Introdução ao Livro de Salmos
Os Salmos estão agrupados em cinco livros, assim:
Primeiro Livro Salmos 1—41
Segundo Livro Salmos 42—72
Terceiro Livro Salmos 73—89
Quarto Livro Salmos 90—106
Quinto Livro Salmos 107—150
INTRODUÇÃO
1. TÍTULO
Salmos é o livro de hinos e de orações do povo de Israel antigo. A maioria dos
Salmos foi escrita e musicada para uso no Templo, nas reuniões de adoração. Em
hebraico, o seu título é “Livro de Louvores”. A palavra “Salmo” é de origem
grega e quer dizer “canção” ou “hino”. Dá-se o nome de “Saltério” à coleção
completa dos Salmos.
2. FORMAÇÃO DO SALTÉRIO
2.1. Os Salmos foram escritos por
diferentes autores, durante um período de mais ou menos setecentos anos, entre
os anos 1.000 e 300 a.C. Depois de um longo processo de composição,
uso e seleção, resultou uma coleção final de 150 Salmos, aceita pelo povo de
Israel. Essa coleção abre a terceira divisão da Bíblia Hebraica (Lc 24.44).
2.2. Assim como a Lei (Pentateuco)
tem cinco livros, assim também o Saltério está dividido em cinco livros: 1—41,
42—72, 73—89, 90—106 e 107—150. Cada uma dessas divisões termina com uma
doxologia, uma expressão de louvor a Deus: 41.13; 72.18-19; 89.52; 106.48;
150.1-6. O Sl 150 serve como doxologia final para todo o Saltério.
2.3. Dentro dessas cinco divisões
há algumas coleções menores, como os “Salmos de Asafe” (73-83), os “Salmos do
Grupo de Corá” (42; 44—49), as “Canções de Peregrinos” (120—134) e os “Salmos
de Aleluia” (146—150), que começam e terminam com a palavra “Aleluia”, que quer
dizer “Louvem ao Senhor” (104-106;
111-117, menos 114; 135; 146—150).
2.4. Alguns Salmos são repetidos:
o 14 é igual ao 53, sendo que, no primeiro, aparece o nome “Senhor” e, no segundo, “Deus”. O Sl 70 é
repetido em 40.13-17. E o 108 é composto de 57.5-11 e 60.5-12. O Sl 18 se
encontra também em 2Samuel 22.1-51; o Sl 96, em 1Crônicas 16.23-33; e o Sl
105.1-15, em 1Crônicas 16.8-22.
3. TIPOS DE SALMOS
De acordo com o seu propósito e com o seu conteúdo,
os Salmos podem ser classificados da seguinte forma:
3.1. Súplicas Nesses
Salmos, também chamados de lamentos, o autor reclama por estar passando
por uma situação desagradável, como doença, perseguição ou calúnia, e implora a
Deus que o ajude. Esses Salmos terminam geralmente com uma expressão de
gratidão, em que o salmista promete louvar a Deus ou oferecer-lhe sacrifícios.
O Sl 13 é súplica de uma pessoa; o 79 é de uma comunidade.
3.2. Hinos Hinos são
canções que falam sobre a pessoa em seu relacionamento com Deus. Há vários
tipos de hinos.
3.2.1. No “hino de louvor”, o salmista (Sl 8) ou a comunidade (Sl 111) louvam
a Deus. Esse tipo de hino começa, geralmente, com um convite à adoração,
seguido da razão pela qual Deus merece ser louvado, e, às vezes, termina com a
mesma expressão de louvor ou com outra.
3.2.2. “Hino de ação de graças” é aquele em que uma pessoa (Sl 34) ou o povo
(Sl 67) agradecem a Deus alguma bênção recebida dele.
3.2.3. No “hino de confiança”, fala-se sobre a fé em Deus, pois ele responde
às orações, salva e abençoa uma pessoa (Sl 11; 16; 62) ou a comunidade (Sl
125).
3.2.4. Nos “hinos de Sião”, há elogios para Jerusalém, o lugar onde Deus mora
com o seu povo (Sl 46; 48; 76; 87; 122).
