86.11; 119.12, 26, 33, 64, 66, 68, 108, 124 e 135; 143.10. Da sua boca. A boca de quem? A boca de Deus, que se encontra somente aqui em todo o Antigo Testamento. Trata-se de uma forte expressão antropomórfica, por intermédio da qual o autor atribui a Deus características humanas. Ver no Dicionário o verbete intitulado Antropomorfismo. A Septuaginta altera a expressão para “de Sua face”, que tem o sentido de “da Sua presença”, o que, sem dúvida, foi uma mudança para suavizar a expressão bastante crua no original hebraico.

Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus,
que a todos dá liberalmente, e nada lhes impropera; e ser-lhe-á
concedida.
(Tiago 1.5)

Cf. 1 Reis 3.9,12. Este versículo tem sido cristianizado para falar de Cristo como o porta-voz do conhecimento de Deus e da salvação divina. Ver João 1.17,18; Heb. 1.1.

2.7 Ele reserva a verdadeira sabedoria para os retos. O homem bom conta com os tesouros da sabedoria guardados para ele pelo próprio Deus. Cf. Pro. 2.1,4, onde se lê que o bom estudante recebe ordens para minerar a prata e caçar tesouros. Um bom aluno , que esteja caçando sabedoria , não pode falhar. Deus mesmo o ajuda e certifica -s e de que ele encontre os tesouros que está procurando. Pois aquele que ocultou a sabedoria é também aquele que a revela. Todavia, o indivíduo deve buscar a sabedoria, pois, de outra sorte, não a encontrará . “A obtenção da sabedoria requer que um a pessoa seja dotada de um rico desejo por sabedoria ” (Rolland W. Schloerb, in loc.).

Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á.
(Mateus 7.7)

Escudo. Quanto a Yahweh com o o escudo do homem, ver Sal. 3.3; 7.9,10; 84.8; 89.18; 91.4; 115.9; 119.14 e 144.2. Ver também Gên. 15.1. A figura simbólica refere-se à ideia de proteção: “Deus protege àqueles que, mediante a Sua sabedoria, são moralmente retos” (Sid S. Buzzell, in loc.). Encontramos ideia similar em Pro. 1.30: os homens bons habitam em segurança e não temem as intrusões do mal. Os que caminham na sinceridade. O homem bom obtém a sabedoria divina e também é protegido do mal, portanto pode manter um caminho progressivo em sua busca pelo tesouro do conhecimento de Deus. O ser humano precisa ter desejos, alvos e conduta reta, para qualificar-se. Cf. Sal. 15.2; 84.11; Isa. 33.15,16. Cf. Efé. 16.16; I Ped. 1.5, quanto a passagens paralelas no Novo Testamento.

2.8, 9 Guarda as veredas do juízo. O vs. 8 expande a figura simbólica do escudo, que aparece no vs. 7. Yahweh toma sobre Si mesmo a tarefa de guardar o homem bom, conforme este progride nas veredas da justiça. Ele preserva o caminho dos santos. Pro. 1.3 tem o bom aluno a receber instruções “na justiça, no juízo e na equidade”, as mesmas qualidades que aparecem no vs. 9 deste presente. O estudante que busca é protegido para garantir o seu sucesso na obtenção das qualidades divinas. Ele chega a com partilhar dos atributos de Deus em um sentido limitado. A metáfora do ato de andar é aqui salientada. Seus santos. Ver no Dicionário sobre esta palavra, e ver também Sal. 97.10. Trata-se de uma palavra própria de pacto. Aqueles que fazem parte do pacto abraâmico tornam-se santos de Yahweh, Seu povo santo, e são objetos especiais de Seus benefícios. Ver Gên. 15.18 quanto ao Pacto. Deus lidera o homem bom pela boa vereda. Essa boa vereda é a da lei de Moisés, o que é fomentado por outros livros, como este livro de Provérbios.

Educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões
mundanas, vivam os no presente século, sensata, justa e
piedosamente.
(Tito 2.12)

2.10 Porquanto a sabedoria entrará no teu coração. A sabedoria aparece aqui como uma questão do coração, paralelamente à idéia do vs. 2 — o ouvido ouve a sabedoria e a aceita; o coração recebe a compreensão. E, em seguida, a própria alma, o homem interior, o homem essencial, satisfaz-se diante do conhecimento divino. O autor continua repetindo seus temas principais, por várias vezes, o que também diz a verdade no tocante aos Salmos.

Agradável. Vocábulo derivado da mesma raiz que o nome pessoal Noemi
(ver Rute 1.20).

Bem -aventurado o homem que não anda no conselho dos
ímpios, não se detém no caminho dos pecadores... Antes o
seu prazer está na lei do Senhor.
(Salmo 1.1,2)

Cf. Pro. 16.24. Há alegria no serviço prestado a Jesus. Sendo Ele a alegria do mundo, o Senhor já veio.

Agora agradecem os a nosso Deus,
Com o coração, as mãos e as vozes,
Em quem o m undo se regozija.
(Martin Rinkart)

2.11 O bom siso te guardará. Duas Formas de Proteção: o bom siso (ver o vs. 4) e o discernimento (1.2; 2.9), manifestações de sabedoria que atuam como guardas do bom aluno. Eles se conservam no caminho da retidão; protegem o aluno do mal; beneficiam o aluno quando este tenta obedecer à lei de Moisés, a fonte da sabedoria. Ver Sal. 1.2 quanto a um sumário do que a lei mosaica supostamente significava para os hebreus.

“Os vss. 11-15 têm uma declaração geral sobre a proteção conferida pela sabedoria (vs. 11). Os vss. 7-8 estão vinculados aos vss. 12-15. Deus nos p ro te g e (vs. 8), e o bom sis o que Deus dá ta m b é m nos protege (vs. 11). Cf. Pro. 4.6 e 13.6. Os vss. 12-15 adquirem significado adicional quando relaciona dos à advertência em 1.10-19” (SidS. Buzzell, in lo c .). A Septuaginta diz bom conselho em lugar de bom siso. Essa idéia tem sido cristianizada para significar a sabedoria com que o evangelho nos brinda.

Quanto à se gunda parte , o discernimento, a Septuaginta diz “pensamento santo” .

Minha alma, põe-te de guarda,
Dez m il inimigos se levantam,
As hostes do pecado estão pressionando muito,
Para derrubar-te dos céus.
(George Heath)


2.12 Para te livrar do caminho do mal. Os dois guardas — o bom siso e o discernimento, que são manifestações da sabedoria (vs. 12), libertamos aprendiz intenso do caminho do mal e, em particular, da faia de homens pervertidos. Haverá muitas tentações. Será necessário poder para que o homem bom escape dos ataques do mal. Quanto ao uso apropriado da fala, ver Sai. 5.9; 12.2; 15.3; 17.3; 34,12; 35.28; 36.3; 39.9; 55.21; 64.4; 66.17; 73.9; 94.4; 101,5; 109.2; 119.172; 120.3,4; 139.4; 140.3 e 141.3. Quem é aluno precisará da proteção contra homens perversos. Já vimos que os ladrões e os assassinos podem alistar os ingênuos para seu jogo de ganhos por meio do crime (ver Pro. 1.10-19). Homens de linguagem distorcida podem corromper de muitas maneiras (vss. 12 e 13). Além disso, há também o problema da sedução por parte de mulheres lascivas (vss. 16-19). Assim é que o autor fornece algumas coisas das quais um homem pode escapar, se der atenção à lei, conforme ela aparece nos ensinamentos do livro de sabedoria.

Cousas perversas. No hebraico, tahpukkoth, “distorções da verdade” , “palavras enganadoras” . O sentido raiz é “virar de cabeça para baixo”, “em ­ borcar”.


