Interpretação de Marcos 10

Marcos 10

10:1-52. Com uma única declaração Marcos resume cerca de seis meses do ministério de Cristo (v. 1). Sua menção da Judeia cobre o último período, largamente descrito em Jo. 7:10-10: 39 e Lc. 10:1-13:21; a referência feita a além do Jordão relaciona-se com o ministério na Pereia, cuja parte maior foi narrada em Lc. 13:22 - 19:28. Os acontecimentos de Mc. 10:2-52 são realmente os acontecimentos finais deste período na Pereia (cons. Lc. 18:15 - 19:28).

Estas conversas provavelmente aconteceram em algum lugar da Pereia. Não foi citado o lugar exato. Em 10:2-12 Cristo respondeu à pergunta dos fariseus em relação à legalidade do divórcio; 10:13-16 indica a atitude de Jesus em relação às crianças; e 10:17-31 registra a vinda do jovem rico e a consequente discussão sobre as riquezas.

10:1. Levantando-se Jesus. Jesus deixou Cafarnaum, onde permaneceu pouco tempo na casa de Pedro (9:33). Aqui há um importante problema textual referente à expressão. Judeia, além do Jordão. O manuscrito favorece a leitura Judeia e além do Jordão. À primeira vista este texto parece impossível, uma vez que parece inverter a ordem natural, Pereia e Judeia. Vindo da Galileia, Jesus teria de passar primeiro pela Pereia e depois pela Judéia. Entretanto, esta dificuldade desaparece se encararmos 10:1 como um resumo da última parte dos ministérios de Cristo na Judeia e Pereia. Depois do período das retiradas, Jesus foi primeiro à Judeia por três meses; depois foi à Pereia por aproximadamente o mesmo período de tempo. Assim, a ordem no resumo de Marcos primeiro Judeia e depois Pereia – está correto. O verbo ensinar (gr. imp.) significa um acontecimento contínuo. Para exemplo desse ensino, veja passagens como Lc. 13:22 - 18:14.

10:2 A questão apresentada pelos fariseus foi sobre um dos assuntos debatidos naquele dia. Os escribas que seguiam Hillel defendiam que um homem podia se divorciar de sua esposa por qualquer motivo. Os seguidores de Shammai, por outro lado, insistiam que o divórcio só era legal em caso de adultério. Experimentarem. A mesma palavra grega pode significar “tentar” e “experimentar”. Sua pergunta foi apresentada com motivação dissimulada de experimentar a Cristo.

10:4. Permitiu. Isto é, Moisés permitiu o divórcio, o regulamento mosaico se encontra em Dt. 24:1. Deve-se notar que os fariseus não citaram a condição sob a qual Moisés permitiu o divórcio.

10:5. Por causa da dureza do vosso coração. Moisés estipulou, mas na realidade não ordenou. Ele permitiu por causa da condição espiritual insatisfatória do homem. Foi uma tentativa de regular e controlar o divórcio e não de encorajá-lo.

10:6-8. A declaração que começa Deus os fez (v. 6) e que termina serão os dois uma só carne (v. 8) foi citada textualmente de Gn. 1:27; 2:24 (Septuaginta). A condição existente no princípio é indicativa do ideal de Deus. Ele planejou que o casamento fosse uma união para toda vida em todos os casos.

10:11. O homem, neste caso, comete adultério contra aquela, não por causa do divórcio, mas por causa do novo casamento. Embora tenha passado pelo procedimento legal do divórcio, aos olhos de Deus ele continua casado com sua primeira esposa. Mateus acrescenta a exceção da fornicação (Mt. 19:9).

10:13. Os acontecimentos registrados neste versículo provavelmente aconteceram na casa (cons. v. 10). Trouxeram, continuamente (texto grego), as crianças. A atitude dos discípulos parece que se baseava no conceito de que o tempo do Senhor era valioso demais para ser desperdiçado com crianças.

10:14. A tradução, indignou-se, está de acordo com a força do verbo grego. O Evangelho de Marcos é incomparável na sua descrição das emoções de Cristo. Deixai. A proibição de Jesus significa, literalmente, parem de impedi-los. O motivo que ele oferece para sua atitude é que o reino de Deus é constituído dessas pessoas. Está claro que tinha em mente o reino presente, espiritual.

10:16. A idade desses meninos foi sugerida pelo fato de Jesus abençoá-los, tomando-os nos braços. Ele as abençoava é um verbo composto, descrevendo o fervor profundamente sentido com o qual Cristo pronunciou as palavras da bênção (cf. Gn. 14:19,20; 27:26-29; 48:15-20).

10:17. A conversa com o jovem rico aconteceu quando Jesus estava deixando a casa onde se encontrava hospedado, provavelmente em algum lugar da Pereia (cons. v. 10). Marcos simplesmente declara que correu um homem ao seu encontro, mas não menciona que o homem era um jovem doutor da lei. Esse fato foi fornecido por Mateus e Lucas. Mestre. É a palavra usada para “professor” (didaskale). Ele concebia a vida eterna como algo que devia obter fazendo o bem (Mt. 19:16).

