Comentário da Carta de Tiago 4:10-11

comentario da carta de tiago 4.10 Humilhai-vos aos olhos de Yahweh, e Ele vos enaltecerá...

Jesus Cristo disse: “Quem se enaltecer, será humilhado, e quem se humilhar, será enaltecido.” (Mat. 23:12) Visto que todos os pecados cometidos são contra Deus, temos de humilhar-nos perante ele. O filho pródigo disse ao pai: “Pai, pequei contra o céu e contra ti. Não sou mais digno de ser chamado teu filho. Faze de mim um dos teus empregados.” Vendo a condição do coração de seu filho, o pai o acolheu de volta, dando-lhe honra e um banquete para celebrar seu retorno. (Luc. 15:21-24) De maneira similar, o cobrador de impostos voltou para casa numa situação melhor perante Deus do que o fariseu que enalteceu a si mesmo, segundo a regra declarada de modo um pouco diferente pelo inspirado escritor Lucas: “Todo o que se enaltecer será humilhado, mas quem se humilhar será enaltecido.” (Luc. 18:14; 14:11)


O Rei Davi disse: “Os sacrifícios a Deus são um espírito quebrantado; um coração quebrantado e esmagado não desprezarás, ó Deus.” (Sal. 51:17) Nenhum sacrifício nos valerá qualquer coisa perante Deus a menos que reconheçamos nossos pecados, abrandemos qualquer dureza de coração e eliminemos qualquer atitude altiva ou leviana para com a nossa condição pecaminosa. Quando nos damos conta de que nós mesmos não somos nada e quando Deus é tudo para nós, então podemos esperar o seu favor. Teremos assim agora um sentimento de enaltecimento, visto que se tira o grande peso que nosso pecado impôs à nossa consciência. Deus reanimará o nosso espírito, e teremos franqueza no falar a outros sobre a sua benevolência e seus propósitos. (Sal. 51:10, 12, 13)


4.11 Cessai de falar uns contra os outros, irmãos...

Na parte precedente de sua carta, Tiago tratou do problema da soberba e da falta de humildade.

Esta pode ter sido a causa do problema de que passa a tratar agora, a saber, o de falar contra um irmão. (Veja o Salmo 101:5.) Visto que Tiago já tratara do assunto de se ‘amaldiçoar’ um irmão, algo que amiúde surge no calor da ira ou de ódio amargo, esta parte deve tratar de outro aspecto duma atitude errada para com um irmão. É a atitude fortemente crítica que agora recebe atenção.

Por dizer “irmãos”, Tiago enfatiza a magnitude do erro. Muitas vezes, é o desejo de se enaltecer que motiva alguém a falar contra outro, rebaixando-o e fazendo-o parecer inferior. O salmista disse a respeito de tal: “Estás sentado e falas contra o teu próprio irmão, e divulgas um defeito contra o filho da tua mãe.” (Sal. 50:20) Também, a atitude autojusta pode fazer com que alguém se incline a ser crítico dos outros, de suas ações e suas maneiras, a ponto de incriminá-los. (João 9:13-16, 28, 34) Não importa qual o motivo, tal conversa derrogatória não tem nenhum lugar legítimo entre irmãos na família da fé. (Veja Levítico 19:16; Provérbios 3:29, 30.) Por causa da pecaminosidade inerente, a tendência humana, nesta direção, é comum, e por isso o conselho de Tiago é de grande valor.

Quem falar contra um irmão ou julgar seu irmão...

É evidente que não é errado falar contra atos ou conduta condenados na Palavra de Deus. Os presbíteros cristãos, em especial, devem repreender, até mesmo com severidade, os empenhados em conduta vergonhosa; e todos na congregação têm a responsabilidade de mostrar sua desaprovação disso. (1 Cor. 5:1-5, 9-13; Efé. 5:3, 11; 2 Tes. 3:6, 11-15; 1 Tim. 5:20; 2 Tim. 4:2; Tito 1:9-13) Mas em todos os casos, as ações ou a conduta envolvidas são tais que a própria Palavra de Deus mostra serem pecaminosas. A palavra dele, a lei dele, fornece assim a repreensão e faz o julgamento. Os anciãos cristãos transmitem ou expressam fielmente esta repreensão divina e o julgamento declarado de Deus. O próprio Tiago dá tal repreensão na sua carta, mostrando vigorosamente o erro da adoração praticada em palavras, mas não em atos, da parcialidade, da dissensão e da luta entre irmãos. Então, em que está a diferença entre isso e o proceder agora considerado por Tiago?

