O que é um Evangelho?

O que é um Evangelho?O que é um Evangelho?


Os evangelhos têm importância fundamental como fonte de conhecimento sobre o nascimento, ministério, morte e ressurreição do nosso Senhor Jesus. O estudioso católico do NT Alfred Wikenhauser escreve na sua Introdução ao NT: “Os evangelhos são os livros mais importantes do NT. A eles devemos quase que exclusivamente tudo que sabemos sobre Jesus Cristo, sobre a sua vida e ministério, sofrimento e morte.”

De fato, nos outros escritos do NT descobrimos pouco sobre a vida e o ministério de Jesus. Paulo interpreta a morte e a ressurreição de Jesus nas suas cartas. Ele transforma em cântico de louvor as suas percepções sobre a humanidade, a vida, a morte na cruz e a exaltação de Jesus em Filipenses 2.6-11. Ele cita as palavras que Jesus pronunciara na instituição da ceia (1Co 11.23-25). Ele faz uma lista das testemunhas que viram o Cristo ressurreto (1 Coríntios 15.3-8). Em três passagens ele se baseia em palavras de Jesus: 1Co 7.10; 1Co 9.14; 1Ts 4.15s. Nas exortações em questões de ética ele coloca os ensinos e as atitudes de Jesus como modelo (Ef 4.20ss; referências indiretas podem ser observadas em Rm 12). Em 1 Timóteo 6.13 é mencionado o processo contra Jesus diante de Pilatos. A batalha da oração no Getsêmane pode ser vista como pano de fundo do texto de Hebreus 5.7s. Pedro se refere à história da transfiguração em 2Pedro 1.16-18. Finalmente notamos também que os sermões evangelísticos de Atos se referem à vida, morte e ressurreição de Jesus (At 2.36; 3.12-26; 10.34-43; 13.16-38).

Mas isso é tudo que conseguimos de informações sobre a vida e o ministério de Jesus nos outros escritos do NT. É fato que a observação de Wikenhauser, quando diz: “o que está nos outros livros do NT sobre a vida e o ministério de Jesus é muito escasso” é correta, mas não pode ser absolutizada.

Existem também evangelhos apócrifos, que não foram considerados canônicos pela igreja antiga. Eles contêm vários relatos sobre Jesus. Mas essas informações só podem ser aceitas como confiáveis sob algumas condições. Cada informação contida nesses relatos precisa ser testada à luz dos evangelhos canônicos.

Na literatura profana há indicações sobre a vida e a morte de Jesus em Tácito e Josefo, entre outros.

Disso concluímos: o que sabemos sobre Jesus tiramos sobretudo dos quatro evangelhos. O valor deles nesse aspecto é incalculável.

Que fez com que esses livros tão importantes do NT passassem a ser chamados de evangelhos?

O termo grego euangelion significa no seu contexto original “pagamento pela transmissão de uma boa notícia”. Disso se desenvolveu, com o passar do tempo, a expressão “boa notícia” ou “notícia de vitória”. Ela significa também que o vencedor fará as suas exigências valerem para os cidadãos.

Em pouco tempo, no entanto, esse termo assumiu um tom religioso no império romano de fala grega por causa do culto a César. No império romano, o imperador era venerado como salvador (sotêr) e até como deus. O anúncio de seu nascimento e de sua subida ao trono era considerado euangelion. Esse conceito fica evidenciado pela inscrição no calendário de Priene do ano 9 a.C.: “O nascimento do deus foi para o mundo o início das novas de alegria, que por causa dele aconteceram”. Chama a nossa atenção o fato de que não só nesse documento, mas também freqüentemente no contexto extra-bíblico se fala das novas de alegria (euangelia), enquanto o NT só usa o termo evangelho no singular.

A versão grega do AT traduz o termo hebraico besorah por euangelion. O termo é derivado da raiz bisar. No sentido profano significa proclamar uma notícia de alegria (2Sm 18.20,25,27; 2Rs 7.9). Quando usado no contexto religioso, o termo significa a salvação vindoura, a época da salvação que terá início no fim dos tempos. “O mensageiro das novas de alegria anuncia a vinda da salvação e ele mesmo traz o seu início” (Is 52.7-10)6.

