Provérbios 3 — Comentário Teológico

Provérbios 3

3.1-12 O autor sacro apresenta dezesseis discursos que ilustram as veredas da Sabedoria, nos capítulos 1-9. A gora chegam os ao quarto desses discursos. O quinto discurso m ostra o grande valor da sabedoria, vss. 13-20 deste m esmo capítulo. Além disso, o sexto discurso aparece nos vss. 21-35, enfatizando o valor da sabedoria na formação de bons relacionamentos com outras pessoas. Todos esses tem as são variações do ensino da lei. O autor sagrado adiciona suas ricas declarações e seus discursos bem arquitetados (os seus provérbios) para ilustrar a lei, m as não faz nenhum a reivindicação de suplantá-la. Ver Sal. 1.2 quanto a um sumário do que a lei supostamente significava para o povo de Israel.

O pai (mestre) prosseguia com seus ensinos ao filho (estudante). O jovem estava aprendendo os caminhos do bem e de Deus por meio de um professor particular, sendo esse um método eficaz de ensino, sem importar qual fosse a matéria ensinada. Os rabinos antigos ensinavam assim, ou então tinham suas escolas particulares com alguns poucos estudantes.

3.1 Filho meu, não te esqueças dos meus ensinos. Não estava falando o genitor literal do jovem (1.8), mas, sim, seu pai espiritual, o professor. Este continuava ensinando o seu “filho”, com muitas lições instrutivas e com a força de seu exemplo. Três coisas um pai deve a seu filho: exemplo; exemplo; exemplo. O teu coração. A fé espiritual deve proceder do coração, um tema que já tivemos ocasião de encontrar (ver Pro. 2.2,10). Os meus mandamentos. Ver Pro. 2.1. Está em vista todo o corpo de ensinos existente na literatura de sabedoria, mas a base desses ensinos é a lei de Moisés. Havia escolas de sabedoria que ensinavam o significado da lei mosaica por meio de declarações e discursos ricos e sábios.

“Nenhuma religião jamais reconheceu essa verdade mais claramente do que o judaísmo, com sua forte ênfase no ensino dos jovens concernente aos grandes fatos e verdades de sua história santa (ver Êxo. 12.26,27; Deu. 6)” (Charles Fritsch).
Dá o melhor para o teu Senhor;
Dá a Ele a força da tua juventude;
Lança o ardor incandescente de tua alma
Na batalha pela verdade.

(H. B. G.)
3.2 Porque eles aumentarão os teus dias. A vida boa conduz a muitas recompensas. Para começar, temos a promessa padrão para quem guardava a lei, longevidade e prosperidade. Ver Deu. 4.1; 5.33; 6.2 e Eze. 20,1. Originalmente, isso significa longa vida física na Terra Prometida (Pro. 2.21,22). Mas no judaísmo posterior essa promessa foi espiritualizada para indicar a vida da alma em algum lugar bom, no além-túmulo. Porém, ver isso neste terceiro capítulo do livro de Provérbios é um anacronismo. A vida longa seria uma vida de paz. Inimigos estrangeiros e domésticos, e inimigos do corpo (as enfermidades), seriam mantidos afastados do homem justo. O autor não entrou no agonizante problema das exceções, que são muitas e frequentes. Uma longa vida, associada a uma vida piedosa, é o tema constante do livro de Provérbios. Cf. Pro. 2.21; 3.16 e 4.10. Os cristãos apreciam muitíssimo essas promessas, mas elas são secundárias em relação à vida eterna. Contudo, a vida boa e longa, que aqui aparece, é um símbolo daquela vida vindoura melhor.

Portanto, meus amigos, tenhamos tanto o símbolo quanto a realidade simbolizada. O céu pode esperar. Há coisas urgentes que devem os fazer nesta vida. Que nos seja dado tempo para terminar a nossa missão, oh, Senhor!

Paz. No hebraico, shalom, a paz combinada com a ideia de inteireza, ou seja, tudo quanto perfaz uma vida longa e feliz, com muitas bênçãos e triunfos. Estão em vista a liberdade de qualquer perigo externo, bem com o a serenidade interior. “Uma vida devotada à bondade e à fidelidade é aqui recomendada, por causa das recompensas que essa vida nos traz. Não se espera que um homem observe os mandamentos da sabedoria em troca de nada... Uma vida longa e próspera é considerada aqui a consequência inevitável da vida correta” (Rolland W. Schloerb, in loc.).

“... saúde, vida longa e abundância” (Adam Clarke, in loc.), e não devemos perturbar nossa mente com exceções.” “...uma longa vida de utilidade e consolo é vista aqui, bem como a vida eterna na outra vida” (John Gill, in loc.). “... a vida dupla” (Fausset, in loc.).

3.3 Não te desamparem a benignidade e a fidelidade. A benignidade e a fidelidade são dois ornamentos especiais para quem quiser viver a vida caracterizada pela sabedoria. Esses ornamentos devem ser pendurados ao pescoço do indivíduo por ter vencido na corrida espiritual. São também como inscrições preciosas para o coração do homem bom. Yahweh é quem faz tal inscrição sobre o coração do homem e assim o identifica como pertencente a Ele. O homem bom vive em consonância com as inscrições feitas no seu interior, em sua alma. Essas qualidades identificam o tipo de homem que ele é. A Revised Standard Version diz aqui “lealdade” e “fidelidade” como os ornamentos e as inscrições especiais. A primeira dessas palavras corresponde ao hebraico hesedh, o amor constante que figura no livro de Salmos, tão frequentemente repetido aqui. Usualmente, ali refere-se ao amor que Yahweh dirige ao homem. E o homem bom dirige o seu amor a Yahweh. O homem bom é aquele que anda no caminho dos mandamentos (ver Pro. 2.1 e 3.1). A segunda dessas palavras hebraicas é ‘emeth, cuja raiz significa “confirmar", com um segundo sentido de “confiar”. Ellicott (in loc.) fala em fidelidade, referindo-se às promessas que Yahweh dá a Seus santos, bem como ao fato de que essas qualidades não podem falhar. A palavra é usada para apontar para Deus (ver Sal. 30.10) e para os homens (ver Isa. 59.14). “Esses são dois atributos especiais mediante os quais Deus é conhecido em Seu trato com os homens (ver Êxo. 34.6,7), e são qualidades que devem ser imitadas pelos homens (ver Mat. 5.48)” (Ellicott, in loc.).

