Comentário Bíblico Online: Judas 1:4

Explicando sua mudança na finalidade da escrita, Judas declarou:

“A minha razão é que se introduziram sorrateiramente certos homens que há muito têm sido designados pelas Escrituras para este julgamento, homens ímpios, que transformam a benignidade imerecida de nosso Deus numa desculpa para conduta desenfreada e que se mostram falsos para com o nosso único Dono e Senhor, Jesus Cristo.” (Judas 4)

I. “A minha razão é que...” No início da carta nós observamos que Judas intencionava escrever aqueles cristãos uma carta que apenas fortalecia a fé dos irmãos nas promessas de Deus. Mas vimos que ele teve que mudar o conteúdo, visto que começaram a surgir problemas DENTRO da congregação cristã, e agora haveria a necessidade de escrever-lhes sobre a necessidade de LUTAR contra a influência corrompedora dentro da congregação. Agora ele passa a explicar porque mudara o foco de sua carta àqueles cristãos.[1]

II.“Se introduziram sorrateiramente...” – Gr.: pareisduno TDNT 3921. “Entrar de fininho” (CEV) “Entrar sem ser notado” (NTLH) “introduzir furtivamente” (EPC) “infiltrar-se secretamente” (AUV-NT)[2] Este verbo vem da junção de três palavras para (preposição designando algo que está ao lado) eis (preposição que designação direção) duno ou dumi (uma forma antiga do verbo grego duo que significa “afundar”. Segundo Thayer’s Greek-English Lexicon, este termo é aplicado ao por do sol nas Escrituras Gregas Cristãs) Este comentário é interessante pelo fato de que, assim como o por do sol se dá de maneira lenta, até que a escuridão tome conta do dia, assim também aqueles cristãos apóstatas aos poucos começaram a minar a fé dos seus irmãos fazendo que caíssem sobre eles a escuridão espiritual.

O erudito bíblico Marvin R. Vincent diz:

O verbo significa entrar pelo lado (παρά), entrar furtivamente pela porta dos fundos. Ocorre apenas aqui no Novo Testamento.[3]

III. “Certos homens...” De maneira sutil, Judas não menciona o nome deles, sendo esta até uma forma de não dignificá-los, deixando-os assim no anonimato, uma vez que era justamente o que eles queriam, a saber, chamar atenção para si. (cf. vv. 8, 10, 12, 16, 19) Os homens que se “introduziram sorrateiramente” entre os verdadeiros cristãos insidiosamente ensinaram falsidade. (Veja Gálatas 2:4; 1 João 2:19.) Jesus havia predito um movimento inimigo destinado a corromper o povo de Deus, pois ele revelou que o Diabo semearia “joio”, ou cristãos falsos, entre o “trigo”, ou verdadeiros seguidores de Cristo. (Mateus 13:24-30, 36-43) Houvera também alertas apostólicos quanto à apostasia, tendo Pedro especificamente mencionado “falsos instrutores”. — 2 Pedro 2:1; Atos 20:29, 30; 2 Tessalonicenses 2:3.

IV. “Há muito tem sido designado pelas Escrituras” – A expressão “designado pelas Escrituras” (Gr.: prographo TDNT 4270) Aparece cerca de cinco vezes nas Escrituras Gregas Cristãs: (Rom. 15:4; Gal. 3:1; Ef. 3:3; Judas 1:4). Significar “escrever antes do tempo”, “escrever previamente”, “anunciar”, “prescrever”. É a junção da preposição pro (antes) com o verbo grapho (gravar, escrever, descrever) Antigamente, os nomes daqueles que estavam para ser punidos eram normalmente colocados num lugar público, como também suas sentenças depois de suas condenações, e isso é notado pela mesma palavra que o Judas usa em sua carta. É obvio que as Escrituras não mencionam os nomes literais de todos os iníquos que receberam os julgamentos adversos de Yehowah, mas ela conserva por escrito as características das pessoas que receberão este julgamento, a saber, todas as pessoas que se comportarem como os Israelitas rebeldes (v. 5), como os demônios dos dias de Noé (v 6) ou imorais como os Sodomitas (v. 7). Há muito tempo as Escrituras dão cabalmente testemunhos que as pessoas que se enquadram nestas características foram designadas para o julgamento da parte de Deus.

