FILHO DO HOMEM — Introdução
FILHO DO HOMEM — Introdução
O ponto de vista teológico, uma das designações messiânicas mais importantes nos Evangelhos Sinópticos é o Filho do Homem. Três fatos são de importância superlativa. Na tradição registrada nos evangelhos o Filho do Homem foi o modo favorito de Jesus fazer referência a si próprio; de fato, é o único título que ele utilizou livremente. Em segundo lugar, o título nunca é usado por ninguém mais para designar a Jesus. Em terceiro lugar, não há evidência em Atos ou nas epístolas de que a igreja primitiva tenha chamado Jesus de Filho do Homem. A única ocorrência do titulo fora dos Evangelhos é a encontrada na visão de Estêvão (Atos 7:56). Os Evangelhos o colocam nos lábios de Jesus mais de sessenta e cinco vezes. O fato de que o título nunca tenha sido usado como uma designação messiânica para Jesus na igreja primitiva, é algo marcante.
Os patriarcas da igreja interpretaram a frase como uma referência primária à humanidade do Filho de Deus encarnado. Jesus era o Deus-homem, o Filho de Deus e o Filho do Homem. Muitas das discussões e comentários mais antigos assumem este significado teológico da frase, interpretando-a como se fundamentalmente fizesse referência à humanidade de Jesus e à sua identidade com os seres humanos. (Cf. W. Hoyt, The Teaching of Jesus concerning His Own Person (1909), 87-121; B. F. Westcott em The Bible Commentary: The NT, 2:33-35; A. Plummer, The Gospel according to Saint John (1882), 88-89.) Essa interpretação incorre em erro, porque negligencia o contexto histórico e a importância da expressão.
Uma objeção à descrição encontrada nos Evangelhos é que Jesus jamais poderia ter aplicado este título a si mesmo, em virtude do título não existir em aramaico - a língua materna de Jesus - e, por razões linguísticas, o termo é considerado como um vocábulo impossível. E verdade que a expressão grega, ho huios tou anthrõpou é uma forma intolerável no grego e é uma tradução literal do aramaico bar 'nãsã'. Essa expressão idiomática pode simplesmente significar “homem”. Isto fica patente quando analisamos o Antigo Testamento. “Deus não é homem, para que minta; nem filho de homem, para que se arrependa” (Nm. 23:19). “SENHOR, que é o homem, para que o conheças, e o filho do homem, para que o estimes?” (Salmos 144:3). Esse argumento foi cuidadosamente examinado por Dalman, que concluiu que, embora não seja um título comum, poderia ser usado como uma designação messiânica na fraseologia elevada da poesia e da profecia. (Veja G. Dalman, The Words of Jesus (1909), 234-41.)
De fato é estranho, se é que o argumento linguístico possui qualquer peso, que a expressão nunca seja usada nos Evangelhos como uma paráfrase para designar a humanidade, um argumento que é particularmente forte, em vista do fato de que a forma plural, os filhos dos homens, ocorre em Marcos 3:28. A conclusão de Dalman de que a expressão Filho do Homem poderia ser um título messiânico é amplamente aceita na erudição bíblica contemporânea.
Uma outra objeção suscitada diz que a frase “Filho do Homem” nos lábios de Jesus não tem outro significado senão o de funcionar como substituto para o pronome da primeira pessoa, e, consequentemente, não tem outro significado além de “Eu”. (Cf. as referências em J. W. Bowman, The Intention of Jesus (1943), 122-25. Veja J. Jeremias, NT Theology (1971), 260-62.) Há poucas ocorrências que sugerem tal uso (cf. Mt. 5:11 comparado com Lc. 6:22); porém novamente Dalman assinala que não era um costume generalizado entre os judeus falar a respeito da própria pessoa na terceira pessoa e, se Jesus o fez, o termo que empregou para tal propósito foi tão incomum que requer uma explicação especial. (G. Dalman, The Words of Jesus, 249-50)
O modo pelo qual uma expressão comum pode transformar-se em um título técnico pode ser ilustrado, nos tempos modernos, pela expressão alemã “Der Führer”. A palavra significa simplesmente líder, guia, condutor, diretor; porém, aplicada a Hitler, torna-se uma designação técnica do líder do Império Alemão.
Várias perguntas devem ser discutidas em conexão com o título “Filho do Homem”. Que conotação teve para os contemporâneos de Jesus? Essa é uma consideração muito importante, pois deveria ser óbvio que Jesus não empregaria uma designação sem considerar o significado e as modulações de sentido que a mesma transmitiria aos seus ouvintes. Em segundo lugar, de que modo Jesus usa o título? E, finalmente, que conteúdo atribuiu à expressão? Qual o significado que procurou comunicar?