O termo grego usado neste versículo e traduzido por “falar contra” descreve palavras que expressam hostilidade, rejeição, calúnia. Tem também o significado de acusar alguém, subtendendo-se uma base falsa ou exagerada para a acusação. (Veja seu uso em 1 Pedro 2:12.) Falar Tiago sobre “julgar” um irmão e continuar a tratar do julgamento, terminando a sua consideração com a pergunta: “Quem és tu para julgares o teu próximo?” indica que “falar contra um irmão” significa censurá-lo, criticá-lo duramente, condená-lo, sem justa causa. Isto importa numa expressão de julgamento contra o irmão, quer contra sua pessoa, quer contra seus modos ou sua motivação. Constitui fazer uma avaliação de seu valor moral de maneira adversa que não se justifica. O erro é aumentado quando esta conversa condenatória é feita pelas costas do acusado.

Neste respeito, quanto à palavra “ou”, na frase “falar contra um irmão ou julgar seu irmão”, o erudito grego Lenski diz: “‘Ou é conjunção, não disjunção”, quer dizer, indica que “falar contra” e “julgar” são ações relacionadas, não desconexas.

Fala contra a lei e julga a lei...

Tiago declara que tal crítica injusta, dura e nada bondosa a um irmão cristão importa em falar contra a lei e em julgamento dela. Já antes, na sua carta, Tiago referiu-se à “lei régia” do amor ao próximo e à “lei dum povo livre”. (Tia. 2:8, 12) De modo que parece que, nesta parte em consideração, Tiago não se refere à lei mosaica, mas à lei de Deus em geral, conforme se aplica à congregação cristã. Conforme salienta o erudito Lenski, a palavra “lei”, no grego, é aqui classificada como anartra, quer dizer, sem o artigo definido “a” (que precisa ter em português), e isso tende a apoiar o conceito de que Tiago não se refere especificamente à lei mosaica (“a lei”, em grego). Pode-se observar, porém, que a “lei régia” do amor ao próximo era implícita no pacto da Lei. De fato, Jesus disse que toda a Lei (dada a Israel por intermédio de Moisés) baseava-se apenas em dois mandamentos, o amor a Deus e o amor ao próximo. (Veja Levítico 19:18; Mateus 22:37-40; Romanos 13:8-10.) De maneira similar, o “novo mandamento” dado por Jesus também dá ênfase a tal amor. (João 13:34; 15:12) Todos os inspirados escritos cristãos mantêm esta ênfase.

Então, como é que a ação descrita aqui constitui falar contra a lei e julgá-la? Podemos encontrar um paralelo disso no que Jesus esclareceu na sua condenação dos escribas e fariseus. Haviam falado contra ele e seus discípulos, acusando-os de não terem devoção piedosa, de terem motivação errada, e de se empenharem em atos injustos, tais como a violação do sábado. Mas faziam isso à base de normas que eles mesmos haviam estabelecido (como quando acusaram os discípulos de comerem com “mãos aviltadas”), ou por irem além dos limites das leis de Deus (como ao condenaram os discípulos por eles apanharem, esfregarem e comerem grãos de cereal no sábado). Jesus disse-lhes que estavam “deixando o mandamento de Deus [para se apegarem] à tradição de homens”, e que ‘invalidavam a palavra de Deus’ pelas tradições transmitidas, que usavam como base para julgar. (Mar. 7:1-9, 13; Luc. 6:1, 2; 11:38; 14:1, 3; João 9:16) Haviam-se ‘sentado no assento de Moisés’, o qual fora usado de modo especial por Jeová, como legislador e juiz de Israel; e embora proclamassem zelosamente o que estava registrado na lei de Deus, passaram a acrescentar coisas a ela e a impor ao povo muitas tradições penosas. (Mat. 23:1-4; Atos 7:35-38) Visto que o povo comum não guardava a Lei segundo as normas deles, consideravam os outros “como nada” quanto a seu valor moral e os julgavam como ‘amaldiçoados’. (Luc. 18:9-12; João 7:49)

Procedendo assim, falavam contra a lei e a julgavam. Presumiam ter a prerrogativa e a autoridade de dar-lhe sua própria interpretação, de ampliá-la ou de salientar uma parte, negligenciando outra. Jesus disse-lhes que tinham escrúpulos em questões menores e mostravam pouca preocupação com as maiores, que desconsideravam “os assuntos mais importantes da Lei, a saber, a justiça, a misericórdia e a fidelidade”. (Mat. 23:16-24) Em Mateus 7:1-5, Jesus disse aos seus discípulos que deviam evitar tal proceder errado de julgar seus irmãos.