Ata-as ao teu pescoço. Cf. Pro. 1.9. Escreve-as. Cf. Pro. 6.21 e 7.3. Ver Jer. 17,1 e II Cor. 3.3 Quanto à “tábua do coração”, ver Jer, 31.33. “A alusão, em ambas as frases, é às orientações dadas quanto à legislação mosaica (ver Deu. 6.8,9), bem como à inscrição da lei sobre as tábuas de pedra. Era usual que os antigos escrevessem sobre tabuinhas de madeira. Assim foram inscritas as leis de Sólon (Lacrt. Vit. Solon) e também as tabellae et pugillares dos romanos, A cera era usada com o mesmo propósito. Ver Hab. 1.2. Paulo, entretanto, queria que a sua lei fosse escrita nas tábuas de carne, do coração (II Cor. 3.3)” (John Gill, in loc.).

E acharás graça e boa com preensão diante de Deus e dos homens. Se o bom estudante cumprir os mandamentos e os ideais exarados no versículo anterior, então achará favor e boa reputação tanto aos olhos de Deus quanto aos olhos dos homens. Essa é a recompensa pela obediência, acima daquilo que já havia sido prometido no vs. 2. O homem bom, além de viver por longo tempo, obterá muitas recompensas por sua boa conduta, e conquistará boa reputação. Ele mesmo tomar-se-á um pai ou um mestre capaz de orientar a muitos discípulos. E os homens começarão a elogiá-lo como tinham feito a seu “pai” (vs. 1). Em vez de “reputação”, algumas traduções usam aqui “compreensão”, conforme se dá com a nossa versão portuguesa. Tal aluno tornar-se-á sábio como seu mestre. A palavra hebraica envolvida, sekhel, pode revestir-se desse significado (ver 1.3). E alguns estudiosos emendam essa palavra para o termo hebraico shem, “nome”, “reputação”, conforme fizeram Toy e Oesterley (in lo c.). Cf. Luc. 2.52. Ver também Sal. 111.10.

Confia no Senhor de todo o teu coração. Quanto à “confiança”, conforme ela aparece nas páginas do Antigo Testamento, ver Sal. 2.12. Essa confiança é em uma Pessoa e olha para longe do “próprio eu”. Em seu progresso, o jovem pode vir a confiar em si mesmo, orgulhando-se de suas realizações. O mestre, entretanto, adverte-o a “olhar para Yahweh” como a base de sua confiança. Sua vereda deve liderá-lo pelo caminho de cima, e não pelo caminho do seu interior.
Estou pressionando pelo caminho para cima,
Novas alturas obtenho a cada dia.
Continuo orando enquanto me dirijo para o alto:
Senhor, implanta meus pés em terreno mais elevado.

(Johnson Oatman, Jr.)
O ensino dos mandamentos tinha por propósito dar aos alunos bom siso (Pro. 1.4). Ao atingir certa medida de bom siso, o estudante poderia ficar inchado e começar a confiar em seus próprios poderes. Por isso o mestre o advertiu como segue: “Não te estribes no teu próprio entendimento”. O antídoto contra tal erro consiste em manter os olhos fixos em Yahweh, e não no “próprio eu”, dando a Ele crédito por qualquer progresso atingido, em vez de fazer do próprio “eu” um pequeno deus.

Quando o antigo rabino, Bar Kappara, foi indagado: “Qual é o texto sucinto do qual todos os princípios essenciais do judaísmo dependem?", ele replicou citando esta passagem do livro de Provérbios, especialmente o vs. 6 (Israel Goldstein, Toward a Solution).

A Religião do Coração. O mestre faz da verdadeira vida espiritual uma questão do coração. Cf. Pro. 2.2 (o coração precisa dedicar-se à sabedoria); Pro. 2.10 (a sabedoria deve penetrar no coração); Pro. 3.1 (os mandamentos precisam ser guardados no coração). Portanto, aqui, a confiança deve ser a confiança do coração, do homem interior, da alma, da pessoa essencial, e não de algum fragmento. O indivíduo precisa evitar um coração dúplice, pois, do contrário, sua fé será debilitada, se não m esmo destruída.

Homem de ânimo dobre,
inconstante em todos os seus caminhos.
(Tiago 1.8)

3.6 Reconhece-o em todos os teus caminhos. Há um caminho a ser escolhido, e esse caminho pode ser bom ou mau. Se o indivíduo tiver escolhido o bom caminho, deverá reconhecer Deus a cada passo que der. “A ênfase recai sobre a palavra todos. Deus requer obediência e rendição absoluta em todas as dimensões da vida, antes que possa dirigir-nos eficazmente em Suas veredas” (Charles Fritsch, in loc.). Deus não é uma das opções na escola da vida. Ele é o currículo inteiro. Tenha-O sempre defronte de Seus olhos (ver Sal. 139.2). Foi Ele quem nos criou, e não nós que criam os a nós mesmos (ver Sal. 100.3). “Começa, continua e termina cada obra, propósito e artifício com Deus. Ora intensamente pedindo a Sua orientação. Busca Seu apoio contínuo e entrega a Ele cada progressão... A verdadeira fé consiste em considerar Deus a fonte de todo o bem, e de esperar da parte Dele todo o bem” (Adam Clark, in loc.).

Com efeito, os teus testemunhos são o m eu prazer,
são os meus conselheiros.
(Salmo 119.24)

O homem não pode dirigir os próprios passos, pelo menos não um homem bom. A orientação é uma bênção do Senhor para o homem que busca sabedoria. Deus é quem dá as ordens de marcha. Ele ordena os passos e guarda os pés dos santos. Ele os dirige corretamente nas questões temporais e eternas. Cf. Jer. 10.23; Sal. 37.23 e I Sam. 2.9.

Não sejas sábio aos teus próprios olhos. Um homem verdadeiramente humilde receberá a sabedoria como parte de seu desenvolvimento espiritual, porquanto a fonte originária dessa sabedoria é divina. Cf. Rom. 12.16. Reaparece, uma vez mais, o lema do livro de Provérbios; “Teme ao Senhor” . Ver sobre isso em Pro. 1.7 e Sal. 119.38. Uma ideia paralela ao temor do Senhor e, de fato, parte daquela espiritualidade em geral é afastar-se do mal. Cf. Jó 28.28. “Jovens que adquirem a sabedoria precisam relembrar que eles não se tornaram sábios por si mesmos. A sabedoria desce de Deus (ver Pro. 2.6)” (Sid S. Buzzell, in loc.). Cf. este versículo com Isa. 5.21; contrastar com Sal. 131.11; I Cor. 8.1,2; Gál. 6.3; I Cor. 3.18. Ver a admoestação de Rom. 11.20. Mediante o temor de Deus, os homens afastam-se do mal (ver Pro. 16.6). Cf. Jó 1.1 e Nee. 5.15.

Será isto saúde para o teu corpo. Uma das recompensas para os que buscam a sabedoria de Deus e O temem é a saúde física. Sabemos que os estados mentais e espirituais influenciam o corpo físico para o bem ou para o mal. A medicina psicossomática está produzindo alguns resultados surpreendentes. Por outra parte, existem exceções que o texto não menciona para não perturbar essa tese geral. A paz mental e o bom ânimo são definitivamente importantes para a boa saúde.

