O que é o Kerygma do Novo Testamento?

O que é o Kerygma do Novo Testamento?
O que é o Kerygma do Novo Testamento?

A Pregação tem um papel de importância fundamental no NT. O ministério público de Jesus é regularmente caracterizado em termos de pregação. Em Atos a conversão se dá pela pregação. A pregação caracteriza de modo marcante o modelo de evangelismo empregado por Paulo. João também une a palavra com o Espírito como o poder recriativo de Deus. Tiago e 1 Pedro, igualmente, atribuem à regeneração espiritual à palavra pregada. De modo que proclamação do evangelho, ou kerygma, para usar o termo técnico do debate moderno, é uma área chave para se estudar.

O problema que nos confronta pode ser posto simplesmente assim: podemos falar do “kerygma do NT”? Ou devemos falar de kerygmata do NT? Havia uma única expressão normativa do evangelho no tempo dos primórdios do cristianismo? Ou havia muitas expressões diferentes do evangelho, com nenhuma tendo uma melhor reivindicação de ser o evangelho que qualquer outra, mas todas era o evangelho? O primeiro problema é o de definição. Kerygma pode significar o que é pregado, ou o ato de pregar (cf. Rm 16.25; ICor 1.21; 2.4 em que poderia ter um ou outro sentido). No debate a respeito do kerygma no NT, C. H. Dodd focalizou sua atenção sobre kerygma como conteúdo e R. Bultmann sobre kerygma como pregação.[1]   

Em seu conhecido estudo: “The Apostolic Preaching and its Developments”,[2] Dodd extraiu de uma análise dos discursos de Atos e das epístolas paulinas o seguinte esquema como o coração do kerygma primitivo: As profecias são cumpridas, e a nova era é inaugurada pela vinda de Cristo. Ele nasceu da semente de Davi. Ele morreu de acordo com as Escrituras, para nos libertar do presente século mal. Ele foi sepultado. Ele ressuscitou ao terceiro dia de acordo com as Escrituras. Ele está exaltado à mão direita de Deus, com o Filho de Deus e Senhor dos vivos e mortos. Ele virá novam ente como Juiz e Salvador dos Homens (p. 17). Dodd considera que isso é: “O esquema positivamente claro e certo que perfaz a pregação dos apóstolos” (p. 31). Reconhece que: “Dentro do NT há uma imensa gama de variedade na interpretação que é dada ao kerygma mas está igualmente convencido que: “Em cada interpretação os elementos essenciais do kerygma original constantemente são considerados. Com toda a diversidade dos escritos do Novo Testamento, eles formam uma unidade em sua proclamação do único evangelho” (p. 74). A posição de Dodd é clara: a despeito da diversidade, ainda há algo que ele pode chamar o kerygma, o único Evangelho.

Os assim denominados teólogos kerygmáticos, por sua vez, têm focado sua atenção, principalmente, sobre o kerygma como pregação, sobre o ato da proclamação na imediação do presente antes que sobre o registro do que foi proclamado no passado. O kerygma, reivindica Bultmann, não é nem um a iluminação Weltanschauung (visão de mundo) fluindo em verdades gerais, nem um relato m eram ente histórico, que, como a relato de um repórter, recorda ao público de fatos importantes, mas passados. Ao contrário... é, por natureza, um discurso pessoal que aborda cada individuo, lançando à própria pessoa a  questão de entregar seu problemático auto-entendimento, requerendo um a decisão dele.[3]

Até certo ponto o caso de Bultmann depende do uso da palavra kerygma no NT que ele edifica sobre um fundamento firme; pois das sete ocorrências da palavra algumas são melhores entendidas como denotando o ato de pregar (particularmente Mt 12.41/Lc 11.32; ICor 15.14) e nenhuma requer referência ao conteúdo. Uma questão importante, portanto, uma vez mais emerge: que kerygma no NT, provavelmente, inclui a ideia de proclamação em um tempo e lugar particulares. Ou seja, kerygma sempre é situacional em alguma medida - em alguma medida, condicionado pelas circunstâncias que pediam a irrupção da proclamação. Isso, por sua vez, torna muito improvável que o kerygma possa, simplesmente, ser abstraído desses contextos diferentes como uma fórmula fixa que pode ser aplicada sem troca ou modificação em toda e qualquer situação.

Nossa questão assim se torna: podemos encontrar uma fórmula absoluta do kerygma no NT? Ou ele sempre será relativo em alguma medida? E se é assim, quão relativa é? Há diferentes formas subjacentes a um elemento comum, contudo diferentemente concebido e expresso? Digno de nota é que Bultmann, e igualmente Dodd, está muito satisfeito em falar de o kerygma. Mas podemos propriamente falar desse modo? - Kerygma ou kerygmata? Um evangelho ou muitos evangelhos? Ao lançar essa questão há o risco constante de perder de vista a floresta por causa das árvores. Parece mais sábio, portanto, não se precipitar na análise de textos particulares, mas se concentrar sobre a edificação de um quadro mais amplo. Nosso método então neste capítulo é, de certo modo, dar um panorama das mais importantes proclamações do evangelho no NT, concentrando-nos em reconhecer os traços característicos de cada kerygma antes que tentar um tratamento balanceado do todo. As respostas às nossas perguntas, que este método fornece, inevitavelmente serão primeiras aproximações; mas pelo menos, no fim do capítulo, deveremos ver mais claramente que a diversidade dos escritos do NT é um fator de importância considerável em nossa avaliação do cristianismo do séc. I e que tem muitas facetas e ramificações. Então, tendo mostrado que há um caso de prima facie  para o nosso estudo, podemos continuar a examinar isso com muito mais cuidado e mais detalhadamente.


[1]Estatisticamente euaggelion (evangelho) e marturia (testemunho) são mais importantes que kerygma no NT. Mas kerygma tem sido o termo dominante no debate que cobre metade das décadas do séc. XX, e serve para colocar os temas para nós mais claramente, sem restringir a discussão subseqüente de algum modo
[2] C. H. D odd, The Apostolic Preaching and its Developments, Hodder & Stoughton
1936, re-impresso em 1963.
[3] Bultmann. Theology I, p. 307.