3.3. Salmos para o Rei
Esses Salmos, também chamados de “reais”, elogiam o rei de Israel como
representante de Deus na terra. Por meio do rei, Deus ganhava as batalhas e
derrotava os inimigos. O rei era “filho de Deus” porque Deus o havia escolhido;
o rei era o “ungido de Deus” e, por isso, Deus lhe dava poder. Em alguns desses
Salmos, promete-se ao rei que o seu reino se estenderá pelo mundo inteiro e que
os seus descendentes sempre serão reis. São reais os seguintes Salmos: 2; 18;
20; 21; 45; 72; 89; 101; 110; 132. Os Sl 2; 72; 110 são considerados
messiânicos, referindo-se a um descendente de Davi por meio do qual Deus
cumpriria, finalmente, as promessas que tinha feito ao seu povo (também o Sl
45).
3.4. Salmos de Deus-Rei
Nesses Salmos, Deus é louvado como Rei de Israel e do mundo inteiro. Eles são
também chamados de “Salmos de entronização” (29; 47; 82; 93; 95—99). A mesma
idéia aparece em outros Salmos que falam sobre o poder e a grandeza de Deus
como Criador de todas as coisas (33.6-7; 74.12-17; 89.10-13; 93.1; 104.1-10,26;
136.5-9), como o libertador de Israel (77.16-20) e como Senhor do Universo
(135.6-7). As outras nações diziam que os seus deuses praticavam atos de poder,
mas, nesses Salmos, tais atos são apresentados como realizados pelo Senhor, o Deus de Israel, que é mais
poderoso do que todos os deuses (86.8; 95.3; 96.4-5; 97.7,9).
3.5. Canções de Peregrinos
Essas eram cantadas pelos peregrinos que vinham de outras partes da terra de
Israel e do exterior e subiam a Jerusalém para celebrar festas religiosas. Os
Sl 84 e 122 são desse tipo. É provável que também os Sl 120 a 134 (“cânticos
dos degraus”) fossem Salmos de peregrinos.
3.6. Salmos de Sabedoria
Esses Salmos refletem aspectos da sabedoria encontrada, por exemplo, em
Provérbios. Eles falam sobre a obediência à lei (ver Sl 1.2, n.), sobre o temor a Deus,
sobre o castigo dos maus e sobre as recompensas das pessoas fiéis e dão
conselhos sobre como as pessoas sábias devem agir. Pertencem a esse tipo os
Sl 32; 34; 37; 49; 73; 112; 128, além dos Sl 1 e 119, chamados de “Salmos da
lei” (Torá).
3.7. Salmos para o Culto
Esses Salmos, também chamados de “litúrgicos”, têm a ver com a adoração pública
realizada no Templo: 15; 24; 50; 81; 118; 134; 136. Os Sl 30 e 92 indicam a
ocasião em que deviam ser cantados.
3.8. Salmos Históricos Seis
Salmos recordam acontecimentos da história do povo de Israel em relação ao Senhor: 78; 105; 106; 114; 135; 136.
3.9. Salmos Escatológicos
Os Sl 96—98 são assim chamados porque tratam da vitória final do Senhor, o Deus que domina o Universo.
3.10. Salmos Alfabéticos Alguns Salmos são chamados de alfabéticos
porque os seus versículos ou as suas estrofes estão na ordem do alfabeto
hebraico, isto é, começam com álefe, a primeira letra, e vão até tau,
que é a última. E, por causa desse arranjo alfabético, às vezes, fica
prejudicada a seqüência lógica das idéias.
3.10.1. Tomam por base a primeira letra da primeira palavra de cada versículo
os Sl 25; 34; 111; 112; 145.
3.10.2. Os Sl 9—10; 37 tomam por base a primeira letra da primeira palavra de
cada estrofe.
3.10.3. O Sl 119 tem um arranjo especial de vinte e duas estrofes, pois são
vinte e duas as letras do alfabeto hebraico. No texto hebraico, cada estrofe
tem oito linhas, as quais começam com a mesma letra em cada estrofe. Desse
modo, as linhas dos vs. 1-8 começam todas com álefe e assim por
diante, até a letra tau, nos vs. 169-176.
4. TÍTULOS HEBRAICOS DOS SALMOS
A maioria dos títulos hebraicos trata da autoria
dos Salmos. Às vezes, dão informação a respeito do tipo da poesia do Salmo ou
da sua música. E há alguns Salmos que dão informações históricas relacionadas
com a sua letra.
4.1. Autoria No texto
hebraico, o nome de Davi está relacionado com a autoria de 73 Salmos. No
cabeçalho desses Salmos, está escrito “de Davi” (“para Davi”). Isso pode querer
dizer uma destas coisas: 1) o Salmo foi escrito por Davi; 2) é parte de uma
coleção feita por Davi; 3) é parte de uma coleção feita para Davi; 4) é
atribuído a Davi; 5) foi escrito em homenagem a Davi; 6) foi escrito no estilo
de Davi. Outros nomes que aparecem como autores de Salmos são Moisés (90),
Salomão (72; 127), Asafe (50; 73—83), Hemã (88), Etã (89) e poetas pertencentes
ao grupo de famílias de Corá (ver Sl 42-43, título hebraico).
