Significado de Jó 2
Jó 2
Jó 2 continua a história de Jó, um homem que foi atingido por uma série de tragédias devastadoras. Neste capítulo, Satanás retorna a Deus e desafia a fé contínua de Jó, argumentando que se ele for afligido por sofrimento físico, ele amaldiçoará a Deus. Deus permite que Satanás aflija Jó com feridas dolorosas por todo o corpo, e Jó é deixado para suportar intenso sofrimento físico e emocional.
O segundo capítulo de Jó é uma poderosa exploração da natureza do sofrimento e dos desafios que surgem quando a fé é testada. As aflições físicas de Jó, descritas em detalhes gráficos, servem como uma metáfora para a dor emocional e espiritual que muitas pessoas experimentam quando se deparam com desafios difíceis e aparentemente intransponíveis. Além disso, o capítulo levanta questões importantes sobre a natureza de Deus e a relação entre Deus e a humanidade, enquanto Jó luta para entender por que foi submetido a um sofrimento tão intenso.
Apesar de seu intenso sofrimento, Jó se recusa a amaldiçoar a Deus ou abandonar sua fé. Em vez disso, ele suporta suas aflições com paciência e humildade, e mesmo quando seus amigos o incitam a amaldiçoar a Deus e morrer, ele permanece firme em sua devoção. Jó 2 é um poderoso lembrete da importância da fé em tempos de sofrimento e das maneiras pelas quais a resiliência espiritual pode ajudar as pessoas a superar até mesmo os desafios mais difíceis.
Jó 2 é uma exploração profunda e instigante da natureza do sofrimento e do papel da fé em tempos de adversidade. Ele levanta questões importantes sobre o relacionamento entre Deus e a humanidade e serve como um poderoso lembrete da resiliência e força do espírito humano.
Explicação de Jó 2
Jó 2:1
E aconteceu que chegou o dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor (Quando o dia chega e as fileiras dos bĕnê ʾĕlōhîm (“filhos de Deus”) se dispõem para hityyaṣṣēb (“apresentar-se, tomar posição”) diante de YHWH (“o Senhor”), o coração aprende que nenhuma manhã é órfã: cada passo se desenrola diante do Trono, e a alma é chamada a apresentar-se também, em reverência e confiança, oferecendo o comum como culto vivo, para que em “todos os teus caminhos” ele endireite as veredas — Provérbios 3:6; Salmos 139:16; Romanos 12:1). E Satanás também veio entre eles para se apresentar perante o Senhor (Até o śāṭān (“adversário”, “acusador”) comparece “entre” e não acima; criatura, não senhor, vem prestar contas e encontra limites traçados pela mão que governa — Jó 1:12; Jó 2:6. Esta visão não nos amedronta, antes nos desperta: “o vosso adversário, o diabo, anda em derredor”, por isso vigiamos, mas a paz não se parte, porque a última palavra pertence ao que nos justifica e intercede — 1 Pedro 5:8; Romanos 8:33-34).
Jó 2:2
E disse o Senhor a Satanás: De onde vens? (A pergunta do Senhor não nasce da ignorância, mas da pedagogia que desvela: “De onde vens?” é a lâmpada que examina caminhos e convoca ao acerto de contas; ecoa o “Onde estás?” do Éden e convida ao exame diário que abre o coração para ser sondado e guiado pelo caminho eterno — Gênesis 3:9; Salmos 139:23-24). E Satanás respondeu ao Senhor (O acusador responde; não reina, responde. A realidade sombria tem de falar diante de Deus, e isso sustenta a nossa oração: quando dizemos “Pai”, falamos ao mesmo que escuta e exige resposta até do que nos acusa — Romanos 8:34). dizendo: De rodear a terra e passear por ela (Ele confessa o seu miššûṭ bāʾāreṣ (“percorrer a terra”) e o seu hiṯhallēḵ bāh (“andar por ela”), mas os olhos do Senhor também percorrem toda a terra para se mostrar forte para com os que lhe têm o coração inteiro; por isso, enquanto o inimigo ronda, andamos com Deus como Enoque e seguimos no Espírito, certos de que “o Senhor guardará a tua entrada e a tua saída” — 2 Crônicas 16:9; Gênesis 5:22; Gálatas 5:16; Salmos 121:8).
