Parábola das Árvores no Antigo Testamento

Parábola das árvores
(Jz 9:7-15)


Essa parábola contada aos homens de Siquém por Jotão, filho mais novo de Gideão e único sobrevivente do massacre de seus 70 irmãos por Abimeleque (outro irmão) é outra profecia em forma de parábola, uma vez que se cumpriu. Abimeleque, filho bastardo de Gideão, aspirava a ser rei e persuadiu os homens de Siquém a matar todos os 70 filhos legítimos de seu pai (exceto o que escapou) e o proclamarem rei. Jotão, o sobrevivente, subindo ao monte Gerizim, proferiu a parábola ao rei e ao povo, fugindo em seguida.

Muitos estudiosos discordam da natureza parabólica do pronunciamento de Jotão. Por exemplo, o dr. E. W. Bullinger, em Figures ofspeech [Figuras de linguagem], diz:

“Não se trata de parábola, porque não há nenhuma comparação, na qual uma coisa é equiparada a outra [...] Quando árvores ou animais falam ou pensam, temos uma fábula; e, quando essa fábula é explicada, temos uma alegoria. Se não fosse a oração explicativa “fazendo rei a Abimeleque” (9:16), o que a torna uma alegoria, teríamos uma fábula”.

O dr. A. T. Pierson refere-se a ela como

“a primeira e mais antiga alegoria das Escrituras [...] Uma das mais lindas, de todas as fábulas ou apólogos de todo o universo literário”.

O professor Salmond igualmente refere-se a ela como

“um exemplo legítimo de fábula [...] os elementos grotescos e improváveis que a tornam um meio inadequado para expressar a mais sublime verdade religiosa”.

Ellicott comenta: “nesse capítulo temos o primeiro ‘rei’ israelita e o primeiro massacre de irmãos; dessa forma, temos aqui a primeira fábula. As fábulas são extremamente populares no Oriente, onde são muitas vezes identificadas com o nome do escravo-filósofo Lokman, o congênere de Esopo [...] A ‘fábula’ é uma narrativa imaginária usada para fixar prudência moral nas mentes”. Junto com outros comentaristas, entretanto, inclino-me para o aspecto parabólico do discurso de Jotão, o qual, como disse Stanley, “falou como o autor de uma ode ingleas”. Lang também.vê o discurso como uma parábola e faz três observações:

1. o material da parábola pode ser verdadeiro, assim como as árvores são objetos reais;

2. o uso desse material pode ser completamente imaginário; como quando mostra as árvores em uma reunião, propondo a eleição de um rei e convidando aquelas que estão em crescimento — a oliveira, a figueira, a videira e o es-pinheiro — a reinar sobre as árvores mais altas, como o cedro;

3. os detalhes imaginários podem corresponder exatamente aos homens que precisavam ser instruídos e aos seus feitos [...] O cedro era o mais alto e imponente; assim também eram os homens de Siquém, que foram fortes o suficiente para levar adiante o terrível massacre.

Ainda, quanto à diferença entre interpretação e aplicação, cumpre dizer que a primeira se relaciona com o problema em questão, a saber, a relação entre Israel e Abimeleque, sendo histórica e local; a segunda é profética, e dispensacional. A interpretação imediata da parábola de Jotão seria: as diferentes árvores são apresentadas em ‘busca de um novo rei’, e sucessivamente apresentam-se a oliveira, a figueira, a videira e, por último, o espinheiro. Nessas árvores desejosas de um rei, temos a apresentação figurada do povo de Siquém, que estava descontente com o governo de Deus e ansiava por um líder nominal e visível, como tinham as nações pagas vizinhas. Os filhos mortos de Gideão são comparados a Abimeleque, como as árvores boas ao espinheiro. A palavra traduzida por reina sobre dá a idéia de pairar e encerra também a idéia da falta de sossego e de insegurança. Keil e Delitzsch, em seus estudos sobre o AT, afirmam:

“Quando Deus não era a base da monarquia, ou quando o rei não edificava as fundações de seu reinado sobre a graça divina, ele não passava de uma árvore, pairando sobre outras sem lançar raízes profundas em solo frutífero, sendo completamente incapaz de produzir frutos para a glória de Deus e para o bem dos homens. As palavras do espinheiro, ‘vinde refugiar-vos debaixo da minha sombra’, contêm uma profunda ironia, o que o povo de Siquém logo descobriria”.

Então, como observaremos, a vida da nação israelita é retratada pela semelhança com as árvores citadas na parábola, cada qual com propriedades especialmente valiosas ao povo do Oriente. Muito poderia ser dito a respeito das árvores, sendo a vida de cada uma diferente uma da outra. Embora todas recebam sustento do mesmo solo, cada uma toma da terra o que é compatível com a sua própria natureza, para produzir os respectivos frutos e atender às suas necessidades. São as árvores diferentes no que se refere ao tamanho, à forma e ao valor. Cada árvore possui glória própria. As fortes pro¬tegem as mais fracas do calor intenso e das tempestades ferozes (v. Dn 4:20,22 e Is 32:1).