2.13 Dos que deixa mas veredas da retidão. A vereda dos justos caracteriza-se pela luz, m as a vereda do ímpio caracteriza-se pelas trevas. Cf. Sal. 82.5. Ver também o verbete chamado Caminho, no Dicionário. “O amor pelas trevas, e não pela luz, é a razão pela qual eles deixam o caminho da retidão, que são as veredas da luz (ver João 3.19,20; Jó 24.15; isa. 29.15; Rom. 13.12; Efé. 5.11). As trevas encaminham às trevas exteriores. Ver Mat. 8.12” (Fausset, in loc.). “Trevas, pecados, Ignorância e infidelidade, em que aqueles que estão caminhando não sabem onde se encontram, nem para onde estão indo, o que é desconfortável e perigoso. É ali que as obras da lei são feitas, levando à escuridão das trevas, à escuridão do inferno, uma escolha miserável” (John Gill, in loc.).

2.14 Que se alegram de fazer o mal. Homens maus não se fazem meramente pelas circunstâncias e pelo meio ambiente. Essas pessoas são pútridas por dentro, corrompidas e violentas, amam o mal; regozijam-se quando têm uma boa oportunidade de praticar o mal, e sentem alegria por fazer isso. Deleitam-se na perversidade e na confusão. Não é que sejam forçadas pela perversidade e pelas pressões externas para fazer o mal. Há muitas pessoas pobres que não são criminosas. Os pecadores amam o ódio, o furto, o derra­mamento de sangue e a perversidade, da mesma maneira que os homens bons amam a retidão e a prática das boas obras. O mal pode ser expulso de um homem por um a sentença ao encarceramento , mas não de forma permanente. Somente quando a pessoa se reveste do bem é que o mal é expulso permanentemente de sua vida.

Para o insensato praticar a maldade é divertimento, para o
homem entendido o ser sábio.
(Provérbios 10.23)

Cf. Isa. 3.9 e Jer. 11.15. Foi assim que Acabe se vendeu para praticar a maldade, aos olhos do Senhor, e a sua horrenda esposa, Jezabel, continua­va a animá-lo nesse caminho perverso (ver I Reis 21 .25). Ver II Tes. 2.12.

Algumas pessoas têm prazer na retidão. Outras saltam de alegria quando ouvem ou vêem alguém praticando o mal, como se fosse algo realmente engraçado (ver Rom. 1.32). Tais pessoas, entre tanto, estão saltando para a própria morte, em bora para tanto tenha de passar ainda algum tempo. Talvez o último estágio da degradação o corra quando atos horríveis se tornam um prazer para os homens. Assim, muitos criminosos confessa m o quanto desfrutam do roubo e do assassinato. Talvez a possessão demoníaca seja o que causa essas distorções em muitos casos, porquanto nossos inimigos são os que preenchem o espaço, e não os que vivem na terra (Efé. 6.12).

2.15 Seguem veredas tortuosas. O autor sagrado prossegue em suas descrições sobre pecadores desgraçados. Esses pecadores conheciam o caminho reto, mas desviaram-se. Não eram indivíduos ignorantes, mas voluntariamente perversos. Eles tomaram veredas tortuosas e mostraram-se tortuosos em sua maneira de pensar e em seus atos. Tortuosas. No hebraico original tem os a palavra 'iqqesh, a qual significa, basicamente, torto. Mas no Antigo Testamento, esse vocábulo sempre tem um sentido moral. E se desviam nos seus caminhos. No original hebraico, luz, “desviar-se” para a vereda errada. Diz aqui a Revised Standard Version, “desviados nos seus caminhos” . Isa. 30.12 usa a palavra, a qual, fora daí, só se encontra na literatura da sabedoria. Ninguém poderia andar com tais pessoas e permanecer reto em seus pensamentos e ações. O autor sacro falava sobre pecadores expertos, homens treinados e aperfeiçoados na corrupção, em contraste com seus m estres espirituais. Eles são m estres do mal e têm muitos discípulos que logo aprendem seu jogo doentio. Ver Sal. 125.5.