Ainda em outro sentido, falar contra um irmão (talvez de maneira difamatória) ou julgá-lo é ‘falar contra a lei’ no sentido de que não contribui para a boa ordem e paz. O Salmo 119:165 diz: “Paz abundante pertence aos que amam a tua lei.” Se muitos numa congregação fizerem críticas duras e julgamentos injustos, isso poderá levar praticamente à anarquia. O resultado seria assim como o apóstolo Paulo advertiu, depois de aconselhar os da congregação gálata a que se amassem uns aos outros: “Se vós, porém, persistis em morder-vos e em devorar-vos uns aos outros, acautelai-vos de que não fiqueis aniquilados uns pelos outros.” (Gál. 5:13-15)

De modo que o conselho de Tiago certamente era necessário. Na congregação cristã de Roma, por exemplo, havia problemas por causa do costume de fazerem “decisões sobre questões subjetivas [discriminações de raciocínios, Interlinear]”. Aqueles cuja consciência lhes permitia fazerem certas coisas e se refrearem de outras estavam ‘menosprezando’ aqueles cuja consciência não lhes permitia isso, ao passo que estes últimos ‘julgavam’ os primeiros como empenhados em proceder errado. (Rom. 14:1-3) Paulo exortou-os a que, em vez de presumirem criticar e julgar os outros, fossem controlados e motivados pelo amor, evitando, preocupados com o bem-estar espiritual de seus irmãos, as coisas que os fariam tropeçar ou cair. (Rom. 14:13-15, 19-21; 15:1-3; veja 1 Coríntios 8:4, 7-13.)

O conselho de Tiago harmoniza-se com o de Paulo. O cristão, de modo algum, está proibido de ter sua própria opinião, mesmo uma opinião firme, em tais assuntos de decisão pessoal. O que é condenado não é formularmos nosso próprio juízo, mas usarmos tal conceito ou decisão pessoal como base para acusar e julgar nosso irmão. (Veja Romanos 14:5, 22, 23.) Se fizermos isso, arvoraremos a nós mesmos em juiz de nosso irmão; encararemos a nós mesmos como superiores a ele, com o direito de rejeitar a decisão pessoal dele em tais assuntos e de condená-lo. (Veja 1 Coríntios 10:29, 30.)

Ora, se tu julgas a lei, não és cumpridor da lei, mas juiz...

O dever do cristão é obedecer à lei de Deus, não arvorar-se em crítico. Visto que a Lei ordena que amemos nosso irmão, bem como os outros, então, quando alguém critica duramente seu irmão e o julga, ele não o ama, e, com isso, não é cumpridor, mas violador da “lei régia”. (Veja Efésios 4:31, 32; 5:1, 2.) Não somente isso, mas, na realidade, ele se retira do nível comum daqueles que estão sujeitos à lei e eleva-se à posição superior de juiz.

‘Julgar ele a lei’ pode ocorrer de diversas maneiras. Por não encarar todas as suas ordens como obrigatórias para ele — inclusive a de amar o próximo e de se refrear de acusá-lo injustamente — ele julga assim parte da lei como não merecendo a obediência dele. Por condenar seu irmão em assuntos em que a lei de Deus não condena, de fato, ele está julgando essa lei como inadequada, incapaz de desempenhar devidamente a sua função como base para o julgamento, e, portanto, como não estando escrita da maneira em que devia ter sido e como precisando dos acréscimos ou ajustes que ele faria. Nos dias de Tiago, alguns cristãos queriam apegar-se à observância da lei judaica, e, com o tempo, criticavam os irmãos que não o faziam e falavam contra eles. Por fazerem isso, achavam defeito na “lei dum povo livre”, sobre a qual Tiago fala. Julgavam a não-observância do código da lei mosaica como imprudente, imprópria e possivelmente contribuinte para desenfreio e transgressão. (Veja Colossenses 2:16, 17, 20-23; Hebreus 8:10-13.)