Corpo. No hebraico, literalmente, temos uma palavra que significa umbigo. A alusão é ao fato de que o feto recebe a nutrição, da parte de sua mãe, por meio do umbigo. Além disso, o umbigo é o centro do corpo, pois dali a nutrição se espalha para o corpo inteiro. O oráculo de Delfos fazia aquele lugar ser chamado de “umbigo da terra”. Mas os tradutores da Septuaginta não gostavam dessa metáfora, e assim substituíram a palavra pelo termo grego que significa corpo. Outras traduções seguiram essa modificação, e assim perdeu-se a força da figura simbólica. Uma vida correta traz saúde para o centro do corpo e faz a saúde difundir-se a partir daquele ponto. Cf. Pro. 4.22. Deixamos de mencionar aqueles santos que vivem vidas doentias, mas que se apegam a essa regra em geral. Poderíamos espiritualizar a referência para falar da saúde espiritual que Deus confere aos que seguem a sabedoria.

Os teus ossos. Com frequência, a palavra “ossos” é usada para falar do corpo inteiro, porquanto o esqueleto forma o arcabouço em torno do qual fica unida a totalidade do corpo. Quanto a essa figura, ver as notas expositivas sobre Sal. 102.3. Os antigos não tinham consciência de que os glóbulos vermelhos do sangue são formados na medula dos ossos, mas sabiam que dentro dos ossos longos do corpo há certa umidade, pelo que também o hebraico literal aqui é aguagem. Eles sabiam que, de alguma maneira, a saúde dos ossos depende dessa umidade, e a saúde do corpo depende da saúde dos ossos. Isso era conhecimento suficiente para dar-lhes a figura simbólica deste versículo. A sequidão significaria a morte, pelo que ossos secos são um sinônimo de morte (ver Eze. 37.4).

O coração alegre é bom remédio, m as o espírito abatido seca
os ossos.
(Provérbios 17.22)

“A saúde está nos ossos da pessoa, o que é mencionado por diversas vezes no livro de Provérbios (3.8; 12.4; 14.30; 15.30; 16.24 e 17.22). Isso sugere, conforme é um fato bem conhecido hoje em dia, que a saúde espiritual e a saúde física estão intimamente relacionadas” (Sid S. Buzzell, in loc.).

3.9, 10 Honra ao Senhor com os teus bens. Deixando para trás as considerações sobre o que ajuda a boa saúde, de súbito são oferecidos dois versículos sobre o uso correto das riquezas. Se um homem honra ao Senhor cumprindo as leis concernentes aos dízimos, às ofertas, à ajuda aos pobres, coisas requeridas pela lei, então esse homem pode esperar corretamente ter bênçãos materiais e prosperar. É dando que recebemos. Essa é uma lei espiritual que opera o tempo todo. Os que experimentam esse método descobrem que ele é funcional. “Essa é uma lei espiritual que homens tementes a Deus têm descoberto ser válida em todas as épocas” (Charles Fritsch, in loc.). É um aspecto da Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura (ver a respeito no Dicionário). Os judeus piedosos traziam as primícias de suas plantações ao templo de Jerusalém, para serem usadas pelos sacerdotes e pelos levitas como forma de exprimir sua gratidão a Yahweh, que lhes dera boa colheita (Deu. 26.1-3,9-11). A recompensa antecipada para quem cuidasse das realidades espirituais era ter celeiros cheios de grãos e armazéns repletos de bons vinhos.

Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e
todas estas coisas vos serão acrescentadas.
(Mateus 6.33)

Cf. Mal. 3.9-12, onde são feitas promessas semelhantes aos que pagassem os dízimos. Ver também Ageu 1.6,9,13; 2.15-19 e I Reis 17.10-16.

Transbordarão de vinho os teus lagares. Um lagar era um dispositivo simples que consistia em duas parles. Na parte superior havia a prensa (no hebraico, gath), onde eram pisadas as uvas. E na parte inferior (no hebraico, yeqebh) se recolhia o suco. Portanto, o homem que dá, terá grande abundância de uvas para pisar, e assim poderá recolher imensa quantidade de suco de uva.

O serviço que prestam os a outras pessoas é, realmente, o
aluguel que pagam os pelo nosso espaço nesta terra. Um
homem é um viajante, pelo que ter e manter não é o lema da
vida. Pelo contrário, esse lema é dar e servir. Não há outro
significado para a vida.
(Sir Wilfred Grenfell)

3.11 Filho meu, não rejeites a disciplinado Senhor. O autor agora salta para outro provérbio desconexo. Ele vê o valor do castigo e da disciplina. Existe mais uma bênção da sabedoria. Talvez tenha havido pecado. Então é necessária alguma espécie de medida corretiva. Platão dizia que a pior coisa que pode acontecer a um homem é praticar um erro e não pagar por ele. O pensador raciocinou que a alma de um homem se corrompe quando ele age perversamente e não paga por isso. Ou, talvez, o homem bom precise de alguma espécie de disciplina para aumentar a intensidade de sua inquirição espiritual. Talvez ele não esteja pondo em primeiro lugar as coisas primárias. Algum teste poderia rearranjar suas perspectivas. A figura pessoal por trás dessa declaração é Deus como Pai, a única ocorrência dessa figura simbólica no livro. Um filho bom acaba cansando de tanto receber correções, mas será aprimorado por elas. Naturalmente, existem pais, especialmente mães, que impõem muitas regras e desgastam os filhos com tantas ordens. Isso não deve ser equiparado a uma boa disciplina.

Jó era um homem inocente, mas sofreu fisicamente. Os atormentadores só podiam ver nas suas experiências uma operação da lei da colheita conforme a semeadura. E assim continuavam falando sobre isso adnauseum. Seu sofrimento era uma disciplina, não uma punição, e, naturalmente, existem enigmas no sofrimento. Mas nem tudo se resume em punição ou em disciplina. Ver no Dicionário o artigo chamado Problema do Mal: por que os homens sofrem e por que sofrem da maneira com o sofrem? Este mundo também é controlado pelo caos. Há sofrimentos sem nenhuma razão, sem nenhum propósito, e precisamos orar a respeito todos os dias. O autor sacro, neste ponto, naturalmente não levou isso em conta.

Ele estava considerando somente a dor ligada a algum propósito. É um notável dom que um professor pode dar a seus alunos, ou que um pai pode dar a seus filhos, quando esse professor ou esse pai pode ser forte o bastante para sofrer dor e não revoltar-se contra Deus. Foi por isso que o mestre convidou seu filho na fé a não desprezar a disciplina do Senhor. Cf. Jó 5.17. Um homem não deve rejeitar nem menosprezar as medidas disciplinadoras de Deus em sua vida.