College Press New Testament Commentary reza:

Essa condenação foi “escrita há muito tempo atrás”, talvez se referindo aos avisos do Antigo Testamento contra falsos profetas, como também os avisos de Jesus e dos apóstolos.

Tais homens iníquos, mencionados por Judas, não seriam bem-sucedidos em subverter ou aviltar a congregação como um todo. “Há muito”, mesmo antes de o fiel Enoque realizar o seu profetizar, tais homens estavam designados para o julgamento adverso de Deus. (Gênesis 3:15; 5:21-24; Judas 14, 15) “Este julgamento” aparentemente é enunciado pelo que se segue na carta de Judas.

V. “Homens ímpios...” Esses instrutores falsos eram “homens ímpios”, ou sem “nenhuma reverência para com Deus”. (O Novo Testamento em Inglês Moderno, traduzido por J. B. Phillips) Este homens estavam tentando de maneira furtiva contaminar a congregação cristã dos dias de Judas. Por muitos anos Satanás tinha tentado acabar com a congregação cristã, mediante vários ataques EXTERNOS, mas agora ele usara outra tática. Será que a congregação suportaria ataques INTERNOS? Satanás passou a infiltrar de maneira sagaz homens iníquos para corromper a moral da congregação. Neste versículo Judas menciona duas coisas primárias: (1) Usar a graça de Deus para uma conduta desenfreada e (2) mostrar-se falso para com o Senhor da congregação, Jesus Cristo. Vamos primeiro analisar o sentido das palavras lexicograficamente para definirmos a exegese do versículo.

V.a. “Que transformam...” – (Gr.: metatithemi) Este verbo composto significa “transferor, ou seja, (literalmente) transport, (por implicação) trocar (reflexivamente), mudar de lado, ou (figurativamente) perverter. (Strong’s Greek-English Lexicon of the New Testament) É um verbo composto, formado de duas palavras (1) meta que é uma preposição usada normalmente como advérbio tendo relação com posição “no meio de”, “com” etc. A outra palavra, titheme, é uma forma extensiva de uma palavra primária θέω (Gr.: theo). A.T Robertson, perigo no grego bíblico comenta: “O particípio presente ativo de metatithemi, mudar, para tal verbo veja Gal 1:6. Para a mudança da “graça” (charis) para “lascívia” (eis aselgeian) veja 1Pe 2:16; 4:3; 2Pe 2:19; 3:16.” O Erudito Kenneth S. Wuest comenta: “transpor” duas coisas, uma de cada é colocada no outro lugar. Dessa forma, esses falsos instrutores colocaram lascividade no lugar da graça [benignidade imerecida] de Deus.” (Wuest’s Word Studies in The New Testament) Ela aparece cerca de 6 vezes no texto de W.H. conforme de segue: Atos 7:16; Gal. 1:6; Heb. 7:12; 11:5; Judas 1:4) Na versão LXX ela ocorre cerca de 8 vezes: (1) Ela é usada em Gen. 5:24, onde nos fala da transferência de Enoque, lemos: “E Enoque agradou bem a Deus, e não foi achado, porque Deus o transferiu.”[4] (2) Em Deu. 27:17 o termo é referente a transferência de terrenos de demarcações, onde nos diz: “Maldito é aquele que remover o marco divisório de seu próximo: e todos o povo deverá dizer: amém.” (3) também em 1 Reis 21:25, onde lemos: “Sem exceção, ninguém se mostrou igual a Acabe, que se vendeu para fazer o que é mau aos olhos de Jeová, instigando-o Jezabel, sua esposa” (4) Psa. 46:2: “Por isso é que não temeremos, ainda que a terra passe por uma mudança E ainda que os montes cambaleiem para dentro do coração do vasto mar;” (5) Pro. 23:10: “Não recues o termo [existente] há muito tempo e não entres no campo de meninos órfãos de pai.” Isa. 29:14, 17: “por isso, eis-me aqui, Aquele que de novo agirá maravilhosamente com este povo, dum modo maravilhoso e com algo maravilhoso; e terá de perecer a sabedoria dos seus sábios e se esconderá a própria compreensão dos seus homens discretos.”. (17) Não é somente mais um pouquinho e o Líbano terá de ser tornado em pomar, e o próprio pomar será considerado como floresta?” (7) Oséias. 5:10: “Os príncipes de Judá tornaram-se como os que recuam o [marco] divisório. Derramarei sobre eles a minha fúria qual água.”[5]

