Por que Jesus chamou sua Mãe de “Mulher”

O fato de Jesus chamar Maria de "mulher" (grego: γύναι, gynai) pode parecer estranho para nós hoje, mas há profundidade tanto cultural quanto espiritual nesse uso. Vamos analisar em partes:

📖 1. Passagens em que Jesus chama Maria de “mulher”

a) João 2:4 – Nas Bodas de Caná

“Respondeu-lhe Jesus: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora.”
— João 2.4

b) João 19:26 – Na cruz

“Vendo Jesus sua mãe e, junto a ela, o discípulo amado, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho.”
— João 19.26

Esses dois episódios envolvem momentos de grande significado: o início e o fim do ministério público de Jesus.

2. Análise do grego koiné: "γύναι" (gynai)

A palavra γύναι é o vocativo (forma de tratamento direto) de γυνή (gynē), que significa mulher, esposa ou dama.

Embora o termo possa ser traduzido literalmente como “mulher”, no contexto da cultura grega e judaica do século I, não era ofensivo ou rude. Era, na verdade, uma forma respeitosa e até afetuosa de tratamento.

👉 Exemplo de uso semelhante: Jesus usa o mesmo termo para a mulher samaritana (Jo 4.21), a mulher adúltera (Jo 8.10), e Maria Madalena (Jo 20.15). Em todos esses casos, o tom é respeitoso.

🧠 3. Razões teológicas e simbólicas para Jesus dizer “mulher”

a) Distinção entre o vínculo terreno e a missão divina

Jesus, ao chamar Maria de “mulher” em vez de “mãe”, pode estar sinalizando que:

Sua missão divina transcende os laços familiares naturais (cf. Marcos 3.33–35).

Ele não age por pressões humanas, mas segundo a vontade do Pai (João 2.4: “Ainda não é chegada a minha hora”).

b) Evocação da “mulher” de Gênesis 3.15

Alguns estudiosos enxergam uma ligação com a profecia de Gênesis 3.15:

“Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente...”
— Gênesis 3.15

Maria é vista pela tradição cristã como a nova Eva, e ao chamá-la de “mulher”, Jesus pode estar evocando o cumprimento dessa profecia. Essa leitura é especialmente comum na teologia católica e patrística.

📚 4. Referências bibliográficas relevantes

a) Raymond E. Brown – “O Evangelho Segundo João”

Brown explica que o termo “gynai” era comum e cortês na época de Jesus. Ele enfatiza o simbolismo mariológico em João, e vê ligação com Gênesis 3.15.

b) D. A. Carson – “The Gospel According to John”

Carson argumenta que a forma como Jesus trata Maria em João 2.4 mostra que Ele está começando a se posicionar como Filho de Deus em missão, e não mais apenas como o “filho de Maria”.

c) Craig Keener – “The IVP Bible Background Commentary: New Testament”

Keener nota que o uso de "gynai" não era desrespeitoso, e era até carinhoso em certas culturas do mundo greco-romano.

🎯 Conclusão

Jesus chamou Maria de “mulher”:

Culturalmente: porque o termo "gynai" era respeitoso e adequado na época.
Teologicamente: para indicar a transição de sua relação natural (filho humano) para sua missão divina.
Simbolicamente: evocando a figura da mulher profetizada em Gênesis, indicando Maria como parte central da nova criação.