4.2. Tipo de Composição
Alguns Salmos indicam o tipo de sua forma poética, mas não se sabe o que querem
dizer algumas das palavras hebraicas empregadas nos seus títulos. A palavra mizmor,
traduzida por “Salmo”, aparece no título de 57 Salmos (Sl 3; ver Intr. 1).
“Canção” (shir) está no título de 30 Salmos (Sl 120-134) e, às vezes,
aparece junto com “Salmo”. A palavra hebraica maskil, traduzida nesta
Bíblia (NTLH)
por “poesia”, aparece em 13 Salmos (Sl 32). “Hino” (miktam) está no
título de 6 Salmos (Sl 56-60). E a palavra “oração” aparece no título de 5
Salmos (Sl 17).
4.3. Situação Histórica
Treze Salmos, todos eles relacionados com Davi, dão informações a respeito da
sua situação histórica: 3; 7; 18; 34; 51; 52; 54; 56; 57; 59; 60; 63; 142.
4.4. Termos Musicais No
título de vários Salmos, há referências à música: instrumentos de cordas (4; 6;
46; 62) e de sopro (5); regência e coros (22; 88); e melodias (8; 9; 22; 45;
60; 56; 57). No texto hebraico, a palavra selá aparece 71 vezes no
Saltério e três vezes em Habacuque. Não há certeza quanto ao seu sentido.
Talvez queira dizer “pausa musical” ou “repetição”. Por causa dessa incerteza e
também por não ter sido parte do texto de cada Salmo quando originalmente
escrito, essa palavra é omitida em grande número de traduções modernas da
Bíblia, inclusive a NTLH.
5. A POESIA DOS SALMOS
Em hebraico, os Salmos não têm rima, e não há para
os versos (linhas) um número determinado de sílabas. Os versos são brancos ou
soltos. A riqueza das figuras de linguagem (comparações) e o paralelismo, nas
suas várias formas, é que dão graça e beleza à poesia dos Salmos.
5.1. Na maioria dos casos, o
paralelismo é sinonímico, isto é, a idéia da primeira linha é repetida com
outras palavras na linha ou nas linhas seguintes. Um exemplo é o Sl 114. E
também 1.1:
Felizes são aqueles
que não se deixam levar pelos
conselhos dos maus,
que não seguem o exemplo dos
que não querem saber de Deus
e que não se juntam com os que
zombam de tudo o que é sagrado.
5.2. No paralelismo de contraste
ou antitético, a segunda linha é o oposto da primeira. Ver Sl 1.6:
Pois o Senhor dirige e abençoa a vida daqueles que lhe obedecem,
porém o fim dos maus são a desgraça
e a morte.
5.3. O paralelismo sintético tem
várias formas, sendo que, numa delas, as primeiras linhas são sinonímicas, e a
última é uma conclusão. Sl 1.3:
Essas pessoas são como árvores
que crescem na beira de um
riacho;
elas dão frutas no tempo certo,
e as suas folhas não murcham.
Assim também tudo o que essas
pessoas fazem dá certo.
6. A TEOLOGIA DOS SALMOS
Os Salmos refletem aspectos da fé e da vida
religiosa do povo de Israel durante um período de uns setecentos anos. Um autor
observou que os Salmos descrevem o contínuo encontro do ser humano com Deus.
Esse encontro parte da iniciativa de Deus e constitui o coração da fé
verdadeira. Nessa experiência, o ser humano não só encontra Deus, mas também
encontra-se a si mesmo e aprende também como encontrar-se com os outros.
No Livro de Salmos, há contrastes chocantes: louvor
e protesto, certeza e dúvida, esperança e desespero, amor e ódio, amizade e
inimizade, salvação e perdição. E nesse Livro podemos descobrir as convicções
religiosas de Israel, resumidas a seguir.
6.1. O Senhor, o Deus de Israel, é o único Deus verdadeiro. Ele é
Rei e domina o Universo. Nada pode impedi-lo de realizar a sua vontade, que tem
em vista o bem não só de Israel, mas de toda a humanidade. Ele é como a rocha
que não pode ser abalada e cuida do mundo e dos seres humanos que nele moram.
