Os Evangelhos como Obras Literárias

Os Evangelhos como Obras Literárias
Os Evangelhos como Obras Literárias(Enciclopédia Bíblica Online)

O movimento cristão deve a sua existência à pessoa e obra de Jesus Cristo, seu Fundador e Seu Chefe. Com exceção de algumas narrações fragmentárias, as crônicas autênticas da Sua vida estão contidas semente nos quatro Evangelhos, o de Marcos e o de Mateus, o de Lucas e o de João, que desde o mais primitivo período da sua história são considerados canônicos pela cristandade. Embora tivesse havido muitos outros evangelhos que pretendiam narrar fatos da Sua vida que não estão registrados nos famosos quatro, esses evangelhos apócrifos são geralmente de data tardia e não merecem confiança. Contêm poucas descrições que não sejam uma repetição do conteúdo dos evangelhos canônicos, e muito do que acrescentam é obviamente fantasista e lendário. Além disso, a sua linguagem denuncia que foram escritos para apoiar as opiniões de alguma seita particular que não representava a principal corrente do cristianismo histórico ou uma rebelião contra o cristianismo histórico.

Taciano, cristão sírio do segundo século (170 d.C.), que ideou a primeira harmonia dos evangelhos de que há alguns vestígios, usou na sua obra apenas os quatro, embora deva ter conhecido os outros. Ireneu, bispo de Leão e Viena, que viveu por 180 d.C., produziu uma curiosa teoria acerca dos Evangelhos (1):

Não é possível que os Evangelhos sejam em maior ou menor número do que são. Pois, desde que há quatro zonas no mundo em que vivemos e quatro ventos principais, enquanto que a Igreja está espalhada por todo o mundo e o “pilar e o fundamento” da Igreja é o Evangelho e o espírito de vida; é próprio que ela tivesse quatro pilares, respirando imortalidade por cada lado e vivificando de novo os homens.

As razões de Ireneu para crer que deveria haver semente os quatro Evangelhos podem parecer-nos forçadas, mas ainda que as não tenhamos como válidas, o seu contexto indica-nos que o conteúdo das crônicas evangélicas estava a ser discutido no seu tempo e que êle defendia vigorosamente a veracidade dos evangelhos canônicos que aparecem na Bíblia. Diz ele, de fato (2):

Mas que só estes Evangelhos são verdadeiros e dignos de confiança, e que não pode haver nem aumento nem diminuição do referido número, já o provei por meio de muitos e tais (argumentos).

Quer na base da evidência interna, quer na da externa, estas obras mantêm-se indubitàvelmente por si próprias na sua classe.

A aproximação inicial dos Evangelhos neste livro trata com eles como obras separadas, de quatro autores diferentes para quatro diferentes grupos de destinatários. O problema gerado pelas suas coincidências e diferenças será considerado mais tarde. E óbvio que eram lidos separadamente, quando apareceram, digamos assim, em primeira edição, e não estudados como partes de um conjunto canônico; e cada um dêles era considerado pelo seu autor e pelos seus leitores como uma narração completa para os seus objetivos.

Embora cada autor compreendesse que não produzia uma descrição ou crônica pormenorizada de cada ato de Jesus (cf. Jo 20:30; 21:25), considerava, no entanto, a sua obra como suficiente para transmitir a mensagem ou impressão que tinha sido encarregado de apresentar (Jo 20:31; Lc 1:4). Por esta razão pode legitimamente concluir-se que cada um dos Evangelhos devia ser estudado inicialmente como uma unidade literária, independentemente das suas relações com qualquer ou com todos os outros três. Há valor no estudo comparado da vida de Cristo, que se esforça por colocar juntas as partes biográficas dos Evangelhos numa história seguida; mas, por vêzes, é obscurecido o significado particular de cada Evangelho quando a narrativa é acentuada pela sua quádrupla interpretação.

Por esta razão consideraremos o caso de cada Evangelho separadamente dos outros e analisá-lo-emos no seu contexto histórico e literário para averiguar qual seja a sua feição particular. Os Evangelhos não são considerados na ordem cronológica da sua produção ou da sua publicação, mas sim na ordem em que ocorrem nas modernas versões com que lidamos. Cada um será apresentado pela sua ordem com uma breve introdução e com uma análise condensada do seu conteúdo.


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NOTAS
(1) Ireneu. Adv. Haer., IV, xi, 8.
(2) Op. cit., III, xi, 9.