3.12 Porque o Senhor repreende a quem ama. Aprendemos aqui que a disciplina é o golpe do amor do Pai celestial. E também que esses golpes ocorrem porque o Pai se deleita em Seu filho. Isso significa que essas situações ocorrem para curar e aprimorar, e não para destruir. O julgamento divino é um dedo da amorosa mão de Deus, sem importar se a pessoa julgada é crente ou incrédula. O juízo divino, pois, é uma disciplina amorosa cuja finalidade é curar e aprimorar o indivíduo. O julgamento divino é restaurador, e não meramente retributivo. Orígenes advertiu-nos a não escorregar para a teologia inferior que ensina que o julgamento divino é somente retributivo. Os vss. 11 e 12 foram escritos para mostrar-nos que as pessoas boas são submetidas a teste, mas esses testes têm um bom propósito, pois neles se manifesta a graça divina.

Os que com lágrimas semeiam, com júbilo ceifarão.
(Salmo 126.5)

Este versículo foi citado em Heb. 12.5,6, e, assim sendo, o Novo Testamento usou-o como algo que pode ser dito quanto ao porquê dos sofrimentos. Existem outras respostas, e a melhor delas é a existência e a sobrevivência da alma.

Contudo, mesmo essa doutrina não nos explica por que os homens bons sofrem nesta vida, nem por que sofrem como sofrem, em muitos casos.

Quinto Discurso: O Alto Valor da Sabedoria (3.13-20)

Tem os aqui o quinto dos dezesseis discursos sobre a sabedoria, que ocupam o trecho de Pro. 1.8-9.18.

3.13 Feliz o homem que acha sabedoria. Esta bem-aventurança é igual ao trecho de Pro. 1.2, onde foi declarado o objetivo para o qual foi escrito este livro bíblico, a saber, transmitir sabedoria e entendimento. Ver Pro. 1.2 quanto aos significados desses conceitos. Pro. 2.2 repete as duas qualidades que o homem bom deve buscar. Quanto aos provérbios de bem-aventurança, ver, além do presente versículo, Pro. 3.18; 14.21; 16.20; 28.14 e 29.18. A última dessas referências pronuncia uma bênção sobre o homem que guarda a lei mosaica, a base de toda a felicidade nos termos do Antigo Testamento. Esse é o summum bonum do homem espiritual do Antigo Testamento, e a sabedoria é a essência desse bem supremo. A sabedoria traz a felicidade. Distinguir entre o bem e o mal, com a busca resultante por Deus, é a compreensão. Essa é uma aplicação da sabedoria, que produz o feliz estado de que o autor falava. A com preensão mantém o homem na vereda certa, livre de pecados destruidores que produzem o caos na vida, e leva o crente a atingir as bênçãos espirituais que tornam a vida produtiva e feliz. O Targum diz que a com preensão de um homem deriva-se como uma fonte de água a jorrar da terra, que Gersom pensa ser o coração do homem.

3.14 Porque melhor é o lucro que ela dá do que o da prata. A sabedoria e a compreensão produzem um tesouro precioso, ou seja, um ganho. Todo lucro terreno, como aquele do ouro e da prata, dificilmente pode comparar-se ao valor daquelas qualidades espirituais que tornam os homens espiritualmente ricos e, portanto, felizes. Os homens engajam-se na mineração e no comércio para adquirir um ganho terreno, e agem assim porque pensam que podem obter a felicidade.

Mas o indivíduo verdadeiramente feliz é aquele que escava a mina espiritual e faz negócios com qualidades espirituais. O autor sagrado não tinha ambições materiais. Ele investira todos os valores de sua vida no terreno espiritual. Cf. este versículo com Pro. 2.4, onde encontramos a metáfora da prata e também a metáfora dos tesouros escondidos, que um homem bom vive buscando. As notas expositivas ali ilustram o presente texto. Encontramos algo similar em Pro. 8.10,11,19, onde os simbolismos são formados pelo ouro, pela prata e pelas joias. O vs. 15, a seguir, também usa a metáfora das pérolas.

3.15 Mais preciosa é do que pérolas. “Pérolas” , aqui, no hebraico é peninim, cuja tradução exata é incerta. Algumas versões dizem “pérolas”; mas outras preferem a tradução “rubis”, e outras ainda “pedras preciosas”. Lam. 4.7 subentende que a cor dessas pedras é o vermelho, pelo que o “coral” pode estar em foco. Cf. com outros usos da palavra, em Pro. 8.11; 20.15 e 31.10. É provável que esta palavra hebraica fosse usada para referir-se a vários tipos de pedras, o que talvez justifique a confusão. Não devem os esperar que os hebreus se mostrassem mais precisos em sua terminologia sobre mineralogia do que em seu vocabulário zooló­gico. A identificação da pedra ou das pedras preciosas é incerta, mas o sentido espiritual é claro. O mestre era um caçador de tesouros e um minerador; em sua inquirição ele entrava na terra e no mar. E o que ele buscava, achou: a sabedoria.

Várias coisas felizes que a sabedoria traz são listadas nos versículos que se seguem. A raiz da palavra em questão é panah, que significa “olhar”. Uma pedra preciosa, belamente burilada, reflete a luz de diversas maneiras, exibindo muitas cores e mostrando-se muito agradável ao olhar humano. Apresenta muitas facetas, e outro tanto acontece com a sabedoria e a compreensão. Os versículos que se seguem falam de algumas dessas facetas rebrilhantes.

Sabedoria Divina
Quem pode dizer o preço das caras mercadorias
da Sabedoria?
A sabedoria é a prata que preferimos,
E o ouro é como a escória, comparada com eia.
Seus dias são cheios com a duração dos dias,
As verdadeiras riquezas são louvores imortais;
As riquezas de Cristo, conferidas a todos,
Uma honra que desce de Deus.
(Charles Wesley)

Cf. com o tesouro escondido no campo (ver Mat. 13.44) e com a pérola de grande preço (ver Mat. 13.46).

3.16 O alongar-se da vida está na sua mão direita. Uma das facetas brilhantes da pedra preciosa da sabedoria de Deus está na promessa de uma vida longa, próspera e honrada. Naturalmente, essa é uma das promessas constantes da lei. Ver Deu. 4.1; 5.33; 6.2; Eze. 20.1, O judaísmo posterior e o cristianismo ampliaram essas noções para que se transformassem na vida eterna, a vida da alma em outra esfera, o pós-vida, e essas são aplicações do texto à nossa frente, e não interpretações. Mas a ideia mais antiga dos hebreus, que continuava a resplandecer no livro de Provérbios, é uma vida física plena, abençoada e próspera. Os hebreus, em seu coração, posto que talvez não em sua teologia, acreditavam na vida eterna, e era por isso que se sentiam felizes.