Jó 2:3
E disse o Senhor a Satanás: Puseste o teu coração no meu servo Jó... (A pergunta corta como lâmina de luz: haśamta libbekā (“puseste o teu coração”) não é curiosidade de quem ignora, mas convocação a encarar a própria intenção; e “meu servo”, ʿabdî (“meu servo”), é a dignidade que o Céu não revoga quando a terra treme. Somos chamados a viver diante daquele que nos nomeia, e a apresentar o coração inteiro, sabendo que o olhar que julga também sustém — Salmos 139:23-24; Isaías 41:8-10). ...que não há ninguém semelhante a ele na terra... (O elogio repetido não é hipérbole vazia: Deus reafirma o que já dissera, como quem protege a identidade do amigo no meio da tempestade. Quando tudo se perde, permanece o nome que Ele nos deu, e é nisso que a alma descansa; a aprovação do Senhor não é salário de bonança, é rocha em tempo de vendaval — Salmos 18:2; 2 Timóteo 2:19). ...homem íntegro e reto... (Integridade é tām (“inteiro”, “íntegro”), plenitude não de impecabilidade, mas de coração indiviso; retidão é yāšār (“reto”), a linha que não se dobra às curvas do medo. O Espírito nos educa a preferir a inteireza ao arranjo, o prumo à vantagem, e a crer que “o íntegro” encontra caminho firme mesmo quando o chão range — Provérbios 10:9; Salmos 25:21). ...temente a Deus e que se desvia do mal? (Temor não é pavor, é yĕrēʾ ʾĕlōhîm (“temente a Deus”), reverência que guarda a vida em torno do Centro; desviar-se é sār mē rāʿ (“desviar-se do mal”), virar o rosto quando a sombra acena. A devoção verdadeira tem pés: reordena passos, aprende a dizer “não” ao atalho que brilha e firma o sim que permanece — Provérbios 3:7; Salmos 34:14). E ele ainda se apega à sua integridade ( weʿōdennû maḥăzîq bĕtummātô (“e ainda se agarra à sua integridade”): mãos calejadas no cabo da esperança, como quem sabe que a verdade não é ornamento, é corda de salvação. Há perdas que arrancam tudo, menos o “ainda”; e esse “ainda” é a vitória que a fé aprende no escuro — Tiago 1:12). embora me tenhas incitado contra ele ( wattĕsîtenî bô (“me incitaste contra ele”): o mistério da permissão não faz de Deus o autor do mal, antes mostra que até a acusação precisa pedir passagem; e, enquanto o céu mede limites, o nosso clamor encontra abrigo na fidelidade do Juiz que nunca se vende — Jó 1:12; 1 Coríntios 10:13). para o devorar por nada ( ḥinnām (“de graça”, “sem causa”): não havia culpa a pagar; por isso, quando a dor chega sem porquê, não é menos vista, é mais guardada. A vida aprende a esperar naquele que endireita o que não entendemos, e a crer que a prova não é sentença, é oficina de ouro — Provérbios 3:5-6; 1 Pedro 1:7).
Jó 2:4
E respondeu Satanás ao Senhor (A resposta do acusador é sempre um espelho rachado: ele fala, mas fala diante de Deus; sua voz é alta, porém vigiada. Quando a suspeita sobre a nossa fé lateja, lembramos que a causa está em mãos maiores do que o nosso pulso — Romanos 8:33-34). dizendo: Pele por pele (H.:ʿôr baʿad ʿôr (“pele por pele”). A origem da expressão pele por pele empregada por Satanás é obscura. Alguns acham que pode ter sido originada da prática de extração de peles de animais. Outros acreditam que a frase é semelhante à expressão vida por vida, olho por olho, dente por dente (Ex 21.23-25). Na última parte do versículo, Satanás insinua que Jó, como homem, até aceitaria perder suas posses e sua família, desde que sua saúde fosse poupada. Caso contrário, blasfemaria contra Deus. Este é um provérbio de troca dura, cálculo frio que reduz tudo a barganha. O inimigo supõe que o amor é comércio e que a devoção é apólice; mas o evangelho responde com outro paradoxo: quem se dá, ganha, e quem guarda, perde — Mateus 16:25). Sim,tudo o que o homem tem dará pela sua vida (Hb.: weḵōl ʾăšer leʾîš yittēn baʿad napšô). Eis a tese sombria da autopreservação absoluta; a fé, porém, caminha na contramão e aprende com Aquele que “dá a sua vida pelas ovelhas” que a vida verdadeira floresce quando é entregue, e que a integridade é tesouro que não se vende nem quando a pele arde — João 10:11; Filipenses 1:20-21).
