Interpretação de Marcos 1
Marcos 1
I. O Título. 1:1.
Essas palavras representam um título indicativo do conteúdo do livro como um todo. O evangelho aqui não é o livro, mas a mensagem, as boas novas da salvação por meio de Jesus Cristo. Os fatos da vida e morte de Cristo formara o princípio do Evangelho, o que significa que a pregação apostólica foi a continuação. Filho de Deus. Para Marcos, não menos do que para João, a divindade de Cristo é de primária importância, e assim ele a inclui no título do seu Evangelho.
II. A Preparação para o Ministério de Cristo. 1:2-13.
Seu precursor. 1:2-8.
Passando por cima do nascimento e primeiros anos da vida de Cristo, Marcos volta-se imediatamente para os acontecimentos que introduziram o ministério público do Senhor. Conforme profetizado no V. T., Jesus foi precedido por um arauto enviado a preparar os homens para o seu aparecimento. João Batista veio como o último representante da velha ordem com o propósito expresso de introduzir a personalidade-chave da nova.
1:2. Conforme está escrito. Esta cláusula deve ser ligada ao versículo 4. O batismo e a pregação de João estavam de acordo com as Escrituras. Esta era uma fórmula usada para indicar “um contrato inalterável” (Adolf Deissmann, Paul. A Study in Social and Religious History, pág, 101). Na profecia. A citação aqui é provavelmente uma fusão de Ml. 3:1 e Êx. 23:20.
1:3. Esta porção da citação é uma reprodução quase exata da Septuaginta, em Is. 40:3.
1:4. A palavra batizar significa mergulhar ou submergir e assim se refere à imersão. Não era um rito inteiramente novo, uma vez que o batismo dos prosélitos judeus era uma forma de auto-imersão (G. F. Moore, Judaism in the First Three Centuries of the Christian Era, I, 331-335). João proclamou o batismo de arrependimento, isto é, um batismo caracterizado por, e significando arrependimento. No N.T, o arrependimento tem um significado mais profundo do que o seu sentido original de mudança da mente. Passou a se referir a uma íntima mudança de direção e propósito, um afastamento do pecado em direção da justiça. Josefo tornou claro que este era o pré-requisito para o batismo de João (Antiquities of the Jews, XVIII, v. 2). Para remissão dos pecados. A preposição grega eis era usada, às vezes, com o significado de “por causa de”. Portanto, o significado pode ser que João batizava por causa do perdão dos pecados.
1:5. Falando em hipérbole, Marcos descreve as multidões que acorriam de todas as partes da Judéia. Saíam a ter. O imperfeito descreve, à moda de um filme, a vinda contínua de pessoas para serem batizadas (também imperfeito). O rito era realizado no rio Jordão, uma expressão que deve ser entendida literalmente.
1:7. Nos versículos 7 e 8 Marcos registra o âmago da mensagem do Batista. Ele pregava, ou proclamava como um arauto (kerussõ), o fato da vinda de alguém. Correia. A tira de couro usada para amarrar as sandálias. João não se considerava digno de servir o Mestre nem mesmo na qualidade de escravo.
1:8. O derramamento do Espírito Santo era esperado como característica do período messiânico (Joel 2:28, 29; Atos 1:5; 2:4, 16-21). Todo o período compreendido entre o primeiro e o segundo advento de Cristo é considerado messiânico, marcado pelo ministério do Espírito.
Seu Batismo. 1:9-11.
O ponto alto no ministério do precursor foi quando o “mais forte” do que ele veio se submeter ao batismo. Esse ato marcou o início oficial do ministério público de Jesus.
1:9. No Jordão. A preposição grega eis significando “em”, “no”, com as palavras “saiu da água” (v. 10) indica uma entrada no rio, sugerindo imersão. Respondendo à pergunta por que o Cristo sem pecado foi batizado com o batismo do arrependimento, pode-se dizer que esse foi um ato deliberado de identificação com os pecadores. Além disso, ele dava todo apoio ao ministério de João, e ser batizado era a coisa certa a fazer (Mt. 3:15).