Uma longa vida está na mão direita da Sabedoria, a mão de poder e proteção, e a Sabedoria estende essa mão para nós, como se fosse uma pedra preciosa, para a nossa possessão. Ver sobre a mão de Deus, em Sal. 81.14, e sobre a mão direita, em Sal. 20.6. A mão direita, a mais forte das duas mãos, oferece-nos o maior dos tesouros. Na mão esquerda da Sabedoria existem pedras preciosas menores, mas que ainda assim são pedras muito preciosas, a saber, riquezas e honras para acompanhar uma vida longa. A honra deve incluir aquilo que o homem bom recebe por ser sábio e por viver uma vida boa, e não consiste meramente naquilo que o indivíduo recebe por causa de seu dinheiro e poder. “Suas mãos estão cheias dos benefícios mais escolhidos” (Adam Clarke, in loc.). Quanto à honra, cf. Pro. 4.8; 8.18; 21.21 e 22.4.

3.17 Os seus caminhos são caminhos deliciosos. Outra das rebrilhantes facetas da pedra preciosa da sabedoria de Deus, que brilham sobre nós, é o caminho delicioso e as veredas da paz. Cf. Pro. 2.10 e 3.2, que também mencionam a delícia e a paz, ambas benefícios da sabedoria. “Essas bênçãos da verdadeira religião requerem pouco comentário” (Adam Clarke, in loc.).

À s mais puras alegras ela a todos convida,
À s delicias castas, santas e espirituais.
Seus caminhos são os caminhos agradáveis.
Bênçãos da raça escolhida,
Sabedoria proveniente do alto;
A fé que opera docemente por meio do amor.
(Charles Wesley)

Cf. isso com a paz que Cristo promete, em Fil. 4.7.

“Uma vida longa, sem essas qualidades, seria uma maldição, e não uma bênção” (Sid S. Buzzell, in loc.).

3.18 É árvore de vida para os que a alcançam. Outra das facetas brilhantes que a pedra preciosa da sabedoria de Deus faz brilhar sobre nós é a árvore de vida. Homens sábios apegam-se à árvore de vida e, assim, sentem-se felizes. Em um sentido poético, isso reitera o vs. 16. As notas ali dadas aplicam-se também aqui.

No jardim, Adão e Eva foram proibidos de comer do fruto da árvore da vida, e foram expulsos dali para que não obtivessem uma vida física imorredoura. A sabedoria, em contraste, traz essa árvore para perto dos que a buscam. Em termos não-poéticos, a sabedoria aparece, declaradamente, como a fonte da vida e da felicidade. A árvore da vida reaparece no livro de Provérbios em 11.30; 13.12 e 15.4. Ver sobre a árvore da vida em Gên. 2.9; 3.22,24; Apo 2.7 e 22.2, além de uma alusão à mesma árvore em Eze. 47.12. 

Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida.
(João 14.6)

O quinto discurso, dentre os dezesseis que falam da sabedoria, em Pro. 1.8-9.18, é um provérbio. Portanto, aqui, antes do fim, som os lembrados disso com outra bem-aventurança. O homem que obtém a árvore da vida é feliz, pois ao achar a sabedoria (vs. 13) também acha vida longa e próspera.

3.19 O Senhor com sabedoria fundou a terra. Neste ponto, a sabedoria assumiu o sentido de Inteligência divina, transcendendo suas relações com a lei por ser o atributo divino mediante o qual a própria criação veio à existência. Aqui a sabedoria não foi personificada, mas tomou posição subordinada como um atributo de Yahweh. A mesma Inteligência que dirige todas as coisas na terra, incluindo a conduta do homem bom, é a inteligência que tornou possível a criação. “A Glória de Deus é a Inteligência” (Joseph Smith). “A habilidade mediante a qual Deus estabeleceu a terra. Os verbos usados neste versículo revelam a natureza da cosmogonia dos hebreus: a terra repousa sobre um alicerce, e por cima dela está o firmamento” (Charles Fritsch, in loc.). Pro. 8.22-26 é uma declaração mais completa de como a sabedoria esteve envolvida na criação. A doutrina da sabedoria na criação antecipa o Verbo de Deus (ver João 1.1). Cf. Sal. 104.24 e 136.5. “Um novo avanço na direção da personalidade do Criador se faz em Pro. 8.27 ss.” (Ellicott, in loc.). “Foi mediante a sabedoria, como um de Seus atributos divinos, que Deus fundou a terra e os céus” (Cornelius a Lapide).

3.20 Pelo seu conhecimento os abismos se rompem. A sabedoria é aqui chamada de conhecimento, e a capacidade de tudo conhecer de Deus, adequada para tão estupenda obra como foi a criação, é aqui atribuída ao escopo ilimitado e aos poderes desse conhecimento. Para Deus, “conhecer” equivale à capacidade de “fazer”, pelo que insuflam os a Sua onipotência na questão com a palavra “conhecimento” usada aqui. Portanto, tanto a onisciência quanto a onipotência de Deus operam para realizar tão tremendo empreendimento. Ver sobre esses dois termos no Dicionário, bem como o artigo geral denominado Atributos de Deus.

Os abismos se rompem. Temos aqui uma referência a Gên. 7.11. As águas subterrâneas foram liberadas por ocasião do dilúvio. E a terra foi concebida como se repousasse sobre um grande mar de águas, como seu alicerce. Ver a ilustra­ção no artigo chamado Astronomia, no Dicionário. Ver Êxo. 20.4. E as nuvens d estilam orvalho. As águas necessárias são concedidas, e sem elas qualquer criação fracassaria. A referência poderia ser à chuva, ou então ao orvalho que se forma na atmosfera úmida. “Nos países do Oriente Próximo e Médio, o orvalho é a mais preciosa bênção para a vegetação, na ausência da chuva” (Fausset, in loc.). À criação são conferidas provisões sustentadoras. Cf. Deu. 33.28 e Jó 26.28. Ver também Gên. 27.28.

Sexto Discurso: O Alto Valor da Sabedoria na Edificação de Relações com o Próximo (3.21-35)

Este é o sexto dentre os dezesseis discursos que se acham no livro de Provérbios, ocupando o trecho de Pro. 1.8-9.18.

3.21 Filho meu, não se apartem estas cousas dos teus olhos. O pai espiritual (o mestre) novamente dirige-se a seu filho espiritual (aluno), exortando-o a abra­çar as virtudes espirituais, que se revestem de grande valor. Ele os adverte sobre o perigo de, depois de ter começado bem, terminar mal, afastando-se do bom siso. Quanto a essa qualidade, ver Pro. 1.4. Essa é uma subcategoria da sabedoria sã (ver sobre Pro. 2.7). A coletânea de declarações sábias (ver os vss. 21-35) ajuda o aluno a obter detalhes sobre o que se espera dele, no exercício das principais virtudes. Essas declarações também mencionam vários benefícios que um bom andarilho pode esperar encontrar ao longo da vereda da retidão. Deus, o Autor da natureza, é, igualmente, Aquele que a dirige, incluindo os homens que palmilham pela vereda espiritual. Assim com o a natureza não determina a si mesma, outro tanto acontece ao homem. “Reconhecer Deus como o Autor de todo o bem é a essência do credo do homem piedoso” (Adam Clarke, in loc.). A versão da Vulgata Latina exorta os homens a guardar a lei, a fonte da sabedoria.

