Salmo 9 — Análise Bíblica

Salmo 9: Louvores ao Criador

Os salmos 9 e 10 algumas vezes são considerados uma unidade, pois nessa seção somente o salmo 10 não é introduzido por um título. É possível, portanto, que o título do salmo 9: Ao mestre de canto, segundo a melodia “A morte para o filho”. Salmo de Davi, se aplique também ao salmo 10.

Ademais, os dois salmos são redigidos na forma de acróstico, ou seja, a primeira letra da primeira palavra de cada versículo ou linha segue a seqüência alfabética (apesar de algumas letras estarem faltando ou se encontrarem fora de sequência nesses salmos). Os acrósticos foram escritos desse modo para facilitar a memorização do salmo.

O salmo 9 é um cântico de ação de graças e, ao mesmo tempo, uma oração por socorro em meio ao perigo e à injustiça. Louvor e súplica se alternam enquanto o salmista roga ao justo Juiz que tome em suas mãos a situação dos desamparados e indefesos. O salmista provavelmente havia experimentado livramento divino no passado e agora expressa a certeza de que Deus não permitirá que os perversos triunfem sobre os aflitos.

Na África, é comum vermos pessoas explorando os necessitados e negando-lhes seus direitos. Precisamos lembrar a mensagem desse salmo. Deus não permitirá que os ímpios prevaleçam. Sempre que oramos “venha o teu reino”, pedimos que o Senhor faça justiça.

9:1-3 Ação de graças

O salmo 9 começa com palavras de gratidão e louvor que não são apenas articuladas pela boca, mas nascem do coração do salmista (9:1a). Trata-se de uma distinção importante no AT, pois, como o profeta Isaías observou, Deus rejeita quem “se aproxima de mim e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim” (Is 29:13).

Uma das maneiras de louvar a Deus consiste em relatar seus feitos maravilhosos. Esse salmo parece ter sido escrito em resposta a um ato específico de livramento, mas o salmista não restringe o louvor a esse acontecimento.

Antes, promete falar de todas as tuas maravilhas (9:16). Deus é honrado nesse salmo com o nome Altíssimo (9:2), título que indica sua posição acima de todos os outros deuses. O mesmo título é usado quatro vezes para o Deus de Abraão em Gênesis 14, quando Abraão se encontra com Melquisedeque depois de derrotar os inimigos. Aqui, o salmista também louva a Deus pela vitória sobre seus adversários (9:3).

9:4-10 O Senhor, nosso Rei

O salmista descreve os motivos de agradecimento em mais detalhes nos versículos seguintes, nos quais apresenta o Senhor como Rei que cumpre suas responsabilidades reais.

9:4-8 Nosso Rei, o justo Juiz

Um dos deveres do rei de Israel consistia em assentar-se em seu trono e julgar as causas apresentadas perante ele. Os reis humanos eram, por vezes, corruptos e julgavam de forma errônea, mas Deus é um rei confiável, pois sempre julga retamente (9:4). Quando o salmista apresentou sua causa diante de Deus, recebeu um parecer favorável, e o Senhor repreendeu seus adversários (9:5). O castigo foi tão severo que até o nome deles foi apagado a fim de que, em vez de serem honrados por seus descendentes, fossem esquecidos (9:6). Amaleque, um dos inimigos de Israel na Antiguidade, recebeu o mesmo castigo (Êx 17:14; Dt 25:19).

Os dois versículos paralelos (9:5 e 9:6) que descrevem como o Senhor julga a causa do salmista são seguidos de outro par (9:7 e 9:8), que apresenta o Senhor como Rei que permanece no seu trono eternamente (9:7). Ele não apenas é o Rei de Israel, seu povo da aliança, mas também dos povos (9:8), ou seja, das nações que não fazem parte da aliança.

Seu remado eterno contrasta com o destino das nações ímpias cujas cidades foram erradicadas e desapareceram da memória humana. A certeza do julgamento justo que Deus executará serve de consolo para quem está sofrendo injustiças. O Senhor intervirá a fim de acabar com todas as manifestações de iniquidade.

9:9-10 Nosso Rei, nosso refúgio

Além de julgar, o rei também devia proteger o povo. Esse é o papel do Senhor representado como abrigo, refúgio e “torre segura” (NVI) para os que são perseguidos pelos ímpios (9:9). O conceito é semelhante ao de Provérbios 18:10: “Torre forte é o nome do Senhor, à qual o justo se acolhe e está seguro”.

