Introdução à Doutrina da Revelação — Curso de Teologia Sistemática

Introdução à Doutrina da Revelação


REVELAÇÃO: A CONDIÇÃO PRÉVIA REVELACIONAL

 

Outra pré-condição fundamental da teologia evangélica é a revelação. Se Deus não se revelou, então como Ele pode ser conhecido? Mas Deus decidiu se revelar, e Sua auto-revelação é chamada de Revelação. De acordo com a teologia evangélica, Deus se revelou de duas maneiras: revelação geral (na natureza) e revelação especial (nas Escrituras).

 

OS PRÉ-REQUISITOS PARA A REVELAÇÃO DIVINA

A revelação divina não é possível a menos que pelo menos três coisas básicas estejam no lugar:

(1) um ser capaz de dar uma revelação;

(2) um ser capaz de receber uma revelação;

(3) um meio pelo qual uma revelação pode ser dada.

 

1. Um Deus teísta é capaz de dar uma revelação

Visto que há boas razões para acreditar que um Deus teísta existe (ver capítulo 2), a primeira pré-condição para a revelação divina existe. O Deus teísta é onisciente (onisciente) e, portanto, tem a verdade a revelar. Além disso, Ele é onipotente (todo-poderoso) e, portanto, tem a capacidade de criar meios de revelar essa verdade (ver volume 2).

 

2. Os seres humanos são capazes de receber uma revelação

Segundo a Bíblia, os seres humanos são feitos à imagem de Deus (Gn 1:27) e, portanto, são semelhantes a Ele no sentido de que, entre outras coisas, são seres racionais e morais (ver volume 2). Esses seres são capazes de receber uma revelação racional e moral de Deus. A teologia evangélica afirma que esta revelação pode ser encontrada tanto na natureza (Rom. 1:19–20) e nas Escrituras (2 Timóteo 3:16–17). Que ele é encontrado na natureza já foi demonstrado (no capítulo 2) em virtude do fato de que podemos descobrir por meio da razão verdades sobre a existência e a natureza de Deus. A revelação especial que foi dada por Deus nas Escrituras será discutida mais tarde (na parte 2). Por enquanto, será suficiente mostrar que tal revelação entre o Deus infinito e o homem finito é possível.


3. O meio pelo qual a revelação é possível

Para que uma Mente infinita se comunique com mentes finitas, certas coisas devem ser possível. Para começar, deve haver um princípio comum de razão que ambos possuem. Visto que pode ser mostrado que as leis básicas da razão são baseadas na natureza de Deus (que é o Ser racional último), elas são comuns tanto a Deus quanto a criaturas racionais finitas (ver capítulo 5). Assim, uma condição necessária para a revelação divina foi cumprida.

 

Além disso, visto que tanto o significado objetivo (ver capítulo 6) quanto a verdade objetiva (ver capítulo 7) são possíveis, existe outra condição necessária. E o fato de haver uma analogia entre Deus e a criação (ver capítulo 9) mostra que a comunicação entre uma Mente infinita e uma mente finita é possível; demonstra que pode haver uma semelhança entre o entendimento de Deus e o dos humanos feitos à Sua imagem. Sendo este o caso, as condições básicas necessárias para a revelação divina foram satisfeitas.

 

A condição suficiente para a revelação divina, é claro, é a vontade de Deus. A filosofia mostra que a revelação divina é possível; apenas a realidade manifesta que é real. Visto que a realidade da revelação especial de Deus nas Escrituras será discutida mais tarde (na parte 2), a atenção aqui se concentrará na revelação geral e sua relação com a revelação especial.

 

REVELAÇÃO GERAL DE DEUS

A revelação geral se refere à revelação de Deus na natureza, em oposição à Sua revelação na Escritura. Mais especificamente, a revelação geral se manifesta em várias áreas: por exemplo, natureza física, natureza humana e história. Em cada caso, Deus revelou algo específico sobre Si mesmo e Seu relacionamento com Sua criação.

 

A revelação geral é parte integrante da apologética cristã, já que são os dados com os quais os teístas constroem argumentos para a existência de Deus (ver capítulo 2). Sem ele, não haveria base para apologética.