Jó 2:5
Mas estende agora a tua mão... (O cínico pede fogo mais alto na fornalha: šĕlaḥ-nāʾ yādeḵā (“estende, por favor, a tua mão”). Ele supõe que a fé se dissolve quando a pele arde; mas o povo que espera no Senhor aprende que a mão que permite é a mesma que sustém, e que nada toca um filho sem antes passar pelo crivo do Pai — Jó 1:12; Salmos 31:15; 1 Coríntios 10:13). ...e toca-lhe nos ossos e na carne... (A prova desce ao núcleo: ʿeṣem (“osso”) e bāśār (“carne”) não são metáforas distantes, são o lugar em que moramos. As palavras ossos e carne indicam que Satanás tinha a intenção de afligir o corpo inteiro de Jó com uma doença terrível, dolorosa e fatal. Quando o corpo geme, a alma descobre que a Rocha não treme; e mesmo quando o “homem exterior” se desfaz, o interior é renovado para segurar-se no Deus que não muda — Salmos 73:26; 2 Coríntios 4:16). ...e ele te blasfemará na tua face... (Aqui pulsa o antigo eufemismo: bārak (“abençoar”) usado como véu para “amaldiçoar”. O adversário aposta que a dor comprará a nossa boca; mas quem provou a bondade do Senhor aprende a chorar sem cuspir fel, e a guardar os lábios como altar — Jó 1:11; Salmos 141:3; Tiago 3:10).
Jó 2:6
Então disse o SENHOR a Satanás: Eis que ele está nas tuas mãos (A sentença vem com fronteira: hinneh hûʾ bĕyādeḵā (“eis que ele está na tua mão”). O sofrimento não é um reino sem muralhas; há linhas traçadas pela misericórdia, e dentro delas a graça opera segredos que ainda não vemos — Lucas 22:31-32; 2 Coríntios 12:9). ...porém... (Essa pequena palavra ergue um muro invisível entre a investida e a ruína). ...preserva-lhe a vida... (Hb.: ʾaḵ ʾeṯ-napšô šĕmōr
[lit.: “apenas guarda-lhe a vida”]). Quando o Senhor entregou Jó na mão de Satanás, é extraordinário que tenha ordenado que o inimigo poupasse a sua vida. Ironicamente, a palavra poupar em geral se refere ao papel de Deus em zelar por Seu povo com Sua providência (como aparece em Jó 29.2, quando ele relembra os dias em que Deus o guardava). A vida não pertence ao acusador, pertence a Deus. E se Ele guarda, ninguém arrebata; se Ele limita, a tempestade se curva. A alma aprende a repousar no “porém” de Deus — Jó 38:11; Salmos 121:7-8; João 10:28-29).
Jó 2:7
Então Satanás saiu de diante da face do SENHOR... (wayyēṣēʾ haśśāṭān millipnê YHWH: até a sombra recebe ordens e se retira; criatura em marcha, não senhor do tablado. O coração crê que toda noite tem um decreto de aurora — Apocalipse 12:10; Salmos 30:5). ...e feriu a Jó com úlceras ardentes... (Hb.: bišḥîn rāʿ (“úlceras malignas”). A doença com a qual Satanás afligiu Jó era uma chaga maligna da cabeça aos pés; algo de difícil identificação. O termo para “chaga” era empregado para descrever a praga de úlceras no Egito (Ex 9.9-11). A mesma expressão, chaga maligna, era uma das maldições (castigos) prometidas para os desobedientes (Dt 28.35), denotando uma doença incurável. a pele queima, o toque dói, e cada gesto pede coragem; mas o Deus que nos visita na cinza é o mesmo que nos unge com óleo e nos chama pelo nome — Deuteronômio 28:35; Salmos 23:5; Isaías 43:1). ...desde a planta do pé até o alto da cabeça... (mikkap̄ raglô ʿaḏ qodqodô (“da planta do pé ao topo da cabeça”): totalidade de feridas, totalidade de graça. Onde o mapa do corpo vira geografia de pranto, o Pastor abre um caminho de esperança para que, mesmo sentado nas cinzas, o justo continue de pé por dentro — Isaías 1:6; Salmos 34:18; 2 Coríntios 1:3-4).