A oliveira é uma das árvores mais valiosas. Os olivais eram numerosos na Palestina. Winifred Walker, em seu livro lindamente ilustrado Ali the plants of the Bible [Todas as plantas da Bíblia], diz que “uma árvore adulta produz anualmente meia tonelada de óleo”. O óleo proporcionava a luz artificial (Êx 27:20) e era usado como alimento, sendo também um ingrediente da oferta de manjares. O fruto também era comido, e a madeira, usada em construções (lRs 7:23,31,32). As folhas da oliveira simbolizam a paz.

A figueira, famosa por sua doçura, era também altamente apreciada. Seu fruto era muito consumido, e seus ramos frondosos forneciam um excelente abrigo (ISm 25:18). Adão e Eva usaram folhas de figueira para cobrir a sua nudez (Gn 3:6,7). Os figos são os primeiros frutos mencionados na Bíblia.
A videira era igualmente estimada por causa dos seus imensos cachos de uva, que produziam o vinho — grande fonte de riqueza na Palestina (Nm 13:23). O “vinho, que alegra Deus e os homens”. Sentar-se debaixo da própria figueira ou videira era uma expressão proverbial que denotava paz e prosperidade (Mq 4:4).

O cedro, a maior de todas as árvores bíblicas, era famosa por sua notável altura, pois muitas vezes “media 37 m de altura e 6 m de diâmetro”. Por causa da qualidade da madeira, o cedro foi usado na construção do templo e do palácio de Salomão. Altivos e fortes, eles simbolizavam os homens de Siquém, poderosos o suficiente para levar adiante o terrível massacre dos filhos de Gideão. Lang fez a seguinte aplicação:

“Assim como um espinheiro em chamas poderia atear fogo numa floresta de cedros e assim como um cedro em chamas causaria a destruição de todos os espinheiros à sua volta, também Abimeleque e os homens de Siquém eram mutuamente destrutivos e trocaram entre si a recompensa da ingratidão e da violência das duas partes”.

O espinheiro é um poderoso arbusto que cresce em qualquer solo. Não produz frutos valiosos, e sua árvore, da mesma forma, não serve de abrigo. Sua madeira é usada pelos habitantes como combustível. O dr. A. T. Pierson lembra-nos que “o espinheiro é o sanguinheiro ou ramno” e que “o fogo que sai do espinheiro refere-se à sua natureza in-flamável, uma vez que pode facilmente e em pouco tempo ser consumido”. A aplicação é por demais óbvia. O nobre Gideão e seus respeitáveis filhos haviam rejeitado o reino que lhes fora oferecido, mas o bastardo e desprezível Abimeleque o aceitara e se afiguraria aos seus súditos como espinheiro incômodo e feroz destruidor; seu caminho acabaria da mesma forma que o espinheiro em chamas no reinado mútuo dele para com os seus súditos (Jz 9:16-20). O fogo a sair do espinheiro talvez se refira ao fato de que o incêndio muitas vezes se inicia no arbusto seco, pela fricção dos galhos, formando assim um emblema apropriado para a guerra das obsessões, que geralmente destroem as alianças entre homens perversos.

Embora a habilidade de Jotão no emprego das imagens tenha atraído a atenção dos homens de Siquém e tenha agido como um espelho a refletir a tolice criminosa deles, esse reflexo não os faz arrepender-se da perversidade. Os siquemitas não proferiram sentença contra si próprios, como fez Davi após ouvir a tocante parábola de Nata, ou como fizeram muitos dos que ouviram as parábolas de Jesus (Mt 21:14). Eloquência eficaz é a que move o coração a agir. Os ouvintes da parábola de Jotão ainda toleraram o reinado de Abimeleque por mais três anos.

Para nós a lição é clara:

“O doce contentamento com a nossa esfera de atuação e o privilégio de estarmos na obra de Deus, estando no lugar em que o Senhor nos pôs; e a inutilidade da cobiça por mera promoção”.

Como a oliveira, a figueira, a videira e o espinheiro são muitas vezes usados como símbolos de Israel, será proveitoso reportarmo-nos de modo resumido a essa aplicação:

A oliveira fala dos privilégios e das bênçãos pactuais de Israel (Rm 11:17-25). E corretamente chamada o primeiro “rei” das árvores, porque, por manter-se sempre verde, fala da duradoura aliança que Deus fez com Abraão, antes mesmo de Israel se formar. Na parábola de Jotão, a oliveira é caracterizada por sua gordura e, quando usada, tanto Deus como o homem são honrados (Êx 27:20,21; Lv 2:1). Os privilégios dos israelitas (sua gordura) são encontrados em Romanos 3:2 e 9:4,5. Nenhuma ou¬tra nação foi tão abençoada quanto Israel.