Desconhecem o caminho da paz, nem há justiça nos seus passos;
fizeram para si veredas tortuosas; quem andar por elas não
conhece a paz.
(Isaías 59.8)

O Caminho da Mulher Adúltera (2.16-19)

2.16 Para te livrar da mulher adúltera. Mulher adúltera, mulher frouxa, mulher sedutora são traduções de diversas versões da Bíblia. O termo hebraico zarah significa, basicamente, “outra”, que poderia significar “outra gente”, isto é, uma prostituta estrangeira. Mas isso não combina com o texto sagrado. Ou então a ideia é que ela abandonou seu marido e agora pertence a outro, o que se tornou um costume da tal mulher. Algumas versões dizem aqui adúltera (como nossa versão portuguesa), o que se vincula à palavra estrangeira (conforme faz nossa versão portuguesa). Em vez de “estrangeira”, outras versões preferem o termo desviada.

Alguns intérpretes ligam o caso ao fato de que Salomão se casou com mulheres estrangeiras (ver I Reis 11.1-4), mas isso não concorda com o versículo seguinte. Com base nas palavras deste versículo, não podemos determinar a condição exata da mulher em pauta, mas o vs. 17 torna a questão mais bem definida.

Que lisonje ia com palavras. Tal mulher sabe usar palavras suaves, ou seja, oleosas. Cf. isso com Pro. 5.3; 6.24; 7.5,21. O homem já estava quase conquistado, mas para garantir que cederia aos desejos dela, ela se armou com uma conversação lisonjeira, enganadora, oleosa. Pro. 7.13-21 dá-nos uma descrição de com o ela falava. Pro. 7.5 é quase igual ao presente versículo.

2.17 A qual deixa o amigo da sua mocidade. A mulher adúltera abandonara seu amigo da mocidade, seu guia ou companheiro. Isso tem sido Interpretado de diversas maneiras, a saber: 1. Deus tinha sido seu guia espiritual, mas ela abandonou os caminhos piedosos de seus dias de mais jovem. 2. Ou então, o pai dela, que tentava ensinar-lhe o caminho certo pelo qual ela deveria viver, foi finalmente abandonado. 3. Está em vista, porém, o seu marido, o amigo de sua mocidade, quando ela era mais jovem. Cf. “esposa de tua mocidade” (Pro. 5.18). Ver também Mal. 2.14. Entretanto, ao usar essa m esma frase, Jer. 3.4 refere-se ao pai de alguém. Esquece. O caso m ais com um de uma mulher descasada que se torna uma prostituta é a mulher viúva ou divorciada que apela ao sexo para ganhar dinheiro. Mas nosso texto fala do ato voluntário de uma mulher que abandonou o seu marido para viver com outro homem . Todos nós conhecem os casos semelhantes. Normalmente, o homem é o sedutor. Mas há casos em que a mulher seduz a um homem , a quem prefere em detrimento seu marido. E então o novo homem , depois que se enjoa, abandona a mulher, ou, em alguns poucos casos, ela abandona o novo companheiro. Então ela termina sua carreira em prostituição aberta, não se apegando mais a um homem só. Ela pode então virar uma prostituta amadora, não ganhando dinheiro dessa maneira, ou pode tornar-se um a profissional, obtendo seu sustento através do sexo ilícito. Aliançado seu Deus. Cf. Osé. 2; Gên. 2.24; Mat. 19.6. Provavelmente, estas palavras referem -se ao contrato de casamento, firmado com o marido e com o Deus de seu povo (o povo em relação de pacto com Deus), porquanto o casamento era, ao m esmo tempo, uma espécie de contrato com Deus, santificado dentro da com unidade de Israel. Encontramos uma expressão similar em Mal. 2.14:

O Senhor foi testemunha da aliança entre ti e a mulher da tua
mocidade, com a qual tu foste desleal, sendo ela a tua
companheira e a mulher de tua aliança.