Este versículo tem sido cristianizado para falar sobre as doutrinas do evangelho que devem ser observadas no andar cristão. “Confia e obedece, pois não há outra maneira de alguém ser feliz em Jesus” (J. H. Sammis).

3.22 Porque serão vida para a tua alma. Este versículo é virtualmente igual a Pro. 1.9. A sabedoria é a fonte originária da vida e da graciosidade. O tema da vida dada pela sabedoria é referida nos vss. 16 e 18, sob figuras poéticas. Consideremos, quanto a isso, os seguintes pontos:

1. Uma longa vida é proporcionada.
2. Essa vida é ornamentada, uma vida graciosa e agradável, ou, em outras palavras, uma boa vida, material e espiritualmente falando.

Esta passagem lista vários benefícios da vida conduzida pela sabedoria, e aqui temos dois desses benefícios. O versículo tem sido cristianizado para falar sobre Jesus Cristo como o ornamento da vida do crente. Além disso, tem sido espiritualizado para fazer da lei o ornamento que um homem usa enquanto vive entre os outros homens. Ver as notas expositivas sobre Pro. 4.9, que embelezam as afirmações aqui encontradas.

3.23 Então andarás seguro no teu caminho. Consideremos aqui um terceiro ponto:

3. O andar seguro é o terceiro benefício dado à alma do crente. Os dias do autor do livro de Provérbios eram brutais, em que estava sempre em questão a simples sobrevivência, por causa de invasores; e havia períodos em que uma onda de crimes tomava conta de tudo. Então os perigos afloravam de dentro do indivíduo. A sabedoria, pois, fornecia liberdade do temor, porquanto um homem bom tinha garantia razoável de que viveria em segurança. Os três versículos que se seguem desenvolvem esse tema. Os perigos do caminho seriam algo que feriria os pés dos que por ali caminhavam. Mas bater o pé contra alguma coisa podia significar uma calamidade repentina (vs. 25).

É uma doutrina padronizada do Antigo Testamento que os homens bons são protegidos, obtêm vida longa e prosperidade. O autor sagrado não nos lembrou das exceções, que nos chocam e desanimam, quando os homens sofrem desastres, aparentemente sem razão alguma. Ver no Dicionário o verbete intitulado Problema do Mal. Por que os homens sofrem, e por que sofrem com o sofrem? Eles sofrem por causa do mal moral, ou seja, os atos perversos dos homens contra seus semelhantes. E também sofrem por causa do mal natural, que são os abusos da natureza, como os acidentes, as inunda­ções, os incêndios, os terrem otos, as enfermidades, e o campeão dos males naturais — a morte.

Poderíamos listar o não tropeçar como quarto benefício, mas esse, na realidade, é um desenvolvimento da ideia do andar seguro e da liberdade do medo. Oh, Senhor, concede-nos tal graça! Cf. Sal. 37.24; 91.11 e Pro. 10.9 quanto a versículos semelhantes.

3.24 Quando te deitares, não temerás. Os vss. 24-26 ampliam a ideia da vereda segura, a qual o homem bom recebe como recompensa da parte da sabedoria. Ver os comentários sobre o vs. 23, que introduz o assunto. A noite é um tempo para ser temido. É então que ocorrem ataques súbitos da parte de homens ímpios e desarrazoados; existem enfermidades e pragas que parecem piores à noite.

Além disso, um homem deitado em seu leito torna-se mais vulnerável diante de qualquer perigo do que quando está acordado e movimentando-se para cá e para lá. Quando um homem bom deita-se para dormir, tem um sono doce e refrescante, em contraste com o homem ruim, que muito tem a temer, porquanto possui muitos inimigos, incluindo o Ser divino.

Deitares... deitar-te-ás... Note o leitor o duplo ato de deitar-se. Esse é o texto hebraico que alguns emendam para sentar-se e deitar-se, a fim de seguir Deu. 6.7. Porém, não há motivo algum que nos force a alterar o texto. O homem que segue os ditames da sabedoria pode deitar-se sem temor, e assim desfrutar um sono bom e reparador. A versão da Septuaginta apresenta as emendas que têm sido seguidas por diversas traduções. Cf. este versículo com Deu. 33.28 e Jó 36.28.

“Quer em movimento, quer descansando, negociando ou no lazer, de dia ou de noite, tudo correrá bem contigo, ou pelo menos, finalmente, tudo correrá bem (ver Rom. 8.28)” (Fausset, in loc.).

3.25 Não tem as o pavor repentino. Este versículo continua a falar sobre o benefício da segurança que a sabedoria dá ao homem bom. Ele não temerá o pânico súbito, acontecimentos negativos inesperados, o ataque de pecadores, enfermidades, desastres naturais como terremotos ou alguma tempestade terrível. Os ímpios, em contraste, sofrerão ruínas, porque o merecem. Ver no Dicionário o artigo denominado Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura. Porém, o homem que segue os ditames da sabedoria não sofrerá calamidades como sucede no caso dos ímpios.

Os rasha, palavra comum no livro de Provérbios, são contrastados com os çaddiq, os justos. A providência divina saberá distinguir as duas classes de homens, conferindo segurança aos bons, mas deixando vir o desastre para os ruins, em consonância com seu modo de proceder. Cf. este versículo com Sal. 91.5 e 112.7.

3.26 Porque o Senhor será a tua segurança. O homem sábio colige benefícios por seguir a vereda provida pela sabedoria. Encontramos declarações similares na obra Ensino de Amen-em-Ope (ver na introdução do livro, IX. Problemas Especiais, B):

Sê corajoso diante de outras pessoas,
Pois o indivíduo está seguro nas mãos de Deus.

O Senhor será a tua segurança. A Septuaginta acrescenta aqui “em todas as tuas veredas”, emendando o texto. Não há, contudo, necessidade de emendar o hebraico. O sentido é perfeitamente claro. Yahweh torna-se a segurança do crente, durante o dia, à noite, em qualquer provação, impedindo problemas.

Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem
cuidado de nós.
(I Pedro 5.7)

Guardará os teus pés de serem presos. A figura simbólica evidente é a do caçador, que lança laços e armadilhas para a presa, e os pobres animais caem diante de sua ganância e são morto s. “...nas armadilhas de Satanás, a carne e o mundo, e os opressores (Eclesiastes 7.26)” (Fausset, in loc.). Cf. este versículo com Jó 8.14 e 31.24.

