Comentário de Romanos 7:1-25 (J. W. Scott)
Romanos 7
Outra dificuldade envolvida na doutrina de ser a “justiça de Deus” um dom gratuito, ou “justificação somente pela fé”, era a posição ocupada pela lei. Esta quase que era adorada pelos judeus, sendo pura blasfêmia dizer que a fé tomava o seu lugar. Paulo agora passa a tratar desta questão de revogação da lei.
Emprega a ilustração da viúva emancipada, livre da lei do marido, por morte deste. Fica livre para casar de novo. A lei é suplantada, não vigora mais neste caso. De igual modo os crentes morrem relativamente à lei, por meio do corpo de Cristo (4); isto é, quer seja por causa da cruz, quer seja por meio da Igreja. Esta segunda interpretação da frase deve ser preferida. O “vós” torna-se “nós” (4) em virtude de virmos a pertencer ao corpo de Cristo, a totalidade de cujos membros constitui o corpo de que Cristo é a Cabeça. A ideia da analogia é que o crente, morrendo relativamente à lei, fica livre para se unir ao Senhor ressuscitado. O apóstolo aqui substitui o pecado pela lei; a mortificação do pecado, acompanhada de vida para a justiça, foi objeto do seu ensino no capítulo precedente. Agora insiste na emancipação pela morte. Segundo a carne (5) quer dizer a vida de indulgência pecaminosa; seu oposto é “segundo o espírito”. “Paixões pecaminosas” (5). Os dois estados de escravidão são outra vez contrastados pelas frases novidade de espírito e caducidade da letra (6); representam o estado da graça e o estado da lei.
Como vimos, Paulo em seu argumento substituiu o “pecado” pela “lei”. Este fato fez surgir, fosse no seu próprio espírito, fosse no dos seus críticos, a pergunta É a lei pecado? São idênticas as duas coisas? O homem regenerado morre para o pecado e para si mesmo, e assim morre para a lei. Qual é pois a relação que há entre pecado e lei? O apóstolo define a conexão entre os dois partindo de sua própria experiência pessoal. Nessa conformidade, este trecho é altamente autobiográfico, embora alguns comentadores tenham pensado que Paulo fala aí de modo genérico. O melhor parecer é que é o homem regenerado que aí fala de sua própria experiência. Não temos descrição da experiência da irregeneração per se, senão o retrospecto do homem justo, visto que somente este está em condições de avaliar a escravidão do pecado. Paulo considera típica sua própria experiência. A verdadeira relação entre a lei e o pecado é apresentada sob três aspectos.
1. A LEI REVELA O PECADO (Rm 7.7-8) - Eu não teria conhecido o pecado (má concupiscência ou cobiça) se a lei não dissera (7). Se não houvesse lei, não teríamos consciência da força do pecado, e assim estaríamos desapercebidos de sua existência. É isto com efeito um truísmo de ética, que não precisa de comentário. O pecado, tomando ocasião (8-11). O pecado, como qualquer estrategista militar, fez da lei uma espécie de “base de operações”. É este o sentido literal da palavra grega aphorme quando aplicada a operações militares. Significa “ponto de partida” e, assim, metaforicamente, “ocasião”, “incentivo”, “oportunidade” (cfr. 2Co 11.12; Gl 5.13). A alma, ignorando as proibições da lei, sente-se feliz no pecado que ela não reconhece; quando porém surge o conhecimento do pecado, este rebela-se contra a lei, que prossegue dizendo "Não farás" isto nem aquilo. E desta forma o pecado opera toda sorte de concupiscência (8).
2. A LEI ESTIMULA O PECADO (Rm 7.9-13) - Outrora, diz Paulo, eu vivia livre de qualquer consciência de pecado. Eu realmente vivia alheio à lei. Mas, sobrevindo o preceito (isto é, uma particular injunção da lei), reviveu o pecado (gr. anazen, dar um salto para a vida) e eu morri (9). A experiência do apóstolo era que a lei, decretada para promover a vida (cfr. Rm 10.5; Lv 18.5) pela obediência, resultou para ele em morte. Com efeito, mediante a lei, o pecado seduzindo-o (Cfr. Gn 3.13; 2Co 11.3; 1Tm 2.14) matou-o (11). Esta morte não significa atrofia ou paralisia de uma ou outra função vital. Quer dizer morte completa, aquilo mesmo que impelira Paulo a perseguir freneticamente o Caminho, naquela mania de ódio, da qual só o Senhor o “curou” com a visão da estrada de Damasco. Toda cobiça gerada pela lei (isto é, má “concupiscência”) devia apresentar-se com novo aspecto de hediondez à vista do cristão, ao olhar ele para o passado do perseguidor feroz, como Paulo por certo olhou retrospectivamente para Saulo e compreendeu a miséria do seu ódio. O apóstolo insiste que a lei, no todo ou em parte, é santa, justa e boa (12). O fim que se propõe é conceder vida. Apenas quando pervertida pelo pecado e tornada subserviente ao engano deste é que ela opera a morte. O pecado é a maldade que pôs emboscada a Saulo e o matou. A intenção divina era mostrar o pecado em suas verdadeiras cores, como já foi declarado (13; ver vers. 7-8). O pecado, porém, transformou a lei, bênção de Deus, em maldição.