Jó 2:8
E tomou um caco de barro para se raspar (O gesto é de quem perdeu todo aparato de honra e ficou apenas com um caco: não há assistentes, unguentos, nem mãos amigas — há um homem e um pedaço de barro, e a dor que insiste; quando a pele queima e a alma lateja, aprendemos que a fé não é perfume de festa, é fôlego no pó, e que o Deus que permite a lâmina também sustém a mão que treme — Salmos 31:9-10; 2 Coríntios 4:16). e sentou-se entre as cinzas (O luto escolhe o chão; o ʾēper (“cinza”) é a geografia da rendição, lugar de quem sabe que nada retém e, por isso mesmo, tudo entrega; ali, onde termina o brilho dos salões e começa a poeira, a esperança aprende outra gramática, e o coração diz: “Do pó me levantaste, e tua misericórdia é mais antiga que a minha ferida” — Jonas 3:6; Salmos 113:7-8).
Jó 2:9
Então lhe disse sua mulher: Ainda te apegas à tua integridade? (a pergunta corta o último fio: para que serve a tummāh (“integridade”) quando a carne supura? A tentação não é apenas abandonar a fé, é torná-la instrumento — se não me livra, para que amá-lo? Mas a inteireza não é contrato, é pertença; ela se agarra não ao resultado, e sim ao Nome — Salmos 26:1; Filipenses 3:12). Bendize a Deus e morre! (As palavras da esposa de Jó foram provavelmente a provação mais amarga para ele. Ironicamente, a pergunta que ela faz — ainda reténs a tua sinceridade 1 — apresenta quase as mesmas palavras utilizadas antes pelo Senhor (Jó 2.3). A repetição dessa sentença ressalta a perseverança de Jó, que sua esposa interpretou de forma equivocada como loucura ou fanatismo religioso. Ela provavelmente pensou que o marido se recusava cegamente a encarar a realidade de sua situação desesperadora. O verbo que costuma louvar ergue-se aqui como eufemismo sombrio — bārak (“abençoar”) velando a sugestão de amaldiçoar; é a teologia do desespero, que confunde o silêncio de Deus com abandono e faz da morte um atalho “piedoso”. A alma fiel, porém, aprende a calar sem ferir, pedindo ao Senhor guarda para a boca e brasas vivas para o coração — Jó 1:21; Salmos 141:3).
As palavras da esposa de Jó — amaldiçoa a Deus e morre — foram provavelmente a provação mais amarga para ele. Ironicamente, a pergunta que ela faz — ainda reténs a tua sinceridade 1 — apresenta quase as mesmas palavras utilizadas antes pelo Senhor (Jó 2.3). A repetição dessa sentença ressalta a perseverança de Jó, que sua esposa interpretou de forma equivocada como loucura ou fanatismo religioso. Ela provavelmente pensou que o marido se recusava cegamente a encarar a realidade de sua situação desesperadora.
Jó 2:10
Mas ele lhe disse: Como fala qualquer insensato (Não é desprezo, é diagnóstico: nābāl (“tolo”, “vil”) é quem julga o Eterno pela cotação do dia e mede o amor pelos dividendos; Jó recusa esse cálculo e, com doçura firme, nomeia o veneno para que a ferida cicatrize — Salmos 14:1). falas tu (Ele não devolve fel por fel; corrige sem esmagar, conserva o vínculo, e mostra que a verdade pode vestir mansidão sem perder o prumo — Provérbios 15:1). Também receberemos o bem da mão de Deus (Hb.: ṭôb (“bem”): o dom que vem da mão aberta; quando chega, recebemo-lo com gratidão humilde, sabendo que não é salário, é graça — Tiago 1:17). e não receberemos o mal? (Hb.: rāʿ [lit.: “mal”, “adversidade”]): não como maldade em Deus, mas como peso que Ele permite e mede; se a mão que dá é a mesma que limita, então até a noite tem fronteiras e a provação tem propósito, e nossa oração se torna vigília que confia (Lamentações 3:22-24; 1 Coríntios 10:13). A resposta de Jó ao segundo teste (a perda de sua saúde e o afastamento de sua esposa) foi ainda mais uma vez louvável. A pergunta retórica de Jó, advertindo sua mulher quanto ao dever do homem de aceitar das mãos de Deus tanto o bem como o mal, permite-nos vislumbrar uma das mensagens centrais do livro de Jó: a pessoa que tem fé confiará em Deus tanto na prosperidade como na adversidade, ainda que não consiga entender por que o mal lhe sobreveio [especialmente se for um justo].). Em tudo isso Jó não pecou com os seus lábios (os lábios permanecem em vigília, como portas guardadas pelo próprio Senhor; a boca não se torna trombeta do abismo, e, no silêncio obediente, a fé aprende a respirar o futuro — Salmos 39:1; Tiago 3:2).
