Interpretação de João 16

João 16

Em João 16, Jesus continua o seu discurso com os seus discípulos, preparando-os para a sua partida iminente. Ele fala sobre o papel do Espírito Santo, que virá depois que ele partir para guiá-los à verdade, convencer o mundo do pecado e revelar as coisas de Deus. Jesus prediz a sua crucificação e ressurreição e assegura aos discípulos que a sua tristeza se transformará em alegria quando o virem novamente. Ele os incentiva a orar em seu nome, prometendo que suas orações serão respondidas. O capítulo destaca a necessidade dos discípulos da presença e orientação do Espírito Santo, sua alegria futura em Jesus e o poder da oração em nome de Jesus.

Interpretação

No capítulo 16 a nota dominante continua a mesma – a partida de Cristo e a antecipação do que isto significaria. O pensamento se movimenta ao longo das seguintes linhas: a advertência de Cristo sobre a futura perseguição (16:1-4a); sua partida explicada à luz da vinda do Espírito e seu ministério ao mundo (16:4b-11); o ministério do Espírito aos crentes (16:12-15); conforto para contrabalançar a dor da separação (16:16-28); a vitória do Filho de Deus (16:29-33). O tema da perseguição fora antecipado pelo ensinamento anterior (cap. 15) sobre o ódio do mundo contra Cristo e os Seus.

16:1 Tenho-vos dito estas coisas. Primeiramente a informação sobre o ódio do mundo, para que os discípulos pudessem se ornar de antemão, mas também o lembrete de que eles eram testemunhas diante desse mesmo mundo que os desprezaria (cons. 15:27). A responsabilidade enrijece o caráter. Para que não vos escandalizeis. A palavra ”escandalizar” dá a ideia de tropeço por causa de um obstáculo, mais do que uma tendência interior para desertar. A frase que Jesus costumava usar é “vos escandalizareis em mim” (Mt. 26:31).

16:2. Eles vos expulsarão das sinagogas (cons. 9:22). A mais dolorosa experiência para um judeu, cujo laço com a nação era forte. Os crentes judeus em Jerusalém continuaram misturando-se com seus conterrâneos no Templo depois do Pentecoste, demonstrando seu senso de afinidade com o seu povo. Julgará com isso tributar culto a Deus. O melhor comentário é a confissão de Saulo de Tarso referente aos dias de sua perseguição (Atos 26:9-11). Ele media o seu zelo para com a sua própria religião através dos terrores e destruição que infligia à igreja (Gl. 1:13; Fl. 3:6).

16:3 Ignorância de Cristo e Seu verdadeiro relacionamento com o Pai ajuda a explicar a perseguição. Tal ignorância não desculpa o perseguidor. Paulo intitulou-se o principal dos pecadores por causa disso! (I Tm. 1:13-15).

16:4 Quando a perseguição se desencadeasse, a memória da sinceridade de Cristo em adverti-los dessas coisas serviria para fortalecer seus servos. Enfrentar tais coisas sem preparo provocaria desânimo. Porque eu estava convosco. Cristo foi seu escudo contra a oposição. À luz de sua breve partida, o presente ensinamento tomou um significado que não teria antes. Era momento de pensar mais diretamente sobre a sua partida e sobre o que ela significaria para aqueles que ficavam.

16:5 Para Cristo a partida significa o retorno para junto dAquele que o enviara. Este aspecto da coisa não penetrara ainda nas mentes dos discípulos. Eles não lhe perguntaram, Para onde vais?

16:6 Em vez disso preocupavam-se com a perda que sentiam. Estavam tomados de tristeza.

16:7 Vos convém que eu vá. A desvantagem em termos de separação e tristeza seria ultrapassada pelo lucro ocasionado pela vinda do Consolador (ajudador). Só é preciso que se compare os discípulos do final do ministério de Jesus com esses mesmos homens depois da vinda do Espírito para ver como desenvolveram grandemente sua compreensão e eficiência no serviço. Se eu não for, o Consolador não virá (cons. 7:37-39). Isto não é um sinal de hostilidade ou inveja entre o Filho e o Espírito. Na verdade, o Espírito veio sobre Cristo para lhe dar poder para a Sua obra; e logo viria sobre os seguidores de Cristo, como que compensando a perda da presença pessoal do Senhor.

16:8 Convencerá o mundo. Convencer e condenar. O Espírito tinha de vir primeiro para os discípulos (veja final do v. 7), e através deles assumiria a tarefa de convencer os homens. Num certo sentido este ministério está em correlação com a atividade de perseguição do mundo. O mundo poderá dar a impressão de fazer incursões na Igreja, mas já um contra-ataque na obra do Espírito, com o intuito não de ferir mas de converter, ou de pelo menos convencer. O Espírito, operando através dos apóstolos, produziu convicção do pecado na própria cidade onde Jesus fora condenado à morte (Atos 2:37).

16:9 Do pecado. Tendo o pecado do mundo se colocado em evidência na rejeição de Jesus, quando deveria ter havido aceitação, o Espírito faz disso um ponto importante. Na sua cegueira os homens chamaram Jesus de pecador na hora em que o próprio pecado deles levava-os a condená-lO à morte.

16:10 Da justiça. O próprio fato de que Cristo podia resolver o problema do pecado da humanidade através de Sua morte redentora revelou Sua perfeita justiça. De outro modo Ele precisaria de um Salvador para Si mesmo. O Pai é o verdadeiro juiz da justiça. Sua prontidão em aceitar o Filho de volta na glória é a prova de que não o achou em falta (Rm. 1:4; 4:25; I Tm. 3:16).

16:11 Do juízo. Quando aqueles que crucificaram Jesus viram que Deus não interferiu, imaginaram que o juízo de Deus fora pronunciado sobre Ele. Na verdade, outro estava sendo julgado ali, o próprio Satanás, o príncipe deste mundo. Satanás governa através do pecado e morte. O triunfo de Cristo sobre o pecado na cruz e sobre a morte na Ressurreição proclamou o fato que Satanás fora julgado. A execução final do julgamento é apenas uma questão de tempo. A esta altura o pensamento afasta-se do mundo. Surge a obra do Espírito em benefício dos crentes.

16:12 O discurso não era uma completa exposição dos pensamentos de Jesus em relação com os seus. Havia ainda muito para ser dito. Não valia a pena dizê-lo, pois os discípulos não poderiam suportar. Estavam imaturos demais. Essas verdades se tornariam mais reais quando a experiência deles crescesse.

16:13 A comunicação dessas coisas podia ser seguramente adiada até que viesse o Espírito da verdade, que é um professor tão eficiente quanto o próprio Senhor. Toda a verdade. Não a verdade