O fracasso de Israel (oliveira) se vê no fato de que alguns de seus ramos foram arrancados, e certos galhos selvagens foram enxertados no lugar. Os gentios estão desfrutando de alguns dos privilégios e das bênçãos da oliveira. De todas as bênçãos recebidas por Israel, a principal foi o dom da Palavra de Deus e o dom do seu Filho. Hoje os gentios regenerados estão pregando sobre o Filho de Deus a Israel, levando até essa nação a Palavra de Deus. A restauração dos judeus, entretanto, é vista em sua gordura, no dia em que

“todo Israel será salvo [...] se sua queda foi riqueza para o mundo [...] quanto mais sua plenitude”.

A figueira fala dos privilégios nacionais de Israel (Mt 21:18-20; 24:32,33; Mc 11:12-14; Lc 13:6-8).

O que caracteriza a figueira é a sua doçura e seus bons frutos. Deus plantou Israel, sua figueira, mas o seu fruto se corrompeu e, no lugar da doçura, houve amargor. Foi o que aconteceu quando o nosso Senhor veio a Israel, pois os seus (o seu povo) não o receberam. Com amargor, os judeus o consideraram um endemoninhado e “formaram conselho contra ele, para o matarem”. Hoje acontece a mesma coisa, pois Israel ainda rejeita o seu Messias e é amargo para com ele. David Baron disse: “Tenho conhecido pessoalmente muitos homens amáveis e de caráter adorável entre os judeus, mas, assim que o nome ‘Jesus’ é mencionado, mudam o semblante, como se tivessem um acesso de indignação [...] cerrando os punhos, rangendo os dentes e cuspindo no chão por causa da simples menção do nome.

O fracasso de Israel se vê no ressecamento da figueira (Mt 21:19,20). Nosso Senhor procurou frutos, mas, como não encontrou um sequer, amaldiçoou a árvore infrutífera, e ela secou. Na parábola de Lucas, ela é derrubada. Essa é a situação de Israel há muitos séculos. A figueira está seca, sem rei, sem bandeira e sem lar. Ela é cauda, apesar da promessa de ser cabeça entre as nações.

A restauração de Israel se observa nos brotos verdes da figueira. O Senhor certa vez amaldiçoou uma figueira, dizendo: “Nunca mais nasça fruto de ti”. Quanto à outra figueira, Israel, no entanto, disse:

“Aprendei agora esta parábola da figueira: Quando já os seus ramos se tornam tenros e brotam folhas, sabeis que está próximo o verão [...]. Igualmente vós, quando virdes todas estas coisas, sabei que ele está próximo, às portas” (Mt 24:32; Lc 21:30).

A videira simboliza os privilégios espirituais de Israel (Is 5:1-7; SI 80:9-19; Ez 15; Jo 15).

O que caracterizava a videira era o vinho, que alegra tanto a Deus como ao homem. O vinho é o símbolo escolhido pelo Senhor para a alegria. Quando Israel tinha os odres de vinho cheios e transbordantes, esse fato servia de prova indiscutível de que a bênção transbordante do Senhor estava sobre o povo e, é claro, de que havia alegria sob a aprovação divina; e o próprio Deus alegrava-se na libação oferecida por seu povo.

O fracasso de Israel se vê na videira consumida e devorada e na vinha pisoteada. Deus trouxe a videira do Egito, plantou-a em lugar preparado, fez tudo por ela, mas ela perdeu o viço, de modo que as suas sebes foram retiradas e a plantação ficou desolada. Não existe mais vinho.

A restauração de Israel acontecerá no dia da visitação de Deus. “Ó Deus dos Exércitos, volta-te, nós te rogamos! Atende dos céus, e vê! Visita esta vinha, a videira que a tua destra plantou [...] Faze-nos voltar, ó Senhor Deus dos Exércitos; faze resplandecer o teu rosto, e seremos salvos” (SI 80). Essa visitação acontecerá na pessoa do Filho de Deus, pois todas as bênçãos espirituais estão nele, e daqui em diante Israel as encontrará somente na Videira Verdadeira.

O espinheiro, a mais insignificante das árvores, só serve para ser queimada. O espinheiro estava disposto a reinar sobre as árvores. E todas elas estavam dispostas a lhe prestar submissão. Isso é profético e reflete o dia em que Israel será dominado pelo Anticristo. O espinheiro é uma árvore cujos espinhos representam a maldição do pecado.

Quando o espinheiro vier, dirá:

“...vinde refugiar-vos debaixo da minha sombra...”. Quando nosso bendito Senhor esteve aqui, disse: ‘Vinde a mim’; e o que teve em resposta foi: “Fora! Fora! Crucifica-o! [...] Não temos rei, senão César”.

Mas, quando vier o espinheiro, eles o receberão e farão uma aliança com ele, depositando a confiança na sua sombra.

Sairá fogo do espinheiro e consumirá a todos. Essa é uma profecia sobre a grande tribulação, a hora da dificuldade para Jacó. Mas o próprio espinheiro será queimado e destruído (Jz 9:20). Isso acontecerá na vinda do nosso Senhor (2Ts 2:8). E a gordura, a doçura e a alegria das árvores abençoarão a Israel e farão dele uma bênção, por meio daquele que morreu no madeiro amaldiçoado.