Comentário de João Calvino: João 1:13

A vontade da carne e a vontade do homem parecem pra mim se referir a mesma coisa; pois eu não vejo razão do porque a carne deva significar mulher, como Augustinho e muitos outros explicam. Ao contrário, o Evangelista repete a mesma coisa em uma variedade de palavras, a fim de explicá-la mais plenamente, e a expressa mais profundamente na mente dos homens. Embora ele se refira diretamente aos Judeus, ainda assim dessa passagem uma doutrina geral pode ser obtida: que nosso reconhecimento como filhos de Deus não pertence a nossa natureza, e não procede de nós, mas porque Deus nos gerou voluntariamente (Tiago 1:18) ou seja, do amor imerecido. Portanto seguisse, primeiro, que a fé não procede de nós mesmo, mas é um fruto da regeneração espiritual; pois o Evangelista afirma que nenhum homem pode acreditar, a menos ele seja nascido de Deus; e, portanto, a fé é um dom celestial. Seguisse, secundariamente, que a fé não é um mero e frio conhecimento, visto que nenhum homem pode crer se não tiver sido renovado pelo Espírito de Deus.
Pode ser pensado que o Evangelista troca a ordem natural por fazer a regeneração preceder a fé, ao passo que, ao contrário, é um efeito da fé, e, portanto, deve ser colocado depois. Eu respondo que ambas as afirmações concordam perfeitamente; porque pela fé nós recebemos a semente incorruptível, (1 Pedro 1:23) pela qual nós nascemos de novo para uma vida nova e divina. E ainda assim a própria fé é uma obra do Espírito Santo, que habita em ninguém a não ser nos filhos de Deus. Portanto, e vários sentidos, a fé é uma parte de nossa regeneração, e a entrada no reino de Deus, para que Ele possa nos considerar seus filhos. A iluminação de nossas mentes pelo Espírito Santo pertence a nossa renovação, e assim a fé vem da regeneração como fonte; mas visto que é a mesma fé que nós recebemos Cristo, que nos santifica pelo seu Espírito, por esta razão nos é dito como sendo o início de nossa adoção.
Uma outra solução, ainda mais plena e fácil, pode ser oferecida; pois quando o Senhor sopra fé em nós, ele nos regenera por meios que ainda são desconhecidos e escondido de nós; mas depois de termos recebido fé, nós percebemos, pelo sentimento vívido da consciência, não apenas a graça da adoção, mas também a novidade de vida e outros dons do Espírito de Deus. Pois visto que a fé, como temos dito, recebe a Cristo, nos coloca em possessão, por assim dizer, de todas as suas bênçãos. Portanto, até onde sabemos, é apenas depois de termos crido – que nós começamos a ser filhos de Deus. Mas se a herança da vida eterna é o fruto da adoção, nós vemos como o Evangelista aponta a nossa inteira salvação para Cristo apenas; e, de fato, quão próximo qualquer homem possa se examinar, ele não achará nada que seja digno de ser filho de Deus, exceto o que Cristo tem derramado sobre eles.