Salmo 3 — Análise Bíblica

Salmo 3: Confiança diante do perigo

Os salmos 1 e 2 são introduções ao livro de Salmos como um todo. Pode-se dizer, portanto, que o salmo 3 é o primeiro salmo independente. Não obstante, apresenta uma ligação estreita com o capítulo imediatamente anterior. O salmo 2 termina com a asserção confiante: Bem-aventurados todos os que nele se refugiam. O salmo 3 mostra o que isso significa na prática, pois Davi se refugia em Deus num momento de grande perigo, “quando fugia de Absalão, seu filho” (2 Sm 13-18). Esse é o primeiro de treze salmos associados a acontecimentos específicos da vida de Davi.

Muitos cristãos africanos vivem com medo do futuro, de inimigos visíveis ou invisíveis, ou de guerras repentinas. O salmo 3 nos incentiva a confiar em Deus, cuja proteção não falhará.

3:1-2 Desvantagem esmagadora

O salmo 3 começa com um clamor: Senhor, como tem crescido o número de meus adversários! (3:1), que também pode ser traduzido por: “ Senhor, muitos são os meus adversá­rios!” (NVI). O termo “muitos” aparece na linha seguinte que é paralela e, mais uma vez, em 3:2a. O salmista sabe que seus adversários são em número muito maior. É possí­vel que se trate de uma referência aos partidários de Absalão, mas, por ser uma expressão geral, pode ser usada em várias situações.

A presença de inúmeras imagens militares no salmo sugere que o salmista tem em mente uma situação em que soldados inimigos se reúnem para a batalha e o cercam por todos os lados. No antigo Oriente Médio, acreditava-se que os deuses desempenhavam um papel importante nas guerras e favoreciam um dos lados. Para escarnecer do salmista, portanto, os inimigos lhe dizem que Deus o abandonou (3:26). Suas palavras trazem à memória a fala de Simei: “Fora daqui, fora, homem de sangue, homem de Belial; o Senhor te deu, agora, a paga de todo o sangue da casa de Saul, cujo reino usurpaste; o Senhor já o entregou nas mãos de teu filho Absalão” (2Sm 16:7-8).

O termo selah que aparece em algumas versões no final do versículo 2 e mais duas vezes nesse salmo, é difí­cil de traduzir. A NVI traz “pausa”, a RC translitera como “Selá”, e a RA omite o termo. Parece ser uma instrução para mudar o acompanhamento musical ao entoar esse cântico. Para nós, representa a oportunidade de refletir sobre semelhanças entre as dificuldades de Davi e aquelas que enfrentamos nos dias de hoje.

3:3-6 Confiança em Deus

Quer temamos o ataque espiritual de um feiticeiro, quer o ataque físico de inimigos humanos, precisamos deixar de focalizar o inimigo e voltar nossos olhos para Deus. O ponto crítico desse salmo, o momento em que o salmista passa da queixa à confiança, é marcado pela conjunção porém no início de 3:3. Ele lembra que Deus o protegerá da mesma forma que o escudo protege o guerreiro no campo de batalha. Mas, enquanto o escudo comum protege apenas parte do corpo, Deus é um escudo singular que envolve todo o salmista, fato que nos traz à memória a imagem de Deus como refúgio em 2:12. Com esse escudo, o salmista não precisa temer as hostes inimigas.

Em seguida, Davi trata da zombaria daqueles que lhe dizem que Deus o abandonou. Afirma que, muito pelo contrá­rio, Deus lhe dá glória e exalta sua cabeça. Ele não curvará sua cabeça diante dos inimigos em sinal de humilhação, mas a manterá erguida em postura de vitória (cf. 27:6; Gn 40:13).

Como Eliseu quando confortou seu servo aterrorizado, o salmista sabe: “Mais são os que estão conosco do que os que estão com eles” (2 Rs 6:16). Nessa ocasião, o Senhor livrou o profeta e seu servo dos soldados e carros enviados para capturá-los.

Deus é nosso protetor, mas precisamos pedir sua ajuda. Ele responde à oração de quem clama a ele por socorro (3:4). A resposta vem do santo monte de Deus, o monte Sião, o local do templo e onde Deus estabeleceu o rei em 2:6. A oração continua sendo uma arma eficaz quando lutamos contra o Maligno (Ef 6:18). Muitos podem dar testemunho de livramento por meio da oração em nome de Jesus Cristo. O resultado dessa confiança em Deus é expresso em termos bastante práticos e pessoais. ARA não transmite a ênfase do hebraico, que pode ser mais bem traduzida por: “Quanto a mim, deito-me e pego no sono" (3:5). Quando estamos com medo, não conseguimos dormir. Não são poucos os que tomam remédios para conciliar o sono todas as noites. Outros passam horas acordados com medo dos espíritos malignos que vagam pela escuridão. O simples fato de ver um gato preto pode ser suficiente para fazer alguns perder o sono. A noite parece ampliar os medos.

Agora que o salmista recuperou sua confiança em Deus, porém, pode deitar-se e adormecer rapidamente. Não precisa preocupar-se, pois sabe que Deus cuida dele. Apesar de ainda se encontrar cercado de inimigos, seu coração e sua mente estão em paz (3:6).

3:7-8 Clamor por intervenção divina

Por fim, o salmista clama pela intervenção de Deus. Suas palavras Levanta-te, Senhor! remetem aos dias em que o povo levava para as batalhas a arca da aliança, o símbolo da presença de Deus (3:7a; Nm 10:35). Agora é hora de Deus agir.

Os termos que o salmista usa para apresentar a vitória do Senhor humilham seus adversários ao extremo. Ele pede que Deus os fira nos queixos e quebre seus dentes (3:70). Depois desse golpe, não poderão mais usar a boca para falar contra o salmista (3:2). Fica evidente que o livramento é obra de Deus, e o salmista está tão certo disso que termina o salmo não com um clamor por libertação, mas com uma bênção (3:8). O perigo já passou, de modo que não precisa mais continuar orando a esse respeito.

Na vida cristã, passamos por fases difíceis em várias áreas, incluindo finanças, família, igreja e profissão. O salmo 3 nos lembra que Deus está sempre presente para nos ajudar a ser vitoriosos. Nas palavras do apóstolo João: “Filhinhos, vós sois de Deus e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo” (l Jo 4:4).