3. A LEI ENTRA EM CONFLITO COM O PECADO (Rm 7.14-25) - O apóstolo atinge agora o âmago de sua amarga experiência. Confessa que vê o melhor e o aprova, mas inclina-se para o pior. Descobre a diferença que existe entre a natureza da lei e sua própria natureza. O espiritual e o carnal (14) opõem-se entre si: um é do Espírito, o outro é da carne, Paulo continua numa descrição clássica de dupla consciência, para traçar seu conflito íntimo entre o que os psicólogos chamam eu organizado e desorganizado. O eu real centraliza-se num ideal, que no caso de Paulo é Cristo, ou a lei santa e boa. O pecado, personificado no retrato gráfico e emocional, é o eu desorganizado que definitivamente não é o Paulo que ele anseia ser. Quando faz o que não aprova declara que não é mais ele que o faz, e sim o pecado (20), identificado aqui com a sua individualidade inferior ou desorganizada. A experiência do apóstolo provê um princípio que vem enunciado no vers. 21, o qual opera por toda a vida. “Para estar salva do pecado, a pessoa precisa reconhecê-lo seu e ao mesmo tempo renegá-lo; é este paradoxo prático que se reflete neste versículo” (James Denney). A expressão emocional deste conflito íntimo e dupla consciência culmina num brado de aflição ou desespero (24). Paulo torna a viver a experiência, apresentada como típica, de ser pecador convicto. Desventurado homem que sou! quem me livrará do corpo desta morte? (24). O corpo é o instrumento do pecado e cujo destino é a morte. Tão repulsivo é o pecado e tão sinônimo de morte, que Paulo se agonia por se livrar deste corpo, que ele em seu horror sente que é morte. E vem a seguir a reação repentina no hino de louvor, visto que a salvação inunda sua alma. “Graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor”.
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Emprega a ilustração da viúva emancipada, livre da lei do marido, por morte deste. Fica livre para casar de novo. A lei é suplantada, não vigora mais neste caso. De igual modo os crentes morrem relativamente à lei, por meio do corpo de Cristo (4); isto é, quer seja por causa da cruz, quer seja por meio da Igreja. Esta segunda interpretação da frase deve ser preferida. O “vós” torna-se “nós” (4) em virtude de virmos a pertencer ao corpo de Cristo, a totalidade de cujos membros constitui o corpo de que Cristo é a Cabeça. A ideia da analogia é que o crente, morrendo relativamente à lei, fica livre para se unir ao Senhor ressuscitado. O apóstolo aqui substitui o pecado pela lei; a mortificação do pecado, acompanhada de vida para a justiça, foi objeto do seu ensino no capítulo precedente. Agora insiste na emancipação pela morte. Segundo a carne (5) quer dizer a vida de indulgência pecaminosa; seu oposto é “segundo o espírito”. “Paixões pecaminosas” (5). Os dois estados de escravidão são outra vez contrastados pelas frases novidade de espírito e caducidade da letra (6); representam o estado da graça e o estado da lei.
Como vimos, Paulo em seu argumento substituiu o “pecado” pela “lei”. Este fato fez surgir, fosse no seu próprio espírito, fosse no dos seus críticos, a pergunta É a lei pecado? São idênticas as duas coisas? O homem regenerado morre para o pecado e para si mesmo, e assim morre para a lei. Qual é pois a relação que há entre pecado e lei? O apóstolo define a conexão entre os dois partindo de sua própria experiência pessoal. Nessa conformidade, este trecho é altamente autobiográfico, embora alguns comentadores tenham pensado que Paulo fala aí de modo genérico. O melhor parecer é que é o homem regenerado que aí fala de sua própria experiência. Não temos descrição da experiência da irregeneração per se, senão o retrospecto do homem justo, visto que somente este está em condições de avaliar a escravidão do pecado. Paulo considera típica sua própria experiência. A verdadeira relação entre a lei e o pecado é apresentada sob três aspectos.