É nesse sentido que Jesus se apresentou como o mensageiro da alegria, como mostra a sua pregação na sinagoga de Nazaré, sua cidade natal (Lc 4.16-21). Também quando responde à pergunta bastante crítica de João Batista sobre quem ele era, Jesus faz alusões aos sinais dos tempos, ligados à época da salvação, que estavam acontecendo por intermédio dele (Mt 11.5).

Por isso Paulo compreendeu que Jesus era o conteúdo do evangelho: a sua vinda, o seu ministério na terra, o seu sofrimento e morte, e a sua ressurreição (Rm 1.1-9; 15.19; 1Co 9.12,18).

Segundo ele, evangelho é a mensagem salvífica de Jesus Cristo. Evangelho é, portanto, mensagem proclamada, “um conceito não literário”, tudo menos um livro.

Como foi que esse termo passou a denominar um livro? De acordo com as informações que temos, isso está relacionado ao evangelho de Marcos. O seu escrito começa com as palavras “Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1.1). Segue então a descrição do ministério público de Jesus, a sua morte e a sua ressurreição. Com isso foi introduzido um novo estilo literário, para o qual não havia paralelo naquela época.

Evidentemente o mundo antigo produziu biografias de pessoas importantes. Mas os evangelhos não são descrições da vida de Jesus. Eles não mostram interesse pela aparência externa nem pelo seu desenvolvimento interior ou exterior. Os dados biográficos são escassos. Os evangelhos não evidenciam os motivos da ação de Jesus. A seqüência cronológica exata dos fatos não é apresentada.

Em vez disso os evangelhos são proclamação sobre Jesus Cristo em forma escrita no sentido de registrarem os atos e as palavras de Jesus. O objetivo disso é despertar e fortalecer a fé, como está explicitamente declarado em João 20.31.

Quais são as características desse novo estilo literário?8 Esse estilo está intimamente relacionado à tradição. Os autores desses livros não são escritores que relatam histórias ou reflexões próprias. Parte deles são testemunhas oculares dos fatos, ou discípulos de testemunhas oculares. Eles estão profundamente ligados à tradição apostólica transmitida e preservada pela igreja. Eles juntam o material transmitido e o ordenam, depois o transmitem adiante e também passam a fazer parte da tradição. Eles estão comprometidos com as palavras faladas e com os atos de Jesus.


Os quatro evangelhos nos transmitem o ministério público de Jesus de forma semelhante. O ministério de Jesus começa com o batismo de João Batista e está determinado por seus discursos e atos. No final do ministério está a história do sofrimento que se encerra com o relato do encontro com o ressurreto.

Os quatro evangelhos querem anunciar Jesus Cristo aos seus leitores e fazem isso ao contarem os acontecimentos da vida dele. Eles fazem a continuação daquilo que começou no dia de Pentecostes em Jerusalém: anunciam os grandes atos de Deus e evidenciam o que isso significa para a vida dos seus leitores. Mas sempre se trata do evangelho único de Jesus Cristo.

Daí se conclui que a Igreja antiga estava certa ao denominar os evangelhos como Evangelho segundo Marcos, Evangelho segundo Mateus, Evangelho segundo Lucas e Evangelho segundo João. O evangelho único foi recebido por várias testemunhas que o registraram de forma escrita e o transmitiram adiante. Mas por que razões o evangelho foi colocado em forma escrita?

Poderíamos pensar que a importância do evangelho em forma escrita cresceu com a morte dos apóstolos, alguns como mártires. Mas é provável que já bem antes da morte deles o registro escrito tenha se tornado muito importante. A expansão da igreja cristã exigia a transmissão do evangelho por meio de um texto exato e igual para todos os locais em que era pregado.

O texto era dirigido aos recém-convertidos a Jesus. Eles precisavam saber quem é esse Jesus em quem cremos, o que ele disse e o que fez. Também no encontro com críticos contemporâneos os cristãos daquela época necessitavam de informação confiável sobre a fé, e para isso um relato escrito era urgente (cf. Lc 1.1-4). Nas leituras no culto precisavam de lecionários nos quais estava anotada a leitura para cada domingo. Para confeccioná-los, textos escritos eram necessários.

Os evangelhos surgiram, portanto, das necessidades práticas da igreja cristã emergente que levava a sério e cumpria a sua tarefa missionária e discipuladora. Os evangelhos eram e são até hoje o fundamento da proclamação a respeito de Jesus Cristo.