V.b. “A graça imerecida de nosso Deus...” – A palavra traduzida por “graça imerecida” (Gr.: kháris) inclui a idéia de bondade que concede a alguém aquilo que ele não mereceu. Obra alguma que fizéssemos poderia granjear a bênção de Deus. Esta referência se concentrava basicamente na obra redentora de Javé mediante Jesus Cristo. Embora a graça seja demonstrada por Deus em vários casos e de muitos modos, quando os escritores da E.G escreviam sobre a kháris eles se referiam às bênçãos resultantes do sacrifício de Cristo e da vida cristã.

V.c. “Numa desculpa para conduta desenfreada...” – Gr.: eis aselgeian. O termo traduzido por “conduta desenfreada” (Gr.: alsegeia) ocorre cerca de 9 vezes nas E.G. como se segue: (Marc 7:22; Rom. 13:13; 2Co. 12:21; Gal. 5:19; Ef. 4:19; 1Pe. 4:3; 2Pe. 2:7, 18; Jud 1:4.) Outras traduções vertem por: “flagrante imoralidade sexual” (ALT) “anarquia e libertinagem e imoralidade” (AMP) “levando vidas irrestritas e indecentes,” (AUV-NT) “uma coisa impura” (BBE) “promiscuidade” (HCSB) “desejo descontrolado” (ISV) “luxúria desenfreada” (LITV) “imoralidade” (Moffatt NT) “impureza” (Murdock) “conduta desenfreada” (NSB) “uma desculpa para a libertinagem” (TCNT) “uma desculpa para imoralidade” (NIV) “dizendo que a graça maravilhosa de Deus nos permite viver uma vida imoral.” (NLT) “encobrindo seus pecados” (NLV) “Deus nos trata muito melhor do que merecemos, e por isso está tudo bem ser imoral." (CEV) “pessoas que distorcem a mensagem sobre a graça de Deus para desculpar seus caminhos imorais,” (GNB) “Eles usam a bondade de Deus como uma desculpa para a liberdade sexual” (GW) Segundo a lexicografia alsegeia tem o sentido de “licenciosidade” e “libertinagem violenta” (Henry George Liddell. Robert Scott. A Greek-English Lexicon) A palavra se refere a alguém que não “reconhece nenhuma restrições, aquele que ousa fazer o que quer que seus caprichos e petulância libertina possa sugerir.” (Wuest’s Word Studies in The New Testament)

V.e. “E que se mostram falsos...” Gr.: arneomai. Embora se considerassem cristãos, por sustentarem essas apostasias de que não importa seu modo de vida, Deus lhes aceitará incondicionalmente, eles vivam uma vida de hipocrisia para com Yehowah, Jesus e para com eles mesmos.

V.f. “Para com o nosso único Dono e Senhor, Jesus Cristo.” – Gr.: kai ton monon despoten kai kurion emon iesosn xriston. Sobre o termo “déspode” queira ver comentários em Atos 4:24. Levando em consideração o significado da palavra déspode aplicada aqui no texto é perfeitamente bem traduzido como “Dono”. Quando Judas fala de Jesus Cristo como και τον μονον δεσποτην και κυριον ημων ιησουν χριστον devemos nos lembrar que ele, anteriormente, estava falando sobre apostatas que queria tomar controle ou se tornarem “donos”, ou amos, da fé dos irmãos por ensinar as SUAS verdades para a congregação. Neste sentido, Judas lhes lembra que Jesus, como a cabeça da congregação, é o ÚNICO Dono e que ninguém dentre eles deveria se colocar em sujeição a aqueles apostatas. Yehowah concedeu ao seu filho ser o único Dono da congregação cristã.