A noite é escura e estou distante de casa,
Continua a liderar-me.
Guarda os meus pés, não te estou pedindo para ver
a cena distante; basta um passo p o r vez para mim.
(John Henry Newman)

3.27 Não te furtes a fazer o bem a quem de direito. O autor parte agora para novos pensamentos, embora continuasse a ilustrar o elevado valor da sabedoria na edificação de relacionamentos pessoais (vss. 21-35). Ele trata agora, especificamente, das boas obras que devem caracterizar o homem instruído pela sabedoria. Os vss. 27-31 contêm cinco máximas sobre com o devem os relacionar-nos da melhor maneira possível com os nossos semelhantes. Todas elas começam com uma negativa, coisas que não devem ser feitas. Os sábios têm certos deveres óbvios. “A sabedoria requer honestidade sem compromissos e justiça nos relacionamentos humanos. Ela não pode tolerar a retenção de ganhos ou de honras legítimos, ou conflitos desnecessários e contendas. A maldição do Senhor está sobre aqueles que, por causa de ganância, malícia ou inveja maliciosa, usam de seus semelhantes com desprezo” (Charles Fritsch, in loc.).

Então os vss. 32-35 contêm outras quatro máximas, declaradas em sentido positivo e com observações contrárias umas às outras, o que provê contraste com as declarações positivas.

Cinco Máximas Negativas:

1. A Primeira Máxima. O termo bem, aqui, é indefinido e geral. O relacionamento entre empregador e empregado é um bom exemplo do que pode estar em mira. Se um homem trabalha, merece receber o dinheiro correspondente ao que ele fez. Seu pagamento não deve ser adiado. Pelo contrário, o trabalhador precisa receber seu salário prontamente. Talvez a questão não seja dinheiro, mas algo que mereça um tratamento diferenciado. Dó homem bom espera-se que faça todo o bem que puder para adquirir merecimento, quando está em seu poder fazer tal coisa. Também devem os relembrar que o bem é devido ao pobre, sem importar se ele fez ou não algum bem a nós. Ajudar os pobres é uma obrigação imposta pela lei. Em comparação com Deus, somos todos pobres, e Ele continua a doar-nos coisas. Devemos seguir o bom exemplo deixado pelo Senhor.

Quanto a tratar com justiça um trabalhador contratado, ver Lev. 19.13 e Deu. 24.15. Quanto à obrigação de tratar os pobres com gentileza, ver Êxo. 22.25; 23.3,6,11; Lev. 19.10; Deu. 24.12,14,15. Provavelmente está também envolvido aqui o pagamento de dívidas. Somos despenseiros da multiforme graça de Deus (ver I Ped. 4.10).

3.28 Não digas ao teu próximo: Vai, e volta amanhã.

2. A Segunda Máxima, que é negativa, reforça o versículo anterior, e aponta ou para o pagamento de salários, ou para a doação a necessitados. Se alguém vier em busca de alimentos, ou requerendo um empréstimo, e você quiser doar-lhe alguma coisa, não peça que ele volte no dia seguinte, pois nesse adiamento o coração dele adoecerá. Se ele fez algum trabalho pára você, pague-lhe dentro de pouco tempo, porquanto ele tem necessidades, tal e qual você as tem. “Paga prontamente, quer no salário quer na ajuda em geral”. (Charles Fritsch, in loc.). Há uma excelente declaração que afirma: “Aquele que paga prontamente, paga em dobro” (Publius Syrus). Eclesiástico 4.3 e Tia. 2.16 ligam essa ideia com a noção de doar aos pobres.

A esperança que se adia faz adoecer o coração, mas o desejo
cumprido é árvore de vida.
(Provérbios 13.12)

“O bom samaritano agiu rapidamente, dando a seu ‘próximo’ aquilo de que ele necessitava (ver Luc. 10.29,36). Os gregos tinham um adágio que dizia: “Um favor em ritmo lento é um favor sem graça alguma!” Sêneca (Benef. 1.2) disse: ‘É um benefício sem agradecimento aquele que, por muito tempo, ficou na mão do doador'. Não despeças teu vizinho necessitado com palavras bonitas, e muito menos ainda com palavras desprezíveis (Tia. 2.15,16)” (Fausset, in loc.).

“Aqueles que adiam sua beneficência até morrerem são como os porcos que só têm utilidade quando chegam ao matadouro” (T. Cartwright). Cf. este versículo com Lev. 19.13 e Deu. 24.15.

3.29 Não maquines o mal contra o teu próximo.

3. A Terceira Máxima, negativa, é o mandamento contra a opressão de um vizinho que habita perto de você confiadamente (Revised Standard Version). Ele não espera qualquer mal de sua parte, e você não deveria chocá-lo com algum feito mau cuja finalidade é ferir. Não se reúna a nenhum plano ousado
contra ele, que outros estejam planejando. Não seja como um “até tu, Bruto”.

Maquines. No hebraico, harash, palavra que primariamente significa “gravar” , “arar”, e figuradamente assume o sentido de “planejar” , usualmente com mau sentido. O autor sagrado proíbe a malevolência contra o próximo e, naturalmente, por extensão, contra qualquer outra pessoa.

“Não planejes nem formes esquemas em tua mente e em teus pensamentos para fazer contra o próximo qualquer injúria, contra o seu nome e caráter, ou contra a sua pessoa, propriedade ou família. Um homem bom pode planejar o bem para os seus semelhantes, mas nunca deve planejar o mal contra ninguém” (John Gill, in loc).

3.30 Jamais pleiteies com alguém sem razão.

4. A Quarta Máxima, negativa, é contra disputas e contendas insensatas. Meus amigos, este é um ótimo versículo para usar contra os fundamentalistas! O curso do liberalismo é o ceticismo. O curso do fundamentalismo é a contenda e as intermináveis divisões contra qualquer razão, ou mesmo contra toda razão. Encontramos aqui uma advertência contra as contenções sem fundamento. O hebraico correspondente é ribh, termo comum que indica “litígio”, embora o sentido da palavra aqui seja geral. O autor não estava exortando contra casos forenses tolos e sem base. Estava falando sobre qualquer tipo de disputa litigiosa, baseada no nada. Naturalmente, há muitas disputas em torno do nada, que para os envolvidos representam questões sérias. Tomemos o caso daquela escola teológica batista que se dividiu em duas facções em torno da questão de se os dias originais da criação foram de 24 horas literais ou não. Ou então considere o leitor a missão que se dividiu por causa da questão de sua escola teológica oferecer cursos seculares ou não, como história, ciência etc. Todos nós, que fomos criados em círculos fundamentalistas, podemos multiplicar indefinidamente histórias de tais disputas insensatas. Ou consideremos o caso do pastor que se aposentou mas não pôde encontrar um lugar para ir à igreja, em sua cidade. Isso acontecia porque ele não era bem recebido na igreja da qual acabara de aposentar-se, ao passo que as outras duas que ele poderia frequentar eram divisões daquela congregação! Sem dúvida, as contenções são indesejáveis em uma igreja, ou em uma relação pessoal. “Mesmo que um homem tenha feito contra si o mal, reprova-o por causa de sua falha, mas ainda assim, ama-o (ver Lev. 19.17; Mat. 18.15; Luc. 17.3)” (Fausset, in loc).

