Salmo 6 — Análise Bíblica

Salmo 6: Cura-me, Senhor

O salmo 6 foi escrito por alguém à beira da morte, sofrendo há tempo de uma enfermidade que afetava tanto o corpo quanto a alma. Apesar da agonia profunda, o autor se apega à sua fé na misericórdia de Deus. Sabe que Deus controla tanto o bem quanto o mal que nos sobrevêm e, portanto, suplica por socorro e cura. Suas palavras são relevantes para nós hoje quando vemos nosso continente assolado pelo HIV/aids. Elas nos lembram que a enfermidade faz parte da vida na terra.

Infelizmente, de acordo com um tipo de teologia popular, os “verdadeiros” cristãos nunca experimentam dor, enfermidade e tristeza. Supõe-se que desfrutam boa saúde a todo tempo. Esse, porém, não é um ensinamento bíblico. Em vez de negar a enfermidade, a igreja na África precisa promover a boa saúde e lutar contra as doenças e todas as formas de dor que impedem as pessoas de viver como mulheres e homens criados à imagem de Deus.

6:1-4 Uma súplica por socorro

O salmista começa sua oração com uma súplica na forma negativa: Não me repreendas na tua ira (6:1). Para alguns leitores, essas palavras indicam que o salmista deve ter pecado e que sua enfermidade é castigo de Deus, daí o salmo ser classificado, por vezes, junto com os salmos penitenciais (32, 38, 51, 102, 130, 143), entoados tradicionalmente na Quarta-Feira de Cinzas. Em nenhuma parte do salmo, contudo, o autor pede perdão a Deus. É mais provável que esteja suplicando a Deus que não o repreenda por fazer o pedido a seguir. Abraão usou termos semelhantes ao interceder pelo povo de Sodoma e Gomorra (Gn 18:32).

A súplica negativa é seguida de outra positiva: Tem compaixão de mim (6:2). A situação é insuportável; ele sofre de uma enfermidade tão grave que até seus ossos estão abalados. Sua alma está profundamente perturbada diante da morte que se aproxima. Ele roga que o Senhor diga que seu sofrimento terá fim: Mas tu, Senhor, até quando? (6:3), porém Deus não responde. O salmista pede, portanto: Volta-te, Senhor. Não afirma ser inocente de pecados nem considera seu sofrimento imerecido, mas deposita sua confiança na misericórdia e graça de Deus (6:4).

Muitas igrejas africanas hoje oram pelos enfermos. Por vezes, essas orações ocupam até um lugar especial na liturgia e, com frequência, associam enfermidades a pecados ou espíritos malignos. Apesar de algumas enfermidades serem, de fato, consequência direta de pecado pessoal, nem sempre é o caso. Muitas doenças também decorrem da pobreza que causa desnutrição, condições inadequadas de habitação e falta de água potável.

6:5 Motivos para a cura

Ao ler os motivos do salmista para pedir a Deus que o cure, devemos lembrar que os fiéis do AT não possuíam uma compreensão tão clara da vida depois da morte quanto os cristãos do NT. Acreditavam que os mortos não se lembravam da vida na terra nem das obras de Deus e, portanto, não podiam louvar a Deus (6:5). O salmista pede para ser curado, portanto, não para seu próprio benefício, mas porque deseja louvar a Deus. Como cristãos, sabemos que na vida depois da morte estaremos para sempre com Cristo. Podemos concordar com o salmista, no entanto, que o louvor só surge em nosso coração quando nos lembramos dos feitos e obras de Deus.

6:6-7 Lamentação

Muitos africanos, especialmente os portadores de HIV aids, podem identificar-se com a insônia, as lágrimas e o definhamento físico do salmista: Meus olhos, de mágoa, se acham amortecidos (6:6-7a). Alguns foram completamente abandonados e perderam as forças.

Os problemas dos salmistas são exacerbados por seus inimigos que se regozijam com seu sofrimento (6:76). Infelizmente, alguns passam por experiência semelhante em igrejas que enfatizam a suposta ligação entre pecado e enfermidade. Mas a igreja deve ser um lugar que acolhe as pessoas. Os enfermos precisam de compreensão, compaixão e amizade, e não de repreensão.

6:8-10 Confiança na salvação divina

O tom do salmo muda de forma repentina. O salmista está certo de que Deus ouviu e aceitou sua oração (6:9). O medo dos inimigos que o rondam como abutres se desvanece, e ele os manda embora: Apartai-vos de mim (6:8). O salmista havia pedido anteriormente que Deus se voltasse para ele (6:4). Agora sabe que seus inimigos farão o contrário e se afastarão dele (6:10). Talvez eles ainda não se tenham retirado, mas o salmista está certo de que, em breve, serão envergonhados e sobremodo perturbados.

Os cristãos sabem que o inimigo supremo é a morte. Como o salmista, podemos olhar para ela também certos de sua derrota, pois, como Paulo declara: “o último inimigo a ser destruído é a morte” (1 Co 15:26).