VI. Eles encaravam o povo purificado de Deus com intuitos incastos e olhos impuros. Erroneamente, tais homens irreverentes concluíam que uma vez que Deus perdoara anteriores fornicadores, idólatras, adúlteros, e assim por diante, ele seria suficientemente misericordioso para perdoar a pessoa que de modo deliberado se empenhasse de novo em tais coisas pecaminosas. Imaginavam erroneamente que poderiam violar com impunidade as leis morais de Deus, daí submeter-se a um arrependimento pro forma e permanecer entre o povo de Deus até a próxima vez que ansiassem o prazer sensual e ‘engodassem as almas instáveis’ para a prática da imoralidade. (2 Pedro 2:14) Assim, os “homens ímpios” eram culpados de ‘transformar a graça imerecida de nosso Deus numa desculpa para conduta desenfreada’[6]. Eles realmente não apreciavam nem reconheciam que Deus fora misericordioso em lavar de seus pecados os crentes, no sangue de Cristo, de modo que pudessem depois disso seguir sempre um proceder justo. — Romanos 6:11-23; 1 Coríntios 6:9-11.

VII. Se alguns de nós, quais cristãos dedicados, sucumbíssemos a pessoas ímpias e nos tornássemos escravos do pecado, visando a satisfação carnal egoísta, estaríamos ‘mostrando-nos falsos’[7] Aquele que nos comprou com seu sangue precioso. Estaríamos repudiando a Jesus Cristo qual Dono e Senhor. (1 Coríntios 7:22, 23) Visto que está em reserva a destruição para os que fazem isso, quão vital é que resistamos a tais homens iníquos!

VIII. Atualmente, uns poucos que se têm associado à igreja de Deus têm procurado promover ensino falso e conduta desenfreada. Esses indivíduos inescrupulosos desrespeitam as normas justas de Deus e representam um perigo real para os cristãos leais.

IX. Lamentavelmente, seguidores de Jesus Cristo diligentes e de inclinação justa podem ser influenciados pelo ensino falso e pela conduta desenfreada. O forte conselho de Judas, porém, fortalecerá os fiéis de modo que não sucumbam a tais esforços satânicos para destruir a relação deles com Deus. E esperamos que, à medida que continuarmos a nossa consideração da carta inspirada de Judas, possamos nos tornar melhor preparados para ‘travar uma luta árdua pela fé’.


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Notas

[1] The apostle now gives “reason” for thus defending the truth, to wit, that there were artful and wicked men who had crept into the church, pretending to be religious teachers, but whose doctrines tended to sap the very foundations of truth. The apostle Peter, describing these same persons, says, “who privily shall bring in damnable heresies.” See the notes, 2Pe 2:1. Substantially the same idea is expressed here by saying that they “had crept in unawares;” that is, they had come in “by stealth;” they had not come by a bold and open avowal of their real sentiments. They professed to teach the Christian religion, when in fact they denied some of its fundamental doctrines; they professed to be holy, when in fact they were living most scandalous lives.
[2] A maioria das versões em inglês sas usar o verbo “creep” (rastejar, arrastar-se no chão) ou “worn” (arrastar-se, rastejar como um verme. Relativo a “minhoca”)
[3] Vincent’s Word Studies.
[4] Cf. He 11:5.
[5] Todas as menções da versão LXX não tiradas da tradução Inglesa de Sir Lancelot Charles Lee Brenton, originally published in 1851.
[6] Atos que refletem uma atitude descarada, uma atitude que mostra desrespeito, até mesmo desprezo, para com a lei e a autoridade. A palavra hebraica zimmáh é traduzida por “conduta desenfreada” e “moral desenfreada”. (Le 18:17; 19:29) O termo grego asélgeia (conduta desenfreada) também pode ser vertido por “licenciosidade; libertinagem; impudicícia; conduta lasciva”. (Gál 5:19 n.; 2Pe 2:7 n.) Nenhum destes termos se restringe à imoralidade sexual. As Escrituras classificam como conduta desenfreada coisas tais como estupro por bando (Jz 19:25; 20:6), prostituição (Je 13:27; Ez 23:44) e derramamento de sangue (Sal 26:9, 10; Ez 22:9; Os 6:9). “Homem sem princípios” é aquele de quem se diz que trama conduta desenfreada, e aqueles para quem tal conduta é “como um divertimento” são classificados como estúpidos, ou moralmente imprestáveis. — Is 32:7; Pr 10:23.
[7] O fato de não viverem em harmonia com a fé cristã, embora estes se denominassem assim, mostravam que eles eram falsos para com a fé no Senhor Jesus Cristo, e eles por sua vez se encaixavam na descrição que o apóstolo Paulo deu em II Timóteo 3:5.