“Não tenhas um espírito litigioso e briguento. Antes, vive sob a influência de um bom senso de humor... Evita toda a inimizade e nada faças com espírito de vingança” (Adam Clarke, in loc).

Se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os
homens.
(Romanos 12.18)

3.31 Não tenhas inveja do homem violento.

5. Temos aqui a Quinta Máxima, negativa, para que não invejemos as pessoas violentas, que obtiveram dinheiro e poder mediante meios ímpios. Não as imitemos em seus caminhos, a fim de obter o mesmo ganho que elas obtiveram.

“Quão atrativo é o poder! Todo homem deseja ter poder e, no entanto, todos odeiam os tiranos. Mas pergunta a ti mesmo: ‘Quantos, se tivessem o poder para tanto, não seriam tiranos?’” (Adam Clarke, in loc.). Cf. Sal. 73.3-5. “O escritor sacro adverte aqui contra invejar os ímpios que tenham adquirido riquezas por meios errados e ilegítimos, e que, pelo menos no momento, estejam prosperando (ver também Sal. 37.1)’’ (Charles Fritsch, in loc). Invejar o homem ímpio e próspero pode levar um homem bom assumir o mesmo ridículo estilo de vida.

3.32 Porque o Senhor abomina o perverso. Os vss. 32-35 dão-nos agora quatro máximas positivas, apresentadas com uma cláusula antitética, isto é, uma cláusula que apresenta um sentimento contrário. Continua aqui o tema dos relacionamentos pessoais.

1. A Primeira Máxima Positiva. O homem perverso é uma abominação para o Senhor, a despeito da reputação do dinheiro e do poder que ele tenha adquirido. Ele pode ter juntado muito dinheiro por seus atos pecaminosos (vs. 31), mas a maldição de Deus repousa sobre ele, tal e qual repousa sobre a idolatria, a qual, com frequência, é chamada de abominação para o Senhor.

Antítese: em contraste, o homem bom é um companheiro de Yahweh, pelo que compartilha de Seus conselhos secretos. O termo hebraico correspondente é sodh, que originalmente significava “familiar", “amigável”, “ter comunhão quanto a questões confidenciais"; em seguida, passou a significar “assembleia”, e, mais tarde ainda, “conselho secreto”. Cf. Amós 3.7, onde vemos que Yahweh não faz coisa alguma sem revelar Seus planos aos Seus servos, os profetas. É melhor alguém ser companheiro do Todo-poderoso do que desfrutar os frutos proibidos da iniquidade por algum tempo. Sendo Seu companheiro, muitos bons benefícios são proporcionados a tal homem. “É privilégio do justo ser favorecido pelo Rei (Jó 29.4; Sal. 15.14; João 7.17; 15.15; Gên. 18.17; Amós 3.7). Finalmente, o Senhor tornará o homem perverso um horrível exemplo do... (ver Sal. 37.20; Pro. 16.18)” (Fausset, in loc). O segredo da verdadeira felicidade está com o homem justo, e ele não precisa invejar o rico, o poderoso, o injusto (vs. 31).

Diz o Targum: “A iniquidade é uma abominação para o Senhor”. Os que se engajam nas abominações são excluídos da companhia amigável dos justos, os quais contam com a presença de Yahweh entre eles.

3.33 A maldição do Senhor habita na casa do perverso.

2. A Segunda Máxima Positiva. Um pecador grosseiro atrai uma maldição não somente contra si mesmo, mas também contra a sua casa. E toda a sua família poderá esperar que calamidades lhes sobrevenham. Antítese: o homem que segue a sabedoria salva sua família das aflições. Sua residência é chamada aqui de naweh, termo que usualmente se refere a uma habitação humilde, interiorana; pelo que podemos supor que a sua contraparte habitava na cidade barulhenta e repleta de crimes. A habitação do homem pobre é uma bethei, uma “casa do Senhor”. Mas a casa do pecador rico torna-se um covil de ladrões. Cf. este versículo com Lev. 16.4; Sal. 37.22; Zac. 5.4; Mal. 2.2 e Sal. 1.6. Ver no Dicionário o artigo chamado Maldição.

3.34 Certamente ele escarnece do s escarnecedores.

3. A Terceira Máxima Positiva. Deus age em relação ao homem mau tal e qual ele age em relação aos outros homens. O homem mau não é misericordioso e, por isso, não recebe misericórdia. Diz aqui a Septuaginta: “O Senhor resiste aos orgulhosos, mas aos humildes demonstra favor, o que é citado, com alguma variação, por Tia. 4.6 e I Ped. 5.5. Cf. Pro. 1.24-33, que nos ensina a mesma coisa. Ver também Lev. 26.23,24; Sal. 8.25,26; 81.11,12; Rom. 1.24,26; Sal. 18.25,26. Antítese: o homem humilde, mas bom, é aquele que segue os ditames da sabedoria, e é ele quem recebe o gracioso tratamento de Deus.

“Quanto menos buscava a glória, mais ele a obtinha” (Salustiano, falando sobre Catão). Este versículo tem sido cristianizado para fazê-lo falar da graça em Cristo, com os dons do Espírito que acompanham essa graça.

3.35 Os sábios herdarão honra.

4. A Quarta Máxima Positiva. Os que seguem os ditames da sabedoria devem herdar glória ou honra, conforme alguns traduzem a palavra hebraica correspondente. Mas os homens se ajuntarão quando reconhecerem a bondade essencial do homem, e que ele é um benfeitor da sociedade. Antítese: em contraste, os ímpios, que somente prejudicam ao próximo, terminarão em vergonha. O hebraico, traduzido literalmente, tem uma estranha distorção de palavras: “A vergonha é exaltar os tolos”. Aparentemente exaltados, eles são antes envergonhados. Todo o bem que eles porventura tiverem praticado será revertido. Eles são promovidos na degradação. “A vergonha será a promoção dos insensatos” (Ellicott, in loc). Os ímpios tornam-se notórios, mas tão-somente com o exemplos que devemos evitar. Eles se distinguem pelas desgraças que produzem (ver Fil. 3.19). A tribulação será a herança deles neste mundo. O autor sacro não estava antecipando o trecho de Dan. 12.2. Ele não falava sobre uma retribuição pós-vida, mas do que acontece aos homens bons e maus, aqui nesta terra, através da providência negativa e positiva de Yahweh.