Livro de Salmos — Compilação

Salmos, Compilação, Estudo
Sabe-se que existiram hinos, usados no culto em Babilônia e no Egito, por muitos séculos antes de Abraão e José. Embora fosse um caso notável se a salmodia hebraica não se apresentasse sinais de ter crescido de tal solo, uma semelhança de estrutura literária, como por exemplo o uso extenso do paralelismo (ver A Poesia do Velho Testamento), não é índice de igual riqueza e vigor espirituais. Neste aspecto, os Salmos de Israel não têm rival. Além disso, o seu uso comum por parte de uma congregação de adoradores, bem como pelos sacerdotes oficiantes, era uma prática desconhecida em todos os lugares.

Quando os filhos de Israel estabeleceram o culto de Jeová, na Palestina, fizeram-no no meio de um povo que possuía um considerável depósito de poesia religiosa. Isto é indicado pelas tábuas de Ras Shamra e está implícito nos cânticos de júbilo e de maldição entoados pelos Siquemitas no tempo de Abimeleque (Jz 9.27). É a este período que devemos atribuir a poesia israelita como o Cântico de Moisés (Êx 15) e o Cântico de Débora (Jz 5). Estas poesias constituíram precedentes e ofereceram incentivo para os salmos mais recentes.

A base do Saltério parece ser constituída por uma coleção dos hinos davídicos. Davi esteve tradicionalmente associado com o culto organizado (cfr. 1Cr 15-16; Ecclus. 47.8-10) e os seus dons excepcionais combinaram-se com a sua notável experiência espiritual. O grupo principal pareceria ser Sl 51-72, mas há outros grupos davídicos, nomeadamente, 2-41 (omitindo o 33), 108-110 e 137-145. Talvez nem todos estes sejam atribuíveis a Davi, mas a sua composição marca o estilo e constitui o núcleo (ver as notas introdutórias ao Sl 138). É presumível que tenha havido mais do que um centro onde os hinos hebraicos foram colecionados, do mesmo modo que houve mais do que uma “escola de profetas”. Durante os séculos em que estes grupos se fundiram, algumas repetições foram aceitas. Estas continham habitualmente variantes, em que aparecia a palavra Eloim para o nome de Deus, de hinos que se referiam a Deus como Jeová, mas havia ainda outras diferenças ligeiras (cfr. 2Sm 22 e Sl 18). Os principais salmos duplicados são o Sl 14 e o Sl 53; o Sl 40.13-17 e o Sl 70.

Pouco depois da constituição dos primeiros grupos davídicos (note-se o comentário editorial no fim do Sl 72) vieram associar-se com eles duas coleções de Salmos levíticos, a de Coré (42-49) e a de Asafe (50, 73-83). Alguns destes podem ter-se originado nos principais regentes das escolas de cantores (cfr. 1Cr 6.31,39); outros receberam os seus títulos como uma indicação do estilo ou do lugar de origem. Os Salmos de Asafe são mais didáticos, dão maior proeminência às tribos de José e fazem um maior uso da imagem do pastor e do discurso direto por parte de Deus. A estes grupos combinados foram acrescentados uns poucos Salmos anônimos (33; 84-89) e também o Sl 1, introdutório.

Os Salmos restantes, 90-150, revestem-se de um caráter muito mais litúrgico e incluem vários grupos de hinos que têm uma forte unidade tradicional, por exemplo, o Hallel Egípcio (113-118), os quinze Cânticos dos Degraus (120-134), e o grupo final (145-150). Outros, como 95-100 (os cânticos sabáticos de alegria), estão obviamente relacionados uns com os outros como estão também os Salmos 92-94 e 103-104. Moisés foi tradicionalmente associado com os Salmos 90 e 91, e há um fundo histórico comum para Salmos como 105-107; 135-136. A sua ênfase sobre o êxodo é equilibrada por uma reverência profunda pela Tora, como se expressa no Sl 119 de uma forma hábil mas devota. Não é possível explicar como estes grupos de Salmos chegaram a ser selecionados, coordenados e finalmente combinados numa grande coleção. A poucos deles pode atribuir-se uma data definida; uns são de Davi, outros são distintamente pós-exílicos. É absolutamente possível que muitos tenham sido revistos através de séculos de uso litúrgico. (Nota: alguns “Salmos” aparecem dispersos pelo Velho Testamento, como, por exemplo, Êx 15.1-21; Dt 32; Jn 2; Hc 3 e mesmo os oráculos de Balaão em Nm 23-24).

Outra questão sobre que há grande diferença de opiniões é até que ponto os Salmos se conservam ainda na sua composição pessoal original e até que ponto foram compostos para uso no culto público? Alguns Salmos são tão íntimos e pessoais como o amor e a morte (por exemplo, 22; 51; 139), mas foram mais tarde adaptados para uso nos serviços do templo. Um exemplo interessante disto acha-se no fim do Sl 51 (ver notas ad loc.). Muitos Salmos, porém, foram compostos, sem dúvida, para uso em cultos coletivos (por exemplo, 67; 115), e alguns dos poemas hebraicos mais antigos eram deste caráter, como os Cânticos de Miriã e Débora (Êx 15.20 e seguinte e Jz 5). Deve notar-se também que Salmos em que aparece o pronome “EU” podem não ter sido originalmente pessoais. A sociedade hebraica encontrava-se de tal modo unida que o indivíduo podia identificar-se com o grupo a que pertencia e o povo, como um todo, podia ser considerado como uma personalidade coletiva. Eis por que muitos Salmos, que parecem ser pessoais, podem entender-se como expressões de uma comunidade unificada por alguma experiência geral e falando por meio de uma pessoa representativa.