Nem sempre as coisas são fáceis para o povo de Deus. Podemos sofrer opressão, nossos inimigos podem tratar-nos injustamente ou podemos não saber onde buscar ajuda. Em circunstâncias como essas, a única maneira de encontrar paz e vitória é crer no nome do Senhor. Ele proverá paz, tranquilidade e consolo e jamais abandonará aqueles que nele confiam (9:10).

9:11-14 Um apelo e uma súplica

A lembrança de que Deus é um governante justo e protetor leva o salmista a proferir um apelo às pessoas ao seu redor e uma súplica a Deus.

9:11-12 Apelo para louvar

Em 9:1, o salmista prometeu relatar a outros as maravilhas que Deus havia operado. Depois de cumprir a promessa em seus louvores a Deus em 9:4-10, faz um apelo para outros se juntarem a ele e cantarem louvores ao Senhor, que habita em Sião (9:11). O monte Sião era o local do templo em Jerusalém. O templo era o trono de Deus na terra, e a arca da aliança, abrigada dentro do santuário, representava a presença de Deus com seu povo.

Deus, porém, é louvado não como rei inerte que se assenta no trono e não faz nada, mas como vingador de sangue responsável por castigar aqueles que tiram a vida dos inocentes (9:12). O Senhor assumiu essa função pela primeira vez quando Caim matou Abel, seu irmão inocente. Deus interrogou Caim: “Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra a mim” (Gn 4:10) e o sentenciou.

Hoje em dia, muitos inocentes morrem na África em decorrência de guerras e injustiças. Os responsáveis por essas mortes precisam se lembrar do quinto mandamento: “Não matarás” (Êx 20:13; Dt 5:17) e do fato de que Deus vingará essas mortes.

9:13-14 Súplica por socorro

Deus livrou seu povo e o salmista no passado, mas não os poupou de todo o perigo no presente, daí o salmista voltar a suplicar ao Senhor por livramento. Ele pede a Deus que seja testemunha ocular da perseguição que está sofrendo e o lembra de que está aproximando-se rapidamente das portas da morte (9:13). Para os hebreus, a morte representava o fim de todas as oportunidades de louvar a Deus, de modo que o salmista roga por livramento para que possa proclamar publicamente os feitos maravilhosos do Senhor às portas de Jerusalém (chamada aqui de filha de Sião; 9:14).

9:15-18 Dois destinos

O julgamento justo executado pelo Senhor trará calamidade sobre as nações, termo que, nesse caso, é sinônimo de “os perversos”, como vemos pela referência de 9:17 aos perversos e a todas as nações que se esquecem de Deus. Eles sofrerão o “efeito bumerangue” descrito em Salmos 7:15 e cairão na armadilha que prepararam para os inocentes (9:15-16). A situação se inverterá, e, em vez de os justos passarem pelas “portas da morte” (9:13), os perversos é que serão lançados no inferno (9:17).

O necessitado, porém, terá um destino bem diferente, pois não será para sempre esquecido (9:18). O termo “necessitado” corresponde à mesma palavra traduzida com frequência por “pobre”. Abrange mais que os desprovidos de recursos materiais. Nesse contexto, inclui todos os que não se estribam em sua própria riqueza ou poder, mas têm consciência de que devem confiar somente no Senhor. Nesse sentido, é sinônimo dos “humildes de espírito” que Jesus abençoa nas bem-aventuranças (Mt 5:3). O Senhor jamais se esquece deles. Em meio a injustiças e aflições, o povo de Deus deve manter viva essa esperança.

9:19-20 O julgamento final

O salmo termina com uma súplica intensa dirigida a Deus. A convocação Levanta-te, Senhor nos traz à memória o clamor proferido quando os sacerdotes levavam a arca da aliança diante do povo na marcha pelo deserto (Nm 10:35; cf. tb. Sl 7:6). O salmista insta o Senhor a agir e trazer destruição final sobre os ímpios a fim de provar que Deus, e não um simples mortal, é quem está no controle (9:19-20).

Quando as nações perceberem sua fraqueza diante de Deus, também terão maior consciência da glória e majestade do Senhor. Esse deve ser o tema de nossas orações ao pedirmos que a justiça de Deus seja estabelecida em nosso continente. Não desejamos a destruição dos perversos, mas sua conversão.