Salmo 4 — Análise Bíblica

Salmos 4: Uma Oração Vespertina de Confiança em Deus.

O salmo 4 é o primeiro que fornece algum detalhe acerca do instrumento musical para acompanhamento. Ao entoá-lo, os fiéis devem ser acompanhados de instrumentos de cordas. Assim como o salmo 3, é atribuído a Davi, apesar de não ser associado a nenhum acontecimento específico de sua vida. Também é um lamento no qual um indivíduo clama a Deus por ajuda e compara noites insones com noites tranquilas. Mas, enquanto no salmo 3 o salmista parece temer um ataque físico, no salmo 4 ele se aflige com as mentiras espalhadas a seu respeito.

A pergunta central é: Quem nos dará a conhecer o bem?

(4:6). A mesma questão atormenta muitos cristãos africanos. A pobreza e todas as suas consequências criam em nós forte desejo de experimentar uma vida boa. Nossa tendência é associá-la à vida no Ocidente, e muitos estão dispostos a arriscar a vida na tentativa de chegar à Europa ou aos Estados Unidos. Mas será que estamos procurando o bem nos lugares certos? O salmo 4 garante que só podemos encontrá-lo em Deus.

O salmo pode ser dividido em três partes, cada uma dirigida a um público diferente.

4:1 Clamor a Deus
O salmo começa com um clamor a Deus: Responde-me quando clamo [...]; na angústia, me tens aliviado (4:1). Não sabemos a causa dessa angústia. O fato de o salmista dirigir sua súplica ao Deus da minha justiça sugere que ele sente a necessidade de afirmar que é reto diante de Deus. Em geral, as pessoas só defendem sua retidão quando são acusadas de cometer alguma injustiça ou crime, como parece ser o caso do salmista. Ele sabe que é inocente e pede confiantemente que Deus responda à sua oração.

A situação do salmista é semelhante à de muitas mulheres e homens africanos que são tratados de forma injusta. Alguns foram presos, outros perderam privilégios aos quais tinham direito. A justiça parece inalcançável, pois muitos funcionários nos tribunais são corruptos. Até mesmo dentro da igreja, não é raro a justiça ser distorcida por questões de posição social, origens ou relacionamentos. Deus é o único a quem os sofredores podem apelar.

4:2-5 Repreensão dos escarnecedores. Numa inversão, o salmista repreende os escarnecedores que o acusam. Eles mancharam sua glória, ou seja, sua reputação (4:2a). A questão é séria, pois, como a literatura sapiencial de Israel indica, uma boa reputação vale mais do que riquezas ou perfumes caríssimos (Pv 22:1; Ec 7:1). Deus também preza nossa reputação, bem como a veracidade, pois o nono dos Dez Mandamentos instrui: “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo” (Êx 20:16). Precisamos atentar naquilo que dizemos a fim de não prejudicar a reputação de outros.

Não há nenhuma indicação da natureza das acusações falsas. Temos a impressão, contudo, de que o insulto aparentemente pessoal é, na realidade, de cunho religioso e envolve a adoração a falsos deuses (4:2). Enganados por esses falsos deuses, os escarnecedores se recusam a reconhecer a integridade do salmista e zombam dele e do Deus a quem ele adora.

O salmista sabe que o Deus justo é o único capaz de restaurar sua honra. Está certo de que Deus o fará, pois se considera piedoso, ou seja, alguém que experimentou a fidelidade do amor de Deus. O Senhor respondeu às suas orações no passado, de modo que ele pode afirmar com convicção: O Senhor me ouve quando eu clamo por ele (4:3). Ao contrário dos falsos deuses que não são capazes de responder a orações, o Senhor está vivo e o atende.

O salmista encerra essa seção com um convite para os escarnecedores aproveitarem o silêncio da noite a fim de refletir sobre o que estão fazendo (4:4). Se assim agirem, perceberão que pecaram e darão testemunho de sua conversão ao apresentarem sacrifícios de justiça e confiarem no Senhor (4:5).

4:6-8 Encorajamento aos fiéis
O salmista não é o único aflito. Muitos outros membros de sua comunidade se perturbam com a injustiça que os cerca. Alguns começaram até a perder a confiança em Deus. Como é possível haver tanta injustiça e sofrimento no mundo sobre o qual Deus reina? Sua pergunta é: Quem nos dará a conhecer o bem ? (4:6a).

Ao responder a essa pergunta, o salmista passa da primeira pessoa do singular para a primeira pessoa do plural e ora: Senhor, levanta sobre nós a luz do teu rosto (4:6b). Deus é a única fonte de bem verdadeiro. 0 mundo pode oferecer-nos bens materiais tentadores, mas não nos pode dar paz. Com Deus, no entanto, podemos experimentar ainda mais alegria do que os israelitas em tempos de boas colheitas cora. fartura de cereal e de vinho (4:7). Em Isaías 9:2-3, encontramos a mesma combinação de manifestação da luz de Deus e alegria do povo.

O salmo que começou com aflição termina em tom de alegria. Com o coração tranquilo, o salmista pode deitar-se e pegar no sono de imediato. Não precisa esquadrinhar o coração na cama à noite (4:4) e não sofre de insônia.

Pode dormir em paz, pois Deus é sua segurança (4:8). A imagem que vem à nossa mente é a de Cristo dormindo tranquilamente no barco durante uma tempestade violenta (Mc 4:38). É a esse tipo de paz que Paulo se refere quando diz: “E a paz de Deus, que excede todo entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus” (Fp 4:7). “Quem nos dará a conhecer o bem?” Quando nos vemos cercados de dificuldades e perdermos o sono, devemos fazer duas coisas. Primeiro, sondar nosso coração e ver se fomos injustos ou permitimos que nossa ira nos levasse a pecar. Proferimos palavras iradas que prejudicaram a reputação de alguém? Em caso afirmativo, devemos arrepender-nos e confessar esse pecado. Em caso negativo, devemos lembrar que nossa felicidade não depende de riquezas materiais ou circunstâncias, mas da presença de Deus, e devemos repetir esse salmo como uma oração até que nosso coração se aquiete.