1:10. Observe a primeira ocorrência do logo característico de Marcos (euthys); veja Características, na Introdução. A palavra de Marcos que foi traduzida para rasgar é muito incisiva no original, significando mesmo rasgar, romper-se. O Espírito. Conf. Is. 61:1; Atos 10:38.
Sua Tentação. 1:12,13.
Marcos, em conciso sumário, registra a tentação de Cristo em dois versículos, onde Mateus e Lucas empregam onze e treze versículos respectivamente. O ministério do Salvador deveria começar desse modo. Mais ainda ele manifesta sua solidariedade com a humanidade submetendo-se às tentações do ser humano (I Co. 10:13).
1:12. E logo. A mesma palavra de 1:10. A palavra Espírito refere-se ao Espírito Santo, tal como em 1:8, 10. A tentação de Jesus não foi um acidente inevitável. O vigoroso estilo de Marcos pode ser observado na palavra impeliu, quando outros Evangelhos usam “conduziu”.
1:13. Veja comentários sobre Mt. 4:1-11 e Lc. 4:1-13 para detalhes da tentação. Que foi uma tentação genuína à qual Cristo achou necessário resistir pode-se deduzir de Hb. 2:18; 4:15. Foi uma realidade, não uma farsa, e por meio de sua terrível realidade Cristo foi qualificado a ser nosso Sumo Sacerdote e nosso Exemplo em momentos de tentação. Que ele não se entregaria às solicitações do tentador foi assegurado pela onipotência de sua santa vontade.
III. O Ministério de Cristo na Galileia. 1:14 – 6:30.
A Chamada dos Quatro Primeiros Discípulos. 1:14-20.
Novamente Marcos omite uma porção da vida e obra de Cristo, passando da tentação diretamente para o começo do ministério na Galiléia. Depois de uma declaração introdutória (vs. 14, 15), ele conta a chamada dos quatro pescadores para o discipulado.
1:14. Depois de João ter sido preso. Essas palavras sugerem que Marcos conscientemente passa por cima de um número de acontecimentos. Veja Jo. 1:35-4:42. O evangelho. . . de Deus. Provas encontradas em manuscritos são fortemente a favor da omissão das palavras do reino. A mensagem que Cristo continuou proclamando (kerussõn, ação contínua) durante o ministério na Galileia foram as boas novas que vêm de Deus.
1:15. Marcos acrescenta uma amplificação da mensagem. O tempo está cumprido. A estação (kairos) da preparação, o período do V.T., chegara à consumação de acordo com o plano de Deus (cons. Gl. 4:4). O reino de Deus refere-se à soberania, ao reino real, de Deus (Arndt, pág. 134, 135). Essa sabedoria divina foi descrita como estando próxima, ou melhor, como tendo se aproximado. Não estava ainda presente de fato, mas potencialmente. Os termos da entrada eram: Arrependei-vos e crede no evangelho. A mensagem de João foi uma mensagem de arrependimento, mas aqui se acrescentou uma observação nova e positiva. O reino nestes versículos é espiritual e presente (conf. Jo. 3:3, 5; Cl. 1:13). Em outras passagens, as Escrituras descrevem o reino futuro, escatológico.
1:16. Simão e André já conheciam o Cristo na qualidade de Messias (Jo. 1:40-42). Também é provável que João (Mc. 1:19) fosse um dos mencionados em Jo. 1:35-39, que seguiram Jesus.
Primeira Viagem Missionária na Galileia. 1:21-45.
O ministério na Galileia destacou-se por três viagens missionárias, nas quais Cristo sistematicamente levou a sua mensagem a todas as partes da Galileia. A primeira e a terceira dessas viagens são contadas por Marcos. Nesta seção descreveu o ministério em Cafarnaum e no interior da Galileia, colocando maior ênfase no primeiro. Versículos 21-34 descrevem um dia de atividades na cidade à beira-mar.
1:21. Cafarnaum era uma cidade importante na principal estrada para Damasco, sede de uma alfândega, a cidade dos cinco primeiros discípulos que Jesus chamou, como também o quartel-general do seu ministério galileu. Ensinava. Era costume convidar pessoas qualificadas para ensinarem na sinagoga.
