Evangelho de João — Relação com os Evangelhos Sinóticos

Relação dos Evangelhos Sinóticos com João

Relação dos Evangelhos Sinóticos com João


Qual a relação do Evangelho de João com os Evangelhos Sinóticos? Clemente de Alexandria (citado em Eusébio, H. E., VI, 14, 7) preservou a tradição de que João, ao ver que alguns dos fatos históricos do ministério de Jesus haviam sido reduzidos à forma escrita (presumidamente os Sinópticos), sendo induzido pelo Espírito e impelido por seus colegas, escreveu outro Evangelho, que era mais espiritual em seu teor. Esta idéia de que João escreveu para suplementar ou interpretar as narrativas existentes do ministério de Jesus tem sido aceita até o momento presente, embora alguns críticos tenham expressado suas dúvidas. Hoje a escola moderna está quase que igualmente dividida, quanto ao fato de João ter sabido acerca de nossos Evangelhos Sinópticos; mas parece haver um movimento definido indicando que João preserva uma tradição completamente independente. É mantida, por alguns, uma posição mediadora, de que João não conheceu os Evangelhos escritos, mas conheceu a tradição que estava por trás deles.

O último comentário importante que insiste sobre uma relação direta entre João e os Sinópticos (especialmente com Marcos) é o de C. K. Barrett (The Gospel According to St. John — O Evangelho Segundo São João, 1955). Desde essa época, outros escritores não são tão dogmáticos quanto à dependência de João. Barrett apresenta, como razoes para sua dependência, a descoberta de certas semelhanças verbais e várias passagens em Marcos e João que seguem na mesma ordem. Ele ficou impressionado com as semelhanças. Apresenta doze versículos contidos em João, com os quais há concordância verbal em Marcos (João 4:44 — Mar. 6:4; João 5:8 — Mar. 2:11; João 6:7 — Mar. 6:37; João 6:20 — Mar. 6:50; João 8:52 — Mar. 9:1; João 12:3 — Mar. 14:3; João 12:5 — Mar. 14:5; João 12:7,8 — Mar. 14:7,8; João 12:13 — Mar. 11:9; João 19:1-3 — Mar. 15:16,19; João 19:17 — Mar. 15:22; João 19:29 — Mar. 15:36). Algumas das comparações são encontradas numa única palavra ou locução. Deve ser observado também que algumas destas passagens não são da mesma ordem. Em comparação com o número de palavras encontradas em qualquer dos Evangelhos, essa evidência não é muito convincente. É mais provável que quaisquer semelhanças surjam de uma tradição oral comum do que de qualquer relação direta.

As passagens que seguem na mesma ordem relativa, na estrutura, dificilmente são mais convincentes que as semelhanças verbais. Estas passagens comuns quanto à ordem são as seguintes: a obra do Batista; a partida inicial para a Galileia; a alimentação da multidão; a caminhada sobre o Mar da Galileia; a confissão de Pedro; a partida para Jerusalém; a entrada em Jerusalém e a unção; a Última Ceia; a prisão, paixão e ressurreição. Observa-se que esta lista não é tão conclusiva quanto se supõe. Alguns dos itens necessariamente têm de seguir na seqüência dada nos Evangelhos. O ministério do Batista deve vir primeiro, por causa do batismo de Jesus e da sua ligação com o precursor. É simplesmente lógico que a partida para a Galileia pudesse seguir o acontecimento inicial do ministério de Jesus. Como a alimentação da multidão ocorreu na Galileia, esta seria a seqüência própria. A subida a Jerusalém era necessária para que a prisão, paixão e ressurreição ocorressem lá. Não pode haver outra seqüência que não estes eventos. A caminhada sobre as águas, contudo, é o único evento desta lista que realmente é relevante ao argumento. Mas é a única peça distinta de evidência que poderia apoiar a dependência. A confissão de Pedro conforme apresentada nos dois Evangelhos não é tão concreta como se esperaria, uma vez que há enorme dúvida de que os dois evangelistas estejam falando acerca do mesmo evento. Os locais e a linguagem são diferentes em cada uma das situações contrastantes. Pode-se ver que a ordem da entrada em Jerusalém e da unção foi invertida, em João, quando comparada a Marcos. Visto a esta luz, o argumento em favor da dependência não é nem impressivo nem convincente. Este tipo de raciocínio não é suficientemente conclusivo para um problema importante como este.