Revelação de Deus na Natureza Física

“Os céus declaram a glória de Deus; os céus proclamam a obra de suas mãos, escreve o salmista (Salmos 19:1). “Os céus proclamam a sua justiça e todos os povos veem a sua glória” (Salmos 97:6). Adiciona trabalho,

 

Pergunte aos animais e eles te ensinarão, ou aos pássaros do ar, e eles te dirão; ou fale com a terra, e ela te ensinará, ou deixe os peixes do mar te informarem. Qual de todos esses não sabem que foi a mão do Senhor que fez isso? (Jó 12:7-9)

 

Paulo disse aos homens:

 

Volte-se... para o Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo o que neles existe. No passado, ele permitiu que todas as nações seguissem seus próprios caminhos. No entanto, ele não se deixou sem testemunho: Ele mostrou bondade dando-lhe chuva do céu e colheitas em suas estações; ele fornece a você bastante alimento e enche seu coração de alegria. 

(Atos 14:15-17)

 

Ele lembrou os filósofos gregos:

 

O Deus que fez o mundo e tudo que nele existe é o Senhor do céu e da terra e não mora em templos construídos por mãos. E ele não é servido por mãos humanas, como se precisasse de alguma coisa, porque ele mesmo dá vida e fôlego a todos os homens e tudo mais. 

(Atos 17:24-25)

 

Paulo declara que até mesmo os pagãos são culpados diante de Deus:

 

O que pode ser conhecido sobre Deus é claro para eles, porque Deus tornou isso claro para eles. Pois desde a criação do mundo, as qualidades invisíveis de Deus - seu poder eterno e natureza divina - têm sido claramente vistas, sendo compreendidas a partir do que foi feito, de modo que os homens não têm desculpa. 

(Rom. 1:19-20)

 

Em vista disso, o salmista conclui: “O tolo diz em seu coração: ‘Deus não existe’” (Salmos 14:1). Deus é revelado na natureza de duas maneiras básicas: como Criador e como Sustentador (veja o volume 2). Ele é a causa da origem e também da operação do universo. O primeiro fala de Deus como o originador de todas as coisas: “Por ele todas as coisas foram criadas” e “nele todas as coisas subsistem” (Colossenses 1:16-17); Deus “fez o universo” e também “sustenta todas as coisas pela sua palavra poderosa” (Heb. 1:2–3); Ele “criou todas as coisas” e por meio dele todas as coisas “existem” (Ap 4:11).

 

Além de ser seu originador, Deus também é o sustentador de todas as coisas. Ele estava ativo não apenas no surgimento do universo, mas também em sua continuidade. O salmista se refere a esta última função quando diz a respeito de Deus: “Ele faz as fontes derramarem água nas ravinas.... Ele faz crescer grama para o gado e plantas para o homem cultivar - trazendo alimento da terra” (104:10, 14).


Revelação de Deus na Natureza Humana

Deus criou os seres humanos à Sua imagem e semelhança (Gênesis 1:27); consequentemente, algo sobre Deus pode ser aprendido estudando os seres humanos (cf. Sl 8). Visto que os humanos são como Deus, é errado matá-los (Gênesis 9:6) e até mesmo amaldiçoá-los (Tiago 3:9-10). Os remidos são “renovados em conhecimento à imagem de [seu] Criador” (Colossenses 3:10).

 

Paulo afirma que...

 

Deus fez isso para que os homens o procurassem e talvez o procurassem e o encontrassem, embora ele não esteja longe de cada um de nós. ‘Pois nele vivemos, nos movemos e existimos’. Como alguns de seus próprios poetas disseram: ‘Nós somos seus descendentes’. Portanto, uma vez que somos descendentes de Deus, não devemos pensar que o ser divino é como ouro, prata ou pedra - uma imagem feita pelo design e habilidade do homem.

(Atos 17:27-29)

 

Olhando para a criatura, podemos aprender algo sobre o Criador (ver capítulo 9), pois “Aquele que implantou o ouvido não ouve? Aquele que formou o olho não vê? Aquele que disciplina as nações não pune? Aquele que ensina ao homem carece de conhecimento?” (Salmos 94:9–10). Até mesmo Cristo em carne é considerado a “imagem” do Deus invisível (João 1:14; Hebreus 1:3).

