Apocalipse 2 — Estudo Devocional

Apocalipse 2

Apocalipse é um livro que revela o julgamento de Deus sobre toda a maldade do mundo. Mas antes de julgar o mundo, Deus julga — desde já — seu próprio povo, a Igreja (1 Pe 4.17), tal como é descrito nesta primeira, seção do livro (Ap 2; 3).

2.1-6 Ao anjo da igreja de Éfeso. O anjo pode ser uma referência ao pastor responsável pela igreja local, como também poderia ser uma espécie de guardião espiritual. Éfeso é principal cidade da região e sede do culto de Artemis (At 19.23). Cristãos sofriam pressões para adaptar a vida cristã à cultura pagã e a crenças misteriosas e gnósticas (semelhantes aos ensinos da ”Nova Era”). A igreja em Éfeso apresenta uma história bem particular. O apóstolo Paulo passou alguns anos de seu ministério nesse lugar e depois escreveu para eles a Carta aos Efésios. Mais tarde, o apóstolo João foi morar em Éfeso, e de lá escreveu seu Evangelho e suas três Cartas Pastorais.

2.2-5 sei o que vocês têm feito. Jesus acompanha e conhece cada igreja muito melhor do que os próprios membros, discerne nossas intenções e conhece os verdadeiros e os falsos mestres. Esta igreja tem reconhecido seu trabalho, disciplina, constância, coragem, além de guardar a pureza da fé e o bom testemunho, não cedendo a ideias erradas nem a condutas inapropriadas promovidas por líderes que se deram o título de “apóstolos”. Mesmo assim, a igreja de Éfeso é advertida por haver perdido o seu “primeiro amor” (v. 4). Será que esses crentes passaram a dedicar-se tanto a combater erros, falsos profetas e falsas doutrinas que, aos poucos, acabaram se distanciando do amor e da graça, a ponto de o amor cristão nos relacionamentos ir perdendo lugar? Jesus deixa claro que essa direção é mortal para a igreja: tirarei o candelabro de vocês do seu lugar. Isso significa que a igreja vai deixar de existir se continuar assim, privilegiando o trabalho, o combate ao erro, o suportar sofrimentos, e não o amor — que por sinal é a mesma mensagem de 1 Co 13: uma igreja sem amor deixa de ser igreja (veja nota seguinte).

2.4-5 vocês não me amam. Cresço em amor na medida que o outro a quem amo tem a possibilidade de mostrar seu amor em mistério. Portanto, amo mais quanto menos ”coisifico” o outro, quando permito que a palavra que o outro pronuncia me surpreenda, já que não pude imaginar nem prever que meu amado/a a pudesse pronunciar. É por isso que o amor de Deus nos toca tão profundamente, porque ele nos amou sendo nós ainda pecadores (Rm 5.8) — nossa lógica causai diria que “ao pecador não se ama”. Deus nos surpreende em Jesus Cristo nos amando. A igreja estava perdendo essa surpresa — que já havia tido no passado, no “primeiro amor”, quando seus membros se alegravam constantemente por estarem sendo escolhidos pelo Deus da graça. Antes estavam fora do povo de Deus, então foram amados, resgatados e incluídos na família de Deus. Lembrem. Aqui há um convite ao arrependimento (veja o quadro “O arrependimento”, Ap 9). Jesus exorta a igreja de Éfeso a revisar suas prioridades, a arrepender-se e voltar a fazer o que faziam no princípio. Lembrar-se da purificação de seus pecados (2Pe 1.9), compartilhar as boas-novas da salvação em Jesus, deixar fluir o amor e as boas obras dentro e fora da comunidade de crentes. Talvez poderíamos chamar isso de “focar-se no bem e não no mal”: em vez de se dedicar a caçar erros, confiar mais em Jesus e descansar em seu amor para que os frutos bons apareçam naturalmente, através do cuidado uns dos outros em suas necessidades, através da comunhão com Deus e sua Palavra. O fato é que o importante é Jesus e seu amor. Veja os quadros “O descanso em Jesus” (Hb 3) e “O que é o amor” (IJo 3).

2.6 vocês têm a seu favor. Repare que este é o único ponto claramente elogiado. Todo o trabalho, combate e perseverança são reconhecidos por Cristo, mas não exatamente elogiados, os nicolaítas. Esse grupo não é mencionado em nenhum outro lugar a não ser nesta seção do Apocalipse. Poderia ser uma seita, mas pelo significado do nome grego (“vencedores sobre o povo”), talvez seja uma forma figurada de se referir aos que colaboravam com o Império Romano, buscando os favores do poder secular.