Foi o livro de Percy Gardner-Smith (Saint John and the Synoptic Gospels — São João e os Evangelhos Sinópticos, 1938) que realmente iniciou o movimento de afastamento da dependência, da parte de João, dos Sinópticos. Ele concluiu que a dependência não pôde ser substanciada, e existe agora uma crescente convicção, nos tempos recentes, de que ele está correto em sua análise. Anteriormente, H. Scott Holland (The Fourth Gospel — O Quarto Evangelho, 1923), construindo sobre o conceito reconhecido de que João contém uma estrutura de história que falta nos Sinópticos, demonstrou que estes pressupõem o ministério da Judeia encontrado em João (e ausente nos Sinópticos) e que eles são realmente não-inteligíveis sem a narrativa joanina. A oposição a Jesus em Jerusalém (bem como sua rápida retirada, anterior, para a Galileia) só pode ser explicada por um ministério em Jerusalém e em torno dela, o que está faltando nos Sinópticos. Esse ministério é apresentado por João.

Outro livro que merece mais atenção apareceu em 1940, escrito por H. E. Dana (The Ephesian Tradition — A Tradição de Éfeso). Este foi escrito como um exercício em forma de crítica, aplicado ao quarto Evangelho. Ao comparar os quatro Evangelhos, Dana constatou que parece ter havido duas tradições orais paralelas, que se originaram na Palestina. Uma veio da região da Galiléia e a outra da Judéia. Dana procurou mostrar que Marcos e Mateus preservam a tradição galiléia, Lucas tem uma mistura de ambas as tradições, da Galileia e da Judeia, e João é basicamente da Judéia (conforme influenciado pelo ambiente em torno de Éfeso). A história inteira da formação dos Evangelhos pode ser diagramada como segue:

Conforme se pode ver no desenho, o lambda (Λ) seria o corpo de material comum a Mateus e a Lucas, e atualmente conhecido pelos estudiosos como “Q”. O “M” seria o material encontrado somente em Mateus. Estas duas fontes refletem a tradição da Galiléia, como passou através de Antioquia da Síria. Marcos seria a tradição da Galiléia influenciada pelo ambiente romano. Esta tradição da Galiléia, conforme influenciada pela comunidade romana, foi, então, passada para frente, para Mateus e Lucas. O “L” forma o material de Lucas a partir da tradição da Judéia, que é, basicamente, a narrativa da viagem (9:51-19:27) e talvez a narrativa do nascimento de Jesus (Luc. 1-2). O pi (TT) é a narrativa da paixão, que é distinta da dos outros dois Sinópticos. Tanto a fonte “L” como a “M” têm material em comum ao encontrado em João e não encontrado nem em Marcos nem em Mateus. Dana admite a possibilidade de João ter conhecido os Sinópticos (mas não a aceita), o que as linhas pontilhadas sugerem. O que é de importância é a distinção do Evangelho de João em preservar uma tradição que está historicamente centralizada em e ao redor de Jerusalém. Esta tradição, conforme preservada também em Lucas, ajudaria a explicar as diferenças encontradas nas narrativas da paixão dentro dos Sinópticos. Os estudiosos há muito reconheceram que Lucas não foi como Mateus e Marcos, quanto às aparições da ressurreição. Neste sentido, Lucas e João são parecidos em colocarem estas em Jerusalém e ao redor dela, enquanto Mateus e Marcos as colocam na Galiléia. A influência de Paulo sobre a tradição de Éfeso ajudaria a explicar alguns paralelos entre a teologia joanina e paulina.