 

Deus se manifesta não apenas na natureza intelectual dos seres humanos, mas também em sua natureza moral (ver volume 3). A lei moral de Deus está escrita nos corações humanos: quando os gentios, que não têm a lei, fazem por natureza as coisas exigidas pela lei, eles são uma lei para si mesmos, embora não tenham a lei ... suas consciências também dão testemunho.

(Rom. 2:14-15)

 

Visto que a responsabilidade moral envolve a capacidade de responder, o homem à imagem de Deus também é uma criatura moral livre (Gênesis 1:27; cf. 2:16-17).


Revelação de Deus na História Humana

A história foi chamada de sua história. São as pegadas de Deus nas areias do tempo. Paulo declarou que Deus “determinou os tempos estabelecidos para eles [as nações] e os lugares exatos em que deveriam viver” (Atos 17:26). Deus revelou a Daniel: “O Altíssimo é soberano sobre os reinos dos homens e os dá a quem ele deseja, e põe sobre eles o mais humilde dos homens” (Dn 4:17). Deus também confiou a Daniel que a história humana está se movendo em direção ao objetivo final do reino de Deus na terra (Dan. 2, 7). Portanto, uma compreensão adequada da história nos informa sobre o plano e o propósito de Deus.

 

Revelação de Deus nas Artes Humanas

A Bíblia declara que Deus é belo e Sua criação também. O salmista louva: “Ó Senhor, Senhor nosso, quão majestoso é o teu nome em toda a terra!” (Salmos 8:1). Isaías viu uma demonstração maravilhosa da beleza de Deus quando “viu o Senhor sentado sobre um trono, alto e exaltado, e a cauda do seu manto enchia o templo” (Isaías 6:1). As Escrituras nos encorajam a “adorar o Senhor na beleza da santidade” (Salmos 29:2 NKJV; cf. Salmos 27:4).

 

Salomão mostra que Deus “fez tudo belo em seu tempo” (Ec 3:11). O salmista fala de Sião, Sua cidade, como “perfeita em formosura” (Salmos 50:2). O que Deus criou é bom como Ele mesmo (Gênesis 1:31; 1 Timóteo 4:4), e a bondade de Deus é bela. Na medida em que a criação reflete Deus, também é bela.

 

Deus não apenas é belo e criou um mundo maravilhoso, mas também criou seres que podem apreciar a beleza. Como ele, eles também podem fazer coisas bonitas. Os seres humanos são, por assim dizer, “subcriadores” (ver Sayers, MM). Deus escolheu dotar os humanos de dons criativos especiais que revelam algo de Sua natureza maravilhosa.

 

Revelação de Deus na música humana

Deus aparentemente ama a música, visto que Ele orquestrou o coro angelical na Criação, quando “as estrelas da manhã juntas cantaram e todos os anjos gritaram de alegria” (Jó 38:7). Os anjos também cantam continuamente o tersanctus em Sua presença: “Santo, santo, santo” (Is 6:3; Ap 4:8).

 

Além disso, os anjos se reúnem ao redor do trono de Deus e “em alta voz cantam: ‘Digno é o Cordeiro que foi morto’” (Apocalipse 5:12).

 

A irmã de Moisés, Miriam, liderou os triunfantes israelitas cantando depois que Deus os libertou através do Mar Vermelho (Êxodo 15:20–21). Davi, o doce salmista de Israel, montou um coro para o templo e escreveu muitas canções (salmos) para serem cantadas nele. Paulo admoestou a igreja a “falar uns com os outros com salmos, hinos e cânticos espirituais. Cante e faça música em seu coração para o Senhor” (Ef 5:19).

 

Aprendemos algo mais sobre a natureza de Deus por meio da voz humana, um instrumento musical ordenado por Deus. Até o sumo sacerdote judeu entrava no Santo dos Santos com sinos em suas vestes. E o salmista ordenou que Deus fosse louvado com trombeta, harpa, lira, pandeiro e címbalos (Salmos 150:3-5). No céu, os anjos tocam trombetas (Ap 8:2), e outros tocam harpa (Ap 14:2). A música também é um dom e uma manifestação de Deus. Como o resto de Sua criação, é uma expressão de Sua glória.

 

Mesmo à parte da revelação especial de Deus nas Escrituras, então, Ele se manifestou por meio da revelação geral na natureza.