Jó 2:11
E três amigos de Jó ouviram falar de todo esse mal que lhe havia sobrevindo (a notícia do hārāʿâ — rāʿâ com sentido de “calamidade”, “desgraça” — (“mal”, “calamidade”) correu como vento quente do deserto e chegou a rēʿîm (“amigos”, “companheiros”) que, ainda sem ver, sentiram o peso do invisível; quando a dor de um justo se acende como fornalha, Deus convoca não plateias, mas presenças, e ensina que o primeiro ministério do consolo nasce do ouvir: “chorai com os que choram” e deixai que a compaixão se torne caminho — Romanos 12:15; Salmos 34:18. O termo para “sobrevindo” deixa entrever que o golpe “caiu” sobre ele, habbāʾâ ʿālāw (“que veio sobre ele”), como tempestade que ninguém previu; e o coração que crê aprende a não pedir explicações antes de oferecer ombro, pois a sabedoria genuína não apressa diagnósticos quando o irmão sangra — Provérbios 17:17; Hebreus 4:15).
E vieram cada um do seu lugar (o texto diz ʾîš mimqōmô (“cada um do seu lugar”), sublinhando distância, caminho e decisão; consolação autêntica gasta sola de sandália, não se limita a cartas piedosas. Há uma peregrinação no consolo: atravessar planícies de silêncio, levar o azeite da presença, descobrir que a caridade tem geografia e que Deus escreve esperança com passos — Lucas 10:33-34; Isaías 52:7. O peregrino do cuidado não chega para “explicar” Deus, mas para encarnar um pouco da sua bondade; e, antes de qualquer palavra, aprende a palavra maior: estar).
Elifaz, o temanita (O nome que abre a fila vem de Temã, terra associada à ḥokmâ (“sabedoria”) (“sabedoria”), lembrada pelo profeta que pergunta se “a sabedoria desapareceu de Temã” — Jeremias 49:7; a tradição de conselho e prudência pode vir de fora das nossas fronteiras, e mesmo assim ser instrumento na mão do Altíssimo. Mas o coração, já advertido, sabe que nem toda “sabedoria” cura feridas: muitas vezes o ouro do raciocínio precisa ser passado pelo fogo da misericórdia para não ferir como lâmina fria — Tiago 3:17. No caminho da dor, Deus pode usar a argúcia de Temã, mas exigirá que ela se curve à ternura do Cordeiro).
Bildade, o suíta (o Šûaḥ de onde vem Bildade evoca memórias antigas, parentescos que tocam a tenda de Abraão e se estendem como rios pelo deserto; às vezes quem chega ao nosso pó vem de linhagens veneráveis, e, ainda assim, o que cura não é a genealogia, mas a compaixão — Gálatas 5:6. O consolo verdadeiro não ergue o brasão do sobrenome, ajoelha-se ao pé da cama e chama pelo nome do sofredor, como o Mestre que dizia “Maria!” e acendia manhãs no jardim — João 20:16).
e Zofar, o naamatita (Naamá, de localização incerta, lembra-nos que o consolo nasce muitas vezes de lugares não mapeados; Deus faz brotar samaritanos onde a nossa cartografia marcava ausências, e a Igreja aprende, em cada geração, que há “irmãos de longe” que se tornam próximos porque obedeceram ao toque da graça — Isaías 60:4; Efésios 2:13. O trio de amigos compõe um coro de tradições e rotas; o que os iguala, por ora, não é a precisão das suas futuras palavras, mas a coragem do seu movimento: vieram).