1:22. Maravilharam-se. Uma palavra vigorosa, significando impressionar intensamente. Doutrina. A sua maneira de ensinar, como também o conteúdo, foi o que os impressionou, por causa da diferença que havia do ensino dos escribas. Estes últimos eram estudantes e mestres da lei escrita e oral, que ensinavam citando a palavra da autoridade dos escribas antes deles. Jesus falava como tendo autoridade direta de Deus.
1:24. Que temos nós contigo? Literalmente, “O que há entre nós?” O homem fala por si mesmo e pelo demônio que está nele. Bem sei quem és. Ele tinha consciência da verdadeira identidade de Cristo como o Santo de Deus, indicando conhecimento sobrenatural concedido pelo demônio.
1:25. Cala-te! Uma palavra forte que significa amordaçar. A força da ordem é quase igual ao nosso “cala boca”. Sai. Ambos os imperativos deste versículo são ordens para obediência imediata.
1:26. Agitando violentamente. O espírito convulsionou o homem ao deixá-lo.
1:29. Deixando a sinagoga, eles foram à casa de Simão, onde André, seu irmão, parece que morava. Tiago e João os acompanharam, mas não se deve entender que a casa também fosse deles. Provavelmente era a casa citada em outras ocasiões posteriores que servia de quartel-general a Jesus e à qual ele retornava das suas viagens missionárias.
1:30. Achando-se acamada com febre. Marcos descreve a sogra de Pedro prostrada na cama e queimando de febre.
1:32. Esse ocupado dia em Cafarnaum era um sábado (v. 21), sendo esta provavelmente a razão da cuidadosa explicação de Marcos que os doentes foram trazidos à tarde, ao cair do sol. A cura não devia ser efetuada no sábado, como também não se devia carregar nenhum fardo. Trouxeram-lhe. O imperfeito grego significa ação continua, significando que continuaram a trazê-los um depois do outro. Endemoninhados. Daimonizomenous significa “possuídos pelo demônio”. Conf. 1:34, 39.
1:34. Não lhes permitindo que falassem. Os demônios estavam identificando Jesus como o Cristo, o Filho de Deus (Lc. 4:41) mas ele repetidamente recusou (gr. imperfeito) deixá-los falar. Esse conhecimento de sua pessoa é mais uma evidência de que não eram simplesmente casos de doença mental.
1:35. Alta madrugada refere-se à primeira parte da última vigília da noite, talvez entre as três e as quatro horas da manhã. Seu propósito era passar o tempo orando em preparação da viagem missionária que o devia levar a toda a Galileia.
1:39. Nenhuma hipérbole foi pretendida na expressão, por toda a Galileia. Pelo contrário, a intenção foi a de fornecer um breve resumo da primeira viagem missionária na Galileia.
1:40. Sem dúvida a cura do leproso (vs. 40-45) aconteceu na viagem pela Galileia. Purificar-me. A lepra era considerada cerimonialmente imunda (Lv. 13:1-3). Observe a fé do leproso na capacidade de Cristo.
1:43. Veemente advertência. O verbo de Marcos indica forte emoção, e foi usado aqui no sentido de uma advertência muito forte. No original significa irado. Logo o despediu, ou, literalmente, empurrou-o para fora (exebalen; conf. 1:12).
1:44. Não digas nada a ninguém; mas vai. Devia apresentar-se imediatamente ao sacerdote cumprindo as exigências da Lei (Lv. 14:1 e segs.). Até que fosse declarado limpo pelas autoridades, não tinha o direito de reassumir seus relacionamentos sociais normais. Devia ser feito para servir de testemunho ao povo. Nenhuma testemunha seria mais forte nem teria mais autoridade do que a declaração que o sacerdote fizesse de que o leproso estava limpo.
1:45. Deixando o homem de obedecer imediatamente acrescentou tremenda popularidade a Jesus como operador de milagres. As multidões eram tão grandes que ele achou necessário realizar as reuniões em lugares ermos, isto é, lugares desabitados ou não cultivados. Vinham ter com ele como rios (érchonto, tempo imperfeito) vindos de todas as partes.