10:18. A pergunta, Por que me chamas bom?, tinha a intenção de levar o jovem a considerar a verdadeira identidade de Jesus. Foi uma declaração indireta de Sua divindade, uma vez que a bondade ou a ausência de pecado é uma qualidade de Deus somente.

10:19. Cristo citou alguns dos mandamentos sem se importar com a sua ordem em Êx. 20. O mandamento, Não defraudarás, talvez representa o décimo mandamento, que se relaciona com a cobiça. O propósito de chamar a atenção para a Lei foi a de mostrar ao jovem a sua incapacidade de ganhar a vida eterna através das boas obras.

10:20. Tudo isso tenho observado. O jovem podia verdadeiramente fazer uma tal declaração, mas a sua justiça era uma obediência externa. Era como a justiça dos escribas e fariseus (Mt. 5:20; cons. Fl. 3:6).

10:21. Fitando-o. Jesus olhou para ele intensa e perscrutadoramente, amou-o. Sem dúvida Ele reconheceu a sinceridade da busca do homem por alguma coisa que satisfizesse a sua necessidade espiritual; Ele viu o potencial representado neste jovem honesto. Depois Ele tratou do âmago do problema do homem, sua maior devoção às riquezas do que a Deus. Ali estava a coisa que lhe faltava. A fim de seguir Jesus, tinha de remover o obstáculo, seu amor ao dinheiro. Não eram as obras de caridade que lhe concederiam a vida eterna; tinha de identificar-se com Cristo.

10:23. O Senhor não negou a possibilidade de que uma pessoa rica pudesse ser salva; ele disse simplesmente que é difícil. O reino de Deus é o reino atual, espiritual, composto pelo povo de Deus regenerado (Jo. 3:3, 5).

10:25. A ideia de que o fundo de uma agulha mencionado aqui fosse um portãozinho através do qual um camelo só pudesse passar de joelhos não tem sanção. A palavra agulha aqui refere-se especificamente à agulha de costura. Além disso, Jesus não estava falando sobre o que homem considera possível, mas sobre o que parece impossível (cons. v. 27). Para o homem é impossível que um camelo (passe) pelo fundo de uma agulha.

10:29, 30. Em verdade introduz uma declaração de solene certeza. A palavra mulher não se encontra nos melhores textos gregos. Cêntuplo. Os itens aqui enumerados podem ser tomados literalmente, referindo-se a coisas tais como muitas casas que se abrirão para os servos de Deus e os muitos novos amigos que terá na família de Deus. Ou podem ser tomados figurativamente descrevendo as múltiplas bênçãos espirituais que o Senhor amontoa sobre aqueles que o seguem sacrificialmente. O ao estado eterno que será introduzido pelo segundo advento do Messias e aos acontecimentos relacionados com o mesmo, tais como o Dia do Senhor, os juízos cataclísmicos, o Milênio e julgamento final.

10:32-45 A discussão registrada nestes versículos aconteceu em algum lugar da Pereia, quando Jesus se encontrava a caminho de Jerusalém pela última vez. Novamente repetiu as declarações referentes à sua morte e ressurreição (vs. 32-34), tentando, através da repetição, gravar os fatos nas mentes dos seus discípulos. E novamente a tentação de buscar a autopromoção envenenou os discípulos (vs. 35-45).

10:32 Esta viagem a Jerusalém foi, conforme Jesus sabia, aquela que o conduziria para a morte. O fato de que Jesus ia adiante dos seus discípulos caminhando sozinho, foi um surpreendente afastamento da sua prática costumeira de desfrutar do companheirismo dos seus discípulos. Sem dúvida havia alguma coisa em seu estranho alheamento, admiraram e ficaram tomados de apreensões. Os tempos que foram usados aqui indicam que essa foi uma situação que perdurou por algum tempo.

10:33, 34 Um avanço além das predições anteriores é evidente na quantidade de detalhes apresentados (com. 8:31; 9:31). Observe a declaração, Eis que nós subimos para Jerusalém, que indica que o cumprimento dessas predições viriam durante essa visita à cidade. Mas os discípulos ainda não entenderam o que Cristo estava tentando lhes explicar (Lc. 18:34). Seu conceito do Messias levava-os a pensar em termos de glória e reinado (cons. Mc. 10:35-37).

10:35 Mateus declara que Tiago e João deram com a respectiva mãe e fizeram seu pedido através dela (20:20). Mateus também diz Então se aproximaram que pode indicar que esse pedido auto-intercessório dos dois discípulos seguiu-se imediatamente aos ensinamentos do Salvador relativos a sua morte.

10:37 A direita de um rei era lugar de honra, e a esquerda vinha logo a seguir em importância. Na tua glória. Ou, no teu reino (Mt. 20:21), que explica que os discípulos tinham em mente a glória do reino messiânico.