2.7 ouvidos para ouvir. Ao final de cada carta tem-se o chamado para se ouvir o recado dado à igreja. O que aconteceu com estas igrejas do primeiro século serve para as igrejas de hoje; com o passar do tempo foram esmagadas, fruta da árvore da vida. Conseguir a vitória significa enfrentar essa situação conforme o Espírito Santo orientou nesta carta, com arrependimento e volta ao amor. A recompensa para eles e para nós é a mesma: vida eterna aqui na terra (Jo 17.13) e na morada celestial.

2.8-11 Ao anjo da igreja de Esmirna. Esmirna (atual Izmir) era uma cidade portuária próspera e mantinha boas relações com Roma. Contava com uma colônia judaica importante, que utilizava sua influência para oprimir e perseguir os cristãos, acusando-os de estarem contra o governo central. Essa situação provocou o confisco dos bens dos cristãos, o saque a seus negócios, seu consequente empobrecimento e até o martírio. Mesmo assim, a igreja em Esmirna era na verdade rica: ela estava corajosamente disposta a pagar um alto preço — sua própria vida — por ser fiel a Cristo. A mensagem do anjo à igreja em Esmirna provém do Jesus ressuscitado, que sofreu, que morreu e tornou a viver. O desafio é: “sejam fiéis, mesmo que tenham de morrer, e como prêmio da vitória eu lhes darei a vida.” O prêmio (ou coroa) é oferecido não somente aos mártires, mas a todos os que amam e seguem a Jesus, numa referência às coroas de louros (1Co 9.25), símbolo de vida e festividade que os atletas gregos recebiam depois de vencerem uma competição.

2.9 mas, de fato, são ricos. O cristão não precisa viver buscando a riqueza deste mundo, mas pode buscar os verdadeiros valores, o Reino de Cristo. Essa relação entre pobreza material e riqueza verdadeira provavelmente não é mera coincidência: Jesus já havia ensinado que é muito difícil um rico entrar no Reino de Deus (Lc 18.18-30), e Tiago nos ensina que o rico deve alegrar-se quando Deus o faz empobrecer (Tg 1.10); portanto, se você empobreceu, aproveite essa oportunidade para descobrir a grande riqueza que existe em aprofundar uma amizade com Deus. Veja o quadro “A dificuldade das riquezas” (Lc 18).

2.10 mesmo que tenham de morrer. Mesmo que venha a morte, por consequência de viver o evangelho, a vida do Ressurreto trará a vitória (veja 1Pe 4.12-19). A fé juntamente com o amor geram saúde emocional e autoridade espiritual, edificando o caráter, dando coragem em meio às perseguições (2Tm 3.12). Mesmo com o preço de nossa vida, a nossa vitória é seguirmos com Cristo para a glória, porque o Senhor da vida é fiel aos seus amados.

2.12-17 Ao anjo da igreja de Pérgamo. Esta cidade era um importante centro político e religioso. Era a principal sede na província da Ásia para o culto ao Imperador romano, uma mistura de política e religião, num ambiente bastante difícil e perigoso para a igreja, pois as pessoas eram forçadas a adorar o Imperador, o que implica em submissão espiritual. Cristo é representado como aquele que tem a espada afiada dos dois lados, o que detém toda a autoridade e poder. A igreja é elogiada por ter permanecido na fé apesar da forte perseguição religiosa e do risco de sofrer o martírio. Mesmo assim, é admoestada por deixar-se influenciar por falsos mestres que buscavam favores do governo (nicolaítas, veja 2.6, nota) e por outros que, em busca de riqueza, consentiam com as práticas pagãs e a imoralidade sexual prevalente na cidade, em vez de questionar e rejeitar essas condutas (Balaão, Nm 31.16). Isso significa que o estilo de vida de alguns cristãos não correspondia com suas crenças e valores cristãos. Mesmo que apenas umas poucas pessoas fossem culpadas dessas condutas, toda a igreja é advertida e chamada ao arrependimento. Para sobrevivermos dignamente, dependemos do Espírito Santo para discernirmos erros e enfrentarmos os desafios à integridade em meio à diversidade cultural. Os que conseguirem a vitória, rejeitando o ensino dos falsos mestres e permanecendo fiéis a Cristo, serão bem-vindos ao banquete messiânico ou “bodas do Cordeiro”, um nome novo. O nome escrito e registrado por aquele que deu a vida, como cartão de convite para entrar nessa festa, como uma senha secreta de acesso ao Pai, uma garantia de identidade inviolável. Algo que faz muito sentido em nossa época cheia de manipulações psicológicas, invasões de privacidade e fragmentação psíquica. Cristo assim nos faz realmente novas criaturas.

