Comentário de João Calvino: Gênesis 28:12

E sonhou. Moisés aqui ensina oportunamente, e (como podemos dizer) no momento crítico, que o Senhor socorreu Seu servo. Pois quem não teria dito que o santo Jacó foi negligenciado por Deus, visto que ele foi exposto à invasão de animais selvagens e desagradáveis, para qualquer tipo de dano da terra e do céu, e encontrou em nenhuma parte qualquer ajuda ou consolo? Mas quando ele foi assim reduzido a necessidade passada, de repente, o Senhor estende sua mão para ele, e maravilhosamente alivia seus problemas por um oráculo notável. Com, portanto, uma perseverança invencível, que Jacó tinha antes brilhado, agora o Senhor nos dá um exemplo memorável de Seu cuidado paternal para com os fiéis. Três coisas que estão aqui para serem notadas em sua ordem: Primeiro, que o Senhor apareceu a Jacó em sonho, em segundo lugar, a natureza da visão, como descrita por Moisés, em terceiro lugar, as palavras do oráculo. Quando se fala de um sonho, não há dúvida que o modo de revelação é significado, que o Senhor anteriormente estava acostumado a adotar essa forma para com os seus servos. (Num 12:6.) Jacó, portanto, sabia que esse sonho foi divinamente enviado para ele, como um diferente dos sonhos comuns, e isto é anunciado nas palavras de Moisés, quando ele diz que Deus lhe apareceu em sonho. Pois Jacó não podia ver a Deus, nem percebê-lO presente, a menos que Sua Majestade tivesse sido distinguível por determinadas marcas.

E eis uma escada. Aqui a forma da visão é relacionada, que é muito pertinente ao assunto, ou seja, que Deus manifestou-se como sentado em cima de uma escada, onde as partes extremas tocavam o céu e a terra, e que era o veículo dos anjos, que desciam do céu sobre a terra. A interpretação de alguns dos hebreus, de que a escada é uma figura da Divina Providência, não pode ser admitida, porque o Senhor deu um sinal mais próprio. [1] Mas, para nós, que nos apegamos a este princípio, de que a aliança de Deus foi fundada em Cristo, e que o próprio Cristo era a imagem eterna do Pai, em que Ele se manifestou para os santos patriarcas, não há nada nessa visão complexa ou ambígua. Porque, visto que os homens estão alienados de Deus pelo pecado, embora Ele preencha e sustente todas as coisas por seu poder,[2] ainda que a comunicação através do qual Ele gostaria de chamar-nos a Si mesmo não seja percebida por nós, mas, por outro lado, de tanto que estamos na variância com Ele, que, considerando-O como negativo para nós, nós, por nossa vez, fugimos de Sua presença. [3] Além disso, os anjos, a quem é cometida a tutela da raça humana, embora aplicando-se tenazmente a seu ofício, ainda não se comunicam conosco de tal forma que nos tornamos conscientes de Sua presença. É Cristo, portanto, que liga o céu e a terra: Ele é o único Mediador que chega do céu para a Terra: Ele é o meio através do qual a plenitude de todas as bênçãos celestiais fluem para nós, e através do qual, por sua vez, ascendemos para Deus. Ele é que, sendo a Cabeça sobre os anjos, leva-os a ministrar aos Seus membros terrenos. Desta forma, (como se lê em João 1:51), Ele corretamente afirma para Si mesmo esta honra, que depois que Ele foi manifestado no mundo, os anjos sobem e descem. Se, então, podemos dizer que a escada é uma figura de Cristo, a exposição não será forçada. Pela semelhança de uma escada que se adapte bem ao Mediador, através de Quem os anjos, a justiça e a vida, com todas as graças do Espírito Santo, descem até nós passo a passo. Nós também, não só fomos fixados à terra, mas mergulhados nas profundezas da maldição, e para o próprio inferno, agora ascendemos até Deus. Além disso, o Deus dos Exércitos está sentado na escada, porque a plenitude da Divindade habita em Cristo, e, portanto, também é onde chegamos ao céu. Pois, embora todo o poder esteja comprometido em Sua natureza humana, pelo Pai, Ele ainda não deveria verdadeiramente sustentar a nossa fé, a menos que fosse Deus manifestado na carne. E o fato de que o corpo de Cristo é finito, não o impediu de encher o céu e a terra, porque a Sua graça e poder estão em toda parte difundidos. Daí, também, o testemunho de Paulo, que Ele subiu ao céu para que Ele possa cumprir todas as coisas. Aqueles que traduzem a partícula על (al) com a palavra “próximo”, destroem completamente o sentido da passagem. Pois Moisés pretende declarar que a plenitude da divindade habitou na pessoa do Mediador. Cristo não só se aproximou de nós, mas se vestiu de nossa natureza, para que Ele pudesse fazer-nos um com Ele mesmo.[4] Que a escada era um símbolo de Cristo, é também confirmado por esta consideração, de que nada era mais adequado do que Deus devesse ratificar a Sua aliança de salvação eterna em Seu Filho ao Seu servo Jacó. E, portanto, nós sentimos alegria indizível, quando ouvimos que Cristo, que até agora supera todas as criaturas, contudo, se juntou a nós. A majestade, na verdade, de Deus, que aqui apresenta-se visivelmente para que se possa ver, deveria inspirar terror, de modo que todo joelho se dobre em Cristo, que todas as criaturas olhem para Ele para adorá-lO, e para que toda a carne deva se manter em silêncio diante de Sua presença. Mas sua imagem simpática e bela, é ao mesmo tempo representada, para que saibamos por sua ascendência, que o céu se abriu para nós, e que os anjos de Deus se tornam familiares para nós. Por conseguinte, temos uma sociedade fraterna com eles, visto que o Cabeça, tanto deles como nosso, tem a sua estação na terra.

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Notas:
[1] Qualquer força e verdade, assim como beleza, que possa haver na exposição de Calvino do que se segue, parece ter sido julgado precipitadamente do parecer dos judeus, de que a visão era simbólica da Divina Providência. As circunstâncias de Jacó pareciam exigir algumas sugestões, como da Divina proteção e cuidados durante a sua viagem, como esta interpretação da visão apresenta. E em todos os sentidos da passagem, assim entendida, é útil e encorajador. Não há, no entanto, nenhuma necessidade de causa, de que a maior interpretação mística, na qual Calvino exclusivamente insiste, é aplicável de forma legítima, como transmitindo a final e, em suma, o significado mais importante da visão. O leitor pode consultar o 123d Exercitation of Rivetus sobre este assunto. - Rivetus em Gênesis, p. 602
[2] Cf. Hebreus 1:3. N do T.
[3] Cf. Gn 3:10; 4:14. N do T.
[4] Cf. Jo 17:21. N do T.

Fonte: John Calvin's Bible Commentary, da The Calvin Translation Society (1509-1564)