Estudo sobre Jó 19

Estudo sobre Jó 19




Estudo sobre Jó 19.1
Jó responde a Bildade (Jó 19.1-29)
Alguém chama a este capítulo a linha de separação das águas que, até aqui, haviam corrido juntas. Do mais trágico sentido de abandono, Jó eleva-se à mais triunfante afirmação de fé.
1. DESCRIÇÃO DAS HUMILHAÇÕES SOFRIDAS ÀS MÃOS DE DEUS (Jó 19.1-22). Ao dirigir-se de novo aos seus amigos a ira dá lugar à dor. Mesmo que ele tenha pecado o seu pecado não pode magoá -los a eles. Dez vezes (3) significa “repetidamente” (cf. Gn 31.7). Jó queixa-se de que Deus está determinado a humilhá-lo (6-12). Eis que clamo: Violência! (7). Em certa e expressiva versão: “Eis que clamo: Crime de Morte!” Não contente com prostrá-lo com e Seu antagonismo pessoal, Deus mobilizou um autêntico exército de cooperadores (12). Os parentes de Jó, os seus amigos íntimos, os seus servos e a sua própria mulher, todos o abandonam com repulsão e ele fica privado do afeto daqueles que mais significam para ele (13-19). Filhos do meu corpo (17). A tradução literal de corpo é “ventre”. Esta palavra aplica-se, ocasionalmente, ao pai (cf. Sl 132.11). Dado que a morte da família de Jó foi já descrita, alguns vêem aqui uma referência aos netos de Jó e outros aos filhos de concubinas.
Completamente prostrado pela compreensão do absoluto estado de solidão em que se encontra, Jó apela, pateticamente, para a piedade dos seus amigos. A trágica relação entre Jó e os seus amigos transparece, clara, no versículo 21. Certamente, diz Jó, o seu conhecimento da dor com que Deus o aflige, devia comovê-los. Contudo, era essa mesma a razão por que, dada a inflexibilidade do seu credo, eles não podiam compadecer-se dele. Tinham de escolher entre o amigo e a fé. O versículo 22 é dos que na Bíblia melhor demonstram a vastidão da nossa dívida para com nosso Senhor Jesus Cristo no que diz respeito ao conceito que temos de Deus. Na nossa era cristã acusamos frequentemente o nosso próximo de não ser “como Deus”. Cf. Lc 6.35-36; Ef 4.32. Mas Jó queixava-se de que os seus amigos eram demasiadamente parecidos com Deus. Na sua atitude para com o sofrimento que o afligia, atitude que se tornava cada vez menos compassiva, Jó parecia -lhe ver um reflexo da atitude de Deus, daquele Deus endurecido e cruel, indiferente ao peso de angústia com que o esmagava e conduzia ao desespero.

Estudo sobre Jó 19.23
A FÉ TRIUNFA DE NOVO (Jó 19.23-29). Jó olha para o futuro para encontrar reacendida a esperança que o presente lhe nega. Se ao menos as suas palavras pudessem ficar gravadas! As gerações vindouras reagiriam mais favoravelmente ao seu caso que a sua. Mas dramática e impressivamente tomamos consciência de que este homem não pode contentar-se com o mero pensamento de uma futura aprovação da humanidade. A sua consciência de separação do homem é infinitamente menos séria que a sua consciência de separação de Deus. Aí está a chave da agonia que invade todo o livro. Subitamente surge-nos a maravilhosa visão de Alguém que defenderá a sua causa, que o chamará das sombras do Seol nas quais penetrou em ignomínia, para lhe fazer ouvir o “não culpado” pelo qual ele ansiava e lhe dar a oportunidade de contemplar o seu Herói e Defensor (25-27). Redentor (25), Heb. go’el, é suscetível de outra tradução: “justificador”. Certo tradutor verte: “Aquele que me defende”. Outro comentador define assim o go’el: “O go’el era o parente consanguíneo mais próximo a quem a lei civil impunha o dever de redimir a propriedade ou a pessoa do seu parente e a quem a lei judicial obrigava a vingar o sangue desse parente quando este fosse injustamente derramado”. Por fim (25). O hebraico ’abaron pode significar “último”. Ver Is 44.6. Mas também pode significar “mais tarde”. A passagem não relega a justificação de Jó para algum dia longínquo, alguma ressurreição distante. Aponta meramente para uma justificação vindoura. Para sobre a terra (25) são possíveis várias traduções como “no pó”, “na minha sepultura” etc. Cf. Jó 7.21; Jó 17.16. Substitua-se em minha carne por “da minha carne”. A expressão pode significar que Jó esperava assistir à sua justificação revestido de um corpo de carne ou ser espectador da cena como espírito desencarnado. “Sem a minha carne” é uma versão possível que se baseia nesta última interpretação. É fútil qualquer atitude dogmática no que diz respeito à interpretação da preposição que tanto pode significar “de”, como “longe de”. De qualquer modo o espectador da cena é de infinitamente menos importância central: ele estará presente, em plena posse da sua inteligência, a sua personalidade intacta, após ter descido à sepultura.

Estudo sobre Jó 19.27
Vê-lo-ei por mim mesmo (27). Pense-se aqui na magistral observação de Lutero: “a religião está toda nos pronomes pessoais”. A Jó não interessam as opiniões alheias acerca de Deus. A expressão por mim mesmo é ainda suscetível de outra interpretação: “do meu lado” ou “a meu favor”. E não outros (27). Noutras versões a expressão é substituída por “e não outro” e aparece depois e não antes do verbo. Assim: “Vê-lo-ei por mim mesmo e os meus olhos o verão e não outro”. Certa versão apresenta para a expressão uma interessante alternativa: “e não como estranho”. As palavras sugerem-nos um pensamento de grande beleza: Jó aguardava, com ansiedade, o tempo em que o Deus do presente, que tantas vezes aparecia envolto em mistério, como um Estranho que em Si mesmo acumulasse imensidões de incompreensível hostilidade, se revelasse no Seu caráter autêntico, como Amigo que se apressasse a modificar a opinião desfavorável que por causa das aflições do momento presente, Jó tinha a Seu respeito. Os meus rins se consomem dentro de mim (27). A ideia de uma justificação futura é tão extraordinária, tão esmagadora, que Jó mal a pode suportar. Nenhum cristão pode ler os versículos 25-27 sem encontrar na passagem um eco dAquele que vive sempre “para interceder por eles” (Hb 7.25), dAquele que “trouxe à luz a vida e a incorrupção pelo Evangelho” (2Tm 1.10). Sem dúvida que para Jó eram desconhecidas as jóias mais preciosas que as suas palavras encerram. Ele proferiu-as sem consciência do seu inteiro significado. Como disse alguém, “ele era como uma harpa cujas cordas fossem percutidas pelo vento”.
O capítulo termina com um solene aviso. O Justificador de Jó castigará aqueles que se armaram contra ele certos de que haviam diagnosticado bem a verdadeira causa da sua aflição. Tanto na Septuaginta como em outras versões se lê “nele” em vez de “em mim” (28).


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