Ele é eterno, criador, glorioso, onipresente, poderoso, justo, salvador,
amoroso e perdoador. Mas julga e castiga severamente os maus.
6.2. O Senhor escolheu o povo de Israel para realizar o seu plano
de salvação em favor da humanidade. A fim de que Israel pudesse cumprir essa
missão, Deus o livrou da escravidão no Egito, derrotou os seus inimigos, lhe
deu a sua lei (Torá) e entregou-lhe Canaã para ser a sua terra.
6.3. Deus fez com Israel uma
aliança, garantindo que ele sempre estaria com o seu povo, unido com ele por
meio de um amor permanente e fiel. Quando o povo se revoltava, desobedecia,
seguia outros deuses e pecava, Deus o castigava. Mas esse castigo era uma expressão
do amor de Deus, um Deus que nunca abandonava o povo da aliança.
6.4. Os Salmos têm, em geral, como
ponto de referência a cidade de Jerusalém e o culto realizado no Templo, onde
Deus mora com o seu povo e onde a sua glória se manifesta. Congregados como
povo, os israelitas comparecem diante do Senhor
para adorá-lo. E no culto havia música, muita música: os coros e o povo
cantavam ao som de instrumentos de cordas e de sopro. E havia confissão de
pecados, orações, sacrifícios e ofertas. A pessoa que ia adorar a Deus devia
estar preparada para comparecer diante dele; em todas as ações da sua vida,
essa pessoa devia procurar ser correta para com Deus, para com os outros e para
consigo mesma. E um dia todas as nações do mundo iriam ao Templo, confessando que
o Senhor é o Deus do mundo
inteiro.
6.5. O ser humano reconhece a sua
pequenez na presença do Deus Todo-Poderoso. Ele se curva, humilde, diante de
Deus, a quem teme, em atitude de respeito e adoração. Mas o ser humano é
superior a todas as coisas criadas: ele só é inferior a Deus, o Criador.
6.6. As pessoas que são corretas e
fiéis, isto é, aquelas que respeitam a Deus e procuram obedecer à sua lei,
terão sucesso na vida, mesmo que, às vezes, pareça que Deus as tenha
abandonado. O Senhor tem um
cuidado especial pelos pobres, pelos oprimidos, pelos que são desprezados,
porque não têm prestígio nem poder. Essa gente precisa depender de Deus, que a
defende e a salva.
6.7. Os maus, aqueles que não
querem saber de Deus, podem ter sucesso e poder, mas virá um dia em que serão
humilhados. Naquele tempo, acreditava-se que aqui, nesta vida, é que as pessoas
boas são recompensadas, e as más, castigadas. Não havia ainda a crença firme e
clara de uma vida depois da morte, na qual seriam acertadas as contas com os
maus. Acreditava-se que para o mundo dos mortos (sheol) iam todas as
pessoas, israelitas e não-israelitas, bons e maus. Mas, em alguns Salmos, há
sinais de crença numa vida futura, na qual Deus recompensará as pessoas boas e
castigará as más.
6.8. São chamados de “Salmos
imprecatórios” aqueles em que o autor pede a Deus que castigue os seus inimigos
(69; 109; 137). (“Imprecar”, aqui, é pedir a Deus que traga castigo a uma
pessoa ou grupo de pessoas.) Ao ler esses Salmos, é preciso levar em conta o
seguinte: 1) Eles se situam nos tempos da revelação do AT. 2) Não se trata de ódio
pessoal, mas de zelo pela causa de Deus: era Israel e o seu Deus contra os
inimigos e o mal. 3) Não é justiça feita pelas próprias mãos: a Deus pertence a
vingança (Dt 32.35). 4) Ainda não havia uma revelação clara do Juízo Final,
quando os maus serão castigados. 5) A revelação completa do amor veio com Jesus
Cristo (Mt 5.43-48; 22.34-40).
7. OS SALMOS NA VIDA E NO CULTO CRISTÃOS
No princípio do Cristianismo, o Livro de Salmos foi
adotado pela Igreja como o seu hinário e o seu livro de orações. Jesus se
referiu a vários Salmos; eles foram citados pelos escritores do NT e
cantados pelos cristãos da Igreja Primitiva. Mas os Salmos precisam ser
interpretados e aplicados à luz do NT. É na pessoa de Cristo que a
revelação de Deus chega ao seu ponto máximo. Aquilo que no Livro de Salmos e no
AT é incompleto e provisório torna-se completo e final na revelação de Jesus
Cristo.