2.18-29 Ao anjo da igreja de Tiatira. A cidade de Tiatira encontrava-se numa encruzilhada de caminhos. Era conhecida por sua atividade comercial e pela presença de associações comerciais bastante influentes. Para participar da vida econômica da cidade era indispensável pertencer às associações e participar de suas reuniões e festas nos templos pagãos. Essa situação provocou na igreja de Tiatira duas posições antagônicas: uma, a favor da participação dos crentes nas associações porque era necessário e conveniente do ponto de vista econômico e social; e a outra, contra essa participação, por considerá-la uma influência negativa, contrária à forma de viver e de pensar dos cristãos. É nesse contexto que aparece a falsa profetisa.

2.18 olhos que brilham como o fogo. O Filho de Deus, temível em sua aparência, menciona quatro virtudes da igreja de Tiatira: amor, fé, serviço e perseverança, mas tem contra a igreja que esta tolera a idolatria e a imoralidade sexual ensinada pela falsa profetisa. O convite aos crentes é para perseverarem na fé recebida dos apóstolos, porque o juízo está por chegar. Estamos contagiando o mundo com os valores de Deus ou, sem nos darmos conta, é o contrário que está acontecendo?

2.19-23 sei que têm amor... Porém. O Senhor conhece e sonda os corações. Conhece todos os pensamentos, e também todos os pecados. O desenvolvimento espiritual dos cristãos de Tiatira era evidente em muitos aspectos: amorosos, fiéis, trabalhadores e pacientes. Porém Cristo os quer completos. Aponta-lhes a falta de firmeza diante de erros; uma atitude de timidez e apatia frente à opressora Jezabel. Este nome é emprestado da rainha esposa do rei Acabe (1 Rs 21.25-26), que o fez ser um dos piores reis de Israel. Esta tirana simboliza qualquer líder que abusa do poder e leva os outros ao pecado. Jesus amorosamente os adverte para que percebam isto e não se omitam.

2.24 segredos profundos de Satanás. Jesus reconhece-lhes o mérito de que a maioria não se envolveu nem se deixou enganar por pretensos sabedores de “coisas profundas de Satanás”. A Bíblia afirma que Deus é luz, e nele não há nada oculto nem escondido na escuridão (1 Jo 1.5). Aliás, ocupar-se com ocultismo, dar muita atenção a questões ligadas ao Diabo, espíritos ou demônios, como se isso fosse necessário para enfrentá-lo é um erro perigoso tanto para a vida espiritual quanto para a vida mental. Para o crente, a lembrança de que o Espírito Santo está dentro de nós e se encarrega disso por nós é o que importa e basta (1 Jo 2.18-27). O Espírito é maior e mais poderoso do que o Diabo que age no mundo (1 Jo 4.4). Contrastando com patéticas cenas de shows religiosos onde pregadores sapateiam, gritam, pisam e debocham de demônios, as Escrituras trazem uma severa advertência, chamando para o recato e seriedade ética em questões espirituais. Estes pretensiosos querem impressionar públicos e ganhar prestígio, poder e dinheiro por conta da ignorância de muitos.

Exorcismos como espetáculo de mídia e exibição de suposto poder espiritual de pregadores expõem a intimidade de pessoas fragilizadas psiquicamente, sendo um atentado à dignidade humana. A Bíblia adverte contra os que “xingam o que não entendem” (Jd 8-11).

2.25-26 Aos que conseguirem a vitória. Aos que permanecem fiéis a Deus e a seus ensinos, Jesus promete repartir sua autoridade no seu Reino messiânico. De certa forma, a igreja de Tiatira faz um contraponto à de Éfeso (vs. 1-7), que tinha firmeza contra os erros mas perdera seu amor — pelo que a igreja inteira seria eliminada, caso não se arrependesse. Já Tiatira, que tinha o amor mas faltava na firmeza contra os erros, sofreria a perda apenas dos infiéis, continuarem a fazer. Temos o estímulo a prosseguir fazendo o bem na caminhada cristã. No fim dos tempos estaremos entre as autoridades do novo mundo, glorificados por Cristo.

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