E se ajuntaram para virem lamentar-se com ele e consolá-lo (a frase se inclina sobre dois verbos decisivos: lanûd lô (“mover-se para ele em compaixão”, “lamentar com ele”) e lenāḥămô (“consolá-lo”) (“consolar”). O primeiro traz a imagem de inclinar a cabeça, nûd (“acenar”, “compadecer-se”), como quem compartilha o peso; o segundo sopesa ternamente o verbo nāḥam (“consolar”), de onde nasce também “conforto”, “alívio”. Há uma ética do pranto solidário: antes de ajustar o prumo dos argumentos, alinhar o pulso do coração; antes de tocar a ferida com doutrina, tocar a mão ferida com a nossa presença. “O Senhor consola os que choram” e, muitas vezes, o faz com a nossa cadeira puxada para junto do leito — Isaías 61:2; 2 Coríntios 1:3-4).
Jó 2:12
E (um único waw (“e”) (“e”) sustenta a continuidade da compaixão: o consolo não é um gesto isolado, é uma sequência de fidelidades; o “e” de Deus na história costura o que a dor rasgou. O amor persevera na vírgula quando a vida vira travessia — 1 Coríntios 13:7). levantando os olhos de longe e não o reconhecendo (eles ergueram os olhos mērāḥōq (“de longe”), e lōʾ hikkirûhû (“não o reconheceram”) porque a dor desfigura; há sofrimentos que apagam traços, há perdas que alteram contornos, e o rosto do amigo fica irreconhecível à distância. O gesto de levantar os olhos já é oração: quem ergue os olhos aprende a enxergar com o coração o que a pele não revela; e, se a figura mudou, o nome permanece — Salmos 121:1-2; Isaías 43:1. Também nós, muitas vezes, só reconhecemos o Cristo na margem quando Ele fala o nosso nome; até lá, vemos “de longe”, e o amor nos manda aproximar).
levantaram a voz e choraram (o hebraico pinta com força: nāśĕʾû qôlām (“levantaram a sua voz”) e wayyibkû (“choraram”), não um pranto educado, mas a torrente que se desprende quando o coração não cabe no peito. Chorar diante de Deus não é fraqueza, é liturgia antiga; o choro derruba paredes, abre espaço para a esperança, faz do peito um altar onde a dor é nomeada e entregue — Salmos 6:6; João 11:33-35. O Amigo maior chorou; por isso, o nosso choro pode ser santo).
E cada um rasgou a sua veste (o rito de qāraʿ (“rasgar [a veste]”) é a gramática do luto que se escreve no tecido; quando as palavras falham, o corpo fala, e a roupa, que encobre, testemunha uma verdade: algo foi rompido no mundo. Há rasgos que não são teatro, são oração sem verbos; e, enquanto os homens rasgam vestes, Deus promete não rasgar a aliança — Eclesiastes 3:7; Joel 2:13; Salmos 89:34).
e espalharam pó sobre as suas cabeças para o céu (o ʿāpār (“pó”) sobre a cabeça é confissão de finitude: viemos do pó e ao pó tornaremos, e, contudo, erguer o pó haššāmaymāh (“para o céu”) (“para o céu”) é declarar, com a poeira nas mãos, que a nossa história está suspensa diante de Deus. O pó que corrige o orgulho não apaga a esperança; ao contrário, prepara a terra para a semente. Quando o consolo é verdadeiro, ele não desvia a cabeça do céu: lamenta, sim, mas lamenta erguendo o pó na direção d’Aquele que pode transformar cinza em coroa — Gênesis 3:19; Isaías 61:3; Lamentações 2:10).
Jó 2:13
E sentaram-se com ele no chão sete dias e sete noites (o verbo yāšaḇ (“sentar-se”) une o tempo ao chão: consolar é descer de altura e partilhar a altura rasa do pó. “Sete dias e sete noites”, šivʿat yāmîm wĕšivʿat lēlôt, não define um ritual posterior, mas uma plenitude simbólica: o luto tomou a semana inteira, envolveu dias e noites, e ensinou que a ferida do irmão reclama o calendário, exige vigília e presença. Lembramos os sete dias de pranto por Jacó e por Saul, não como lei, mas como testemunho de que o amor mede tempo de outro modo — Gênesis 50:10; 1 Samuel 31:13. Há silenciosas eucaristias de chão: quando amigos se assentam, Deus se inclina).