2.18 Porque a sua casa se inclina para a morte. A nova prostituta, que tão pouco tempo atrás era esposa fiel, tinha sua própria casa, pelo que sua nova profissão é facilitada. M as a sua casa, em bora conveniente, inclina-se para a morte, por ser o lugar de um pacto quebrado, e Yahweh retirou desse lar o Seu favor. A vereda dessa mulher, que há tão pouco tempo caminhava pela vereda da retidão, agora tornou-se um a vereda que vai ter na morte, nas sombras, provavelmente um a referência ao sheol, o lugar dos espírito dos mortos. Talvez este versículo subentenda que a teologia dos hebreus tinha avançado para além do ponto em que o sheol se tornou sinônimo de sepulcro ou de morte. No livro de Salmos, entretanto, a maior parte das referências ao sheol se com põe de sinônimos do sepulcro, mas Sal. 88.10; 139.8 e 148.7 podem representar estágios de desenvolvimento da doutrina, afastando-se cada vez m ais da ideia de sepultura. 

Se lemos um avanço aqui sobre a simples ideia da sepultura, também podem os ter uma ideia de punição no submundo tenebroso, mas o autor não desenvolve o tem a. Cf. Dan. 12.2. Sombras, aqui, pode significar “em descanso”, sendo o termo hebraico rephaim, que pode ter esse sentido. Cf. Jó 3.17:

“Os cansados estão descansando”. A palavra também pode significar “fraco” (ver Isa. 14.10); pode estar em vista um estado debilitado, no qual os espíritos são internados no sheol. C harles Fritsch (in loc.) diz-nos que a teologia hebraica ainda não tinha avançado para englobar a ideia do sheol com o o local dos espíritos que partiram deste m undo, muito menos a ideia de punição; assim, tudo quanto o autor sagrado via era a ideia de morte prematura, que é a noção com um do livro de Salmos. Visto que o autor sagrado não entra em detalhes, continuam os tentando adivinhar o que o autor sacro pode te r deixado implícito com sua declaração. Alguns poucos intérpretes caem no anacronismo de fazer esta passagem referir-se ao inferno posterior dos livros apócrifos e pseudepígrafos, bem com o dos livros do Novo Testamento. O Targum faz da casa da mulher, aqui referida, a cova, sem tecer referências ao sheol.

2.19 Todos os que se dirigem a essa mulher não voltarão. O autor dos Provérbios assumiu um ponto de vista muito pessimista do que acontece aos clientes da mulher, seus companheiros de adultério. Eles desaparecem para sempre. Não retornam às veredas da retidão. São apanhados nas teias desse tipo de vida. Fazem uma viagem só de ida para o mundo da prostituição. Desviam-se permanentemente das veredas da vida. As prostitutas anglo-saxônicas chamam seus companheiros de adultério de “Joãos”, pelo que os povos de língua inglesa têm um a declaração: “Uma vez João, sempre João” , que reflete a ideia deste versículo. Naturalmente, isso diz respeito a um tempo antes da AIDS. É seguro dizer que muitos Joãos abandonaram esse tipo de vida por tem erem a horrível doença. Portanto, o que a filosofia e a religião não conseguiram fazer, um a enfermidade conseguiu. Os que se dirigem. Estas palavras enfatizam que os homens seduzidos pela mulher seguem por certa vereda a fim de satisfazer o desejo dela por atos ilícitos. “... o contato sexual ilícito é a estrada de uma pista só para a destruição” (Charles Fritsch, in loc.). O autor hebreu falava sobre o adultério, e não sobre a poligamia, que continuava sendo muito praticada em seu tempo. Ver no Dicionário os verbetes intitulados Adultério e Prostituição.

Esta passagem tem sido espiritualiza da para falar em idolatria e apostasia, sob o título de adultério espiritual. E também tem sido cristianizada para falar daqueles que apostatam da fé cristã e terminam nas veredas da destruição.