10:38 O Senhor, reconhecendo a sua ignorância, começou a lhe mostrar que tais prêmios têm de ser ganhos. O cálice e o batismo falam dos sofrimentos de Cristo, dos quais os discípulos precisavam ser capazes e ter vontade de participar. No Getsêmani ele falou da sua morte chamando-a de “cálice” (14:36); em Lc 12:50 o termo “batismo” é uma figura do sofrimento e da morte.

10:40 As honras da direita e da esquerda não podiam ser distribuídas como favores aos amigos. Tais recompensas tinham de ser dadas aqueles a quem está preparado, isto é, aqueles que as obtém pela fidelidade na vida e no serviço.

10:42 Este triste espetáculo de ambição egoísta transformou-se em uma ocasião para o Senhor reenfatizar a natureza da verdadeira grandeza (cons. 9:35). Primeiro, ele lembrou os Doze do padrão para a grandeza estipulado pelo mundo. Os governadores e dignitários têm-nos sob seu domínio e exercem autoridade sobre o povo.

10:43 Mas esse não deve ser o costume entre os seguidores de Cristo. Pelo contrário, aquele que quer tornar-se grande tem de ser o que sirva os seus companheiros.

10:45 O próprio Jesus foi o exemplo supremo de alguém que manifestava a verdadeira grandeza. Ele que era o Messias de Deus (Filho do homem; veja 2:10) poderia muito bem fazer-se valer dos seus direitos de ser servido pelos homens. Mas, pelo contrário, ele veio para servir e dar a sua vida pela humanidade. Resgate. Essa palavra significativa era comum no mundo grego do tempo de Jesus, onde era usada com referência ao preço pago para a libertação de um escravo (Adolf Deissmann, Light from the Ancient East, trans. L.R.M. Strachan, pág. 327 e segs.). Este foi o preço exigido por um Deus santo a fim de que a justiça pudesse ser satisfeita no perdão dos pecados. Como resultado desse pagamento, o crente fica livre do pecado e de Satanás. Por muitos. A preposição grega anti traduzir-se-ia melhor para em lugar de, conforme as fontes gregas comprovam esmagadoramente (cons. J. H. Moulton and George Milligan, The Vocabulary of the Greek Testament, págs. 46, 47; Arndt, pág. 72, 73; Vincent Taylor, págs. 444, 445).

10:46-52 Esta seção conta como Jesus, na companhia de seus discípulos, veio da Peréia através do Jordão até Jericó na Judéia, onde ele restaurou a vista de Bartimeu, o último milagre de cura do seu ministério público.

10:46 A Jericó do tempo de Jesus ficava cerca de cinco milhas a oeste do Jordão e quinze milhas a nordeste de Jerusalém. O sítio da cidade cananita do tempo de Josué ficava uma milha ao norte. Há, aqui, uma dificuldade de harmonização. Mateus e Marcos dizem que o milagre aconteceu quando ele saía de Jericó; Lucas diz que foi ao aproximar-se de Jericó (18:35). Talvez a solução mais plausível é que a cura ocorresse quando Jesus deixava o local da antiga Jericó aproximando-se da nova cidade de Jericó. A dificuldade nessa explicação é que não existem evidências de que a velha Jericó fosse habitada no tempo de Jesus. Este problema surge, sem dúvida, por causa da ausência de completa informação histórica e geográfica. Podemos ter a certeza de que não existiria nenhuma discrepância se todos os fatos fossem conhecidos. Enquanto isso, a divergência é um testemunho do caráter independente das duas narrativas.

10:47. O mendigo cego, ao chamar Jesus de filho de Davi, estava reconhecendo-o como o Messias. A crença de que o Messias seria um descendente de Davi era comum entre os judeus daquele tempo.

10:48....repreendiam. Muitos ordenavam-lhe repetidas vezes (texto grego) que ficasse quieto. Ele, entretanto, continuou gritando (tempo imp.) cada vez mais. Ele se recusou a ficar quieto.

10:49. Tem bom ânimo. O verbo significa tenha coragem, como se eles dissessem “Anime-se!” hamado. Ele jogou a sua capa de lado, levantou-se de um salto, e foi ter com Jesus. Era a oportunidade da sua vida, e não devia permitir que se lhe escapasse.

10:51. Mestre. A palavra aramaica, rabbouni, usada por Maria Madalena na Ressurreição (Jo. 20:16). Era um termo de alto respeito, uma forma mais vigorosa do que “rabi”, combinando, até certo ponto, os significados de professor e Senhor.

10:52 A cura foi em resposta à fé do homem, demonstrada, como foi, por sua ansiedade persistente, por seu reconhecimento de Jesus como o Messias e pelo termo rabbouni que usou. O verbo anablepô (viu) significa que sua vista foi restaurada, indicando que o homem não era cego de nascença... te salvou. A palavra grega é sôzô, que quer dizer “salvar”, um termo muitas vezes usado nos Evangelhos referindo-se à cura física. Pode ser assim parafraseada, “a tua fé te curou”.

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