E ninguém lhe dizia palavra (ʾên dōbēr ʾēlāw dābār (“não havia quem falasse palavra a ele”): o silêncio não é vazio, é linguagem curvada; há horas em que a fala vira ruído e o silêncio vira abraço. O consolo nasce no mutismo que ouve, e as palavras, quando vierem, precisam vir lavadas pelo pranto, para não ferirem como pedra. Muitas vezes, a maior sabedoria é a de Temã ajoelhada: calar junto, como quem ora por dentro e oferece o coração em forma de presença — Provérbios 17:28; Eclesiastes 3:7. O amigo sábio sabe esperar que a dor encontre sua dicção).
porque viam que a sua dor era muito grande (kî rāʾû kî gādōl ha-keʾēv mĕʿōd (“porque viram que muito grande era a dor”): não é inferência, é visão; eles viram a dor, e ver a dor é um ato espiritual. Quem vê, ajoelha. Quem mede a dor com o olho aprende a não reduzi-la com fórmulas; e, se a dor é “muito grande”, o consolo não será pequeno. O Deus que contempla a aflição dos seus, que “viu a aflição de meu povo”, nos ensina a olhar até doer, para só então falar — Êxodo 3:7; Salmos 56:8. Neste ver, amadurece a teologia que não será mero cálculo de causa e efeito, mas entrega: “o Senhor está perto dos que têm o coração quebrantado”, e perto se chega com o tempo, com o chão e com o silêncio — Salmos 34:18).
Assim, no sopro destes três versículos, a Escritura nos dá uma escola de consolo, anterior a qualquer debate e mais alta que qualquer argumento. Primeiro, o ouvido que se deixa ferir pelo relato do hārāʿâ (“mal”, “calamidade”); depois, o pé que se põe a caminho, ʾîš mimqōmô (“cada um do seu lugar”), porque a compaixão não cabe em mensagens, pede presença; então, a apresentação dos nomes, Elifaz de Temã, Bildade de Suá, Zofar de Naamá, lembrando-nos que a “sabedoria” regional — a ḥokmâ (“sabedoria”) — só é medicina quando se assenta no pó; em seguida, o duplo chamado do luto e do consolo, lanûd (“lamentar com”) e nāḥam (“consolar”), dois movimentos de uma mesma caridade: vibrar com a dor e soprar o bálsamo; depois, o olhar que se levanta e, de longe, não reconhece, e chora alto, e rasga a veste (qāraʿ), e deixa cair pó (ʿāpār) na cabeça, mas erguendo-o “para o céu” (haššāmaymāh), como quem diz: “Sou pó, mas meu clamor sobe”; finalmente, o chão compartilhado por “sete dias e sete noites”, šivʿat yāmîm wĕšivʿat lēlôt, e o silêncio que, por ver o keʾēv (“dor”) gādōl mĕʿōd (“muito grande”), escolhe guardar as palavras até que a misericórdia lhes dê forma. O consolo, aqui, é sacramento de presença; o argumento, quando vier, há de ser segundo o coração. E, se adiante esses amigos se atrapalharão ao falar, hoje aprendemos com eles a única teologia que não machuca: chegar, ver, chorar, rasgar, polvilhar pó e sentar — até que a manhã seja de novo possível.
No segredo do texto, acende-se ainda outra luz para quem lê à sombra do Crucificado. Há um Amigo que “veio do seu lugar”, desceu de alturas inalcançáveis e se assentou conosco no chão (Filipenses 2:6-8); levantou os olhos para longe e, ao ver-nos desfigurados pela dor, chorou junto (João 11:35); rasgou não a própria veste, mas deixou que rasgassem sua carne, e tomou sobre si o nosso keʾēv (“dor”) e o nosso maḵʾōb (“sofrimento”), até que do pó brotasse vida (Isaías 53:3-5). É Ele quem inspira o nāḥam (“consolar”) que cura, quem ensina a ciência do silêncio e do chão, quem nos faz carregar as cargas uns dos outros e, assim, cumprir a lei do amor — Gálatas 6:2. Por isso, quando ouvimos que “três amigos” vieram, vemos na penumbra um quarto, invisível e fiel, que se senta primeiro, permanece por último e não erra a palavra. E, se a dor do irmão é “muito grande”, ali mesmo cresce no peito a oração simples: “Dá-me a graça de ser rēaʿ (“amigo”) que chega, lanûd (“lamenta junto”), nāḥam (“consola”) e, quando necessário, sabe calar; e sustém o meu olhar para que eu veja, e o meu coração para que eu fique, até que Tu, Senhor, faças novas todas as coisas” (Apocalipse 21:5).
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