1. A LEI REVELA O PECADO (Rm 7.7-8) - Eu não teria conhecido o pecado (má concupiscência ou cobiça) se a lei não dissera (7). Se não houvesse lei, não teríamos consciência da força do pecado, e assim estaríamos desapercebidos de sua existência. É isto com efeito um truísmo de ética, que não precisa de comentário. O pecado, tomando ocasião (8-11). O pecado, como qualquer estrategista militar, fez da lei uma espécie de “base de operações”. É este o sentido literal da palavra grega aphorme quando aplicada a operações militares. Significa “ponto de partida” e, assim, metaforicamente, “ocasião”, “incentivo”, “oportunidade” (cfr. 2Co 11.12; Gl 5.13). A alma, ignorando as proibições da lei, sente-se feliz no pecado que ela não reconhece; quando porém surge o conhecimento do pecado, este rebela-se contra a lei, que prossegue dizendo "Não farás" isto nem aquilo. E desta forma o pecado opera toda sorte de concupiscência (8).
2. A LEI ESTIMULA O PECADO (Rm 7.9-13) - Outrora, diz Paulo, eu vivia livre de qualquer consciência de pecado. Eu realmente vivia alheio à lei. Mas, sobrevindo o preceito (isto é, uma particular injunção da lei), reviveu o pecado (gr. anazen, dar um salto para a vida) e eu morri (9). A experiência do apóstolo era que a lei, decretada para promover a vida (cfr. Rm 10.5; Lv 18.5) pela obediência, resultou para ele em morte. Com efeito, mediante a lei, o pecado seduzindo-o (Cfr. Gn 3.13; 2Co 11.3; 1Tm 2.14) matou-o (11). Esta morte não significa atrofia ou paralisia de uma ou outra função vital. Quer dizer morte completa, aquilo mesmo que impelira Paulo a perseguir freneticamente o Caminho, naquela mania de ódio, da qual só o Senhor o “curou” com a visão da estrada de Damasco. Toda cobiça gerada pela lei (isto é, má “concupiscência”) devia apresentar-se com novo aspecto de hediondez à vista do cristão, ao olhar ele para o passado do perseguidor feroz, como Paulo por certo olhou retrospectivamente para Saulo e compreendeu a miséria do seu ódio. O apóstolo insiste que a lei, no todo ou em parte, é santa, justa e boa (12). O fim que se propõe é conceder vida. Apenas quando pervertida pelo pecado e tornada subserviente ao engano deste é que ela opera a morte. O pecado é a maldade que pôs emboscada a Saulo e o matou. A intenção divina era mostrar o pecado em suas verdadeiras cores, como já foi declarado (13; ver vers. 7-8). O pecado, porém, transformou a lei, bênção de Deus, em maldição.
3. A LEI ENTRA EM CONFLITO COM O PECADO (Rm 7.14-25) - O apóstolo atinge agora o âmago de sua amarga experiência. Confessa que vê o melhor e o aprova, mas inclina-se para o pior. Descobre a diferença que existe entre a natureza da lei e sua própria natureza. O espiritual e o carnal (14) opõem-se entre si: um é do Espírito, o outro é da carne, Paulo continua numa descrição clássica de dupla consciência, para traçar seu conflito íntimo entre o que os psicólogos chamam eu organizado e desorganizado. O eu real centraliza-se num ideal, que no caso de Paulo é Cristo, ou a lei santa e boa. O pecado, personificado no retrato gráfico e emocional, é o eu desorganizado que definitivamente não é o Paulo que ele anseia ser. Quando faz o que não aprova declara que não é mais ele que o faz, e sim o pecado (20), identificado aqui com a sua individualidade inferior ou desorganizada. A experiência do apóstolo provê um princípio que vem enunciado no vers. 21, o qual opera por toda a vida. “Para estar salva do pecado, a pessoa precisa reconhecê-lo seu e ao mesmo tempo renegá-lo; é este paradoxo prático que se reflete neste versículo” (James Denney). A expressão emocional deste conflito íntimo e dupla consciência culmina num brado de aflição ou desespero (24). Paulo torna a viver a experiência, apresentada como típica, de ser pecador convicto. Desventurado homem que sou! quem me livrará do corpo desta morte? (24). O corpo é o instrumento do pecado e cujo destino é a morte. Tão repulsivo é o pecado e tão sinônimo de morte, que Paulo se agonia por se livrar deste corpo, que ele em seu horror sente que é morte. E vem a seguir a reação repentina no hino de louvor, visto que a salvação inunda sua alma. “Graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor”.
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