O caminho é uma espécie de vereda para o cativeiro, com o o cativeiro babilônico do qual poucos judeus retornaram. Tanto a prostituta quanto seus parceiros sexuais entraram em um caminho de cativeiro espiritual do qual provavelmente não retornarão. A casa da prostituição torna-se uma cova na qual eles são sepultados.

2.20 Assim andarás pelo caminho dos homens de bem. O mestre apresentava suas admoestações e avisos para impedir que o jovem estudante escolhesse as veredas erradas, com seus temíveis resultados; ao mesmo tempo, oferecia as melhores veredas, que conduzem à vida, as veredas da retidão, isto é, o caminho para onde a lei guiava os judeus (ver Deu. 6.4 ss.). Este versículo nos leva de volta ao pensamento do vs. 11. É a discrição que preserva o homem bom de caminhos tortuosos e prejudiciais. 

Este versículo tem sido cristianizado para referir-se ao caminho cristão, pois Cristo é o Caminho (João 14.6).

Porque os retos habitarão a terra. O homem bom, que continua avan­çando pelo caminho da retidão, será recompensado por ter ocupado seu lugar legítimo na Terra, por ter sido um membro do pacto abraâmico (ver Gên. 15.18 e notas expositivas). Uma das muitas provisões desse pacto era a Terra Prometida, o território pátrio de Israel. Esse território foi dividido entre as tribo s, clãs e famílias de Israel. Mas o homem que morresse espiritualmente na casa da prostituição perderia sua parte no pacto com Deus e sofreria morte prematura. Mas os homens íntegros permanecerão na Terra e desfrutarão de vida próspera e benéfica, morrendo em idade avançada, livres das distrações dos vício s. Os vss. 21 e 22 retêm a antiga ideia dos hebreus de que as recompensas e punições são sofridas nesta vida terrena.

A vida que a lei mosaica prometia (ver Deu. 4.1; 5.33; 6.2; Eze. 26,36) foi interpretada no judaísmo posterior com o se fosse conferida no pós-vida, m as essa não foi a ideia original, conforme os vss. 21 e 22 mostram clara ­mente. No Pentateuco — os cinco primeiros livros da Bíblia, de autoria de Moisés — não há ameaça algum a de punição na outra vida, nem a promessa de recompensa para o além-túmulo. As doutrinas bíblicas passam por estágios de crescimento, e isso foi drasticamente verdadeiro no tocante ao sheol, à existência e à sobrevivência da alma, e às recompensas e punições depois da vida terrena.

Terra. “...a terra de Canaã, de acordo com a antiga promessa feita a Abraão, renovada no quinto m andamento e constantemente repetida nos profetas” (Ellicott, in loc.).

2.22 Mas os perversos serão eliminados da terra. Se um homem reto floresce como a palmeira à beira de um riacho, ou como os cedros do Líbano (ver Sal. 91.12), o ímpio será cortado e removido da terra antes do tempo determinado. Em outras palavras, o ímpio sofrerá morte prematura, o que representava um terror para a mente dos hebreus. Uma árvore, uma vez decepada, terá chegado ao seu fim. Poucas espécies de árvores conseguem crescer novamente, a partir das raízes. A figura simbólica torna-se tanto mais enfática quando observamos que o homem injusto será como uma árvore desarraigada da terra. Portanto, estamos avisados sobre os ímpios serem violentamente arrancados da terra, por meio de algum acidente, de alguma enfermidade, nas mãos de algum assassino, numa batalha de guerra etc. Tal é a sorte reservada para os rasha, cujo significado é obscuro, embora alguns digam que se trata da palavra que significa traidor ou transgressor. Esses são os indivíduos moralmente maus, em contraste com os que são moralmente bons e continuarão a possuir a Terra Prometida, vivendo nela por longos anos.

Toda planta que m eu Pai celestial não plantou, será arrancada.
(Mateus 15.13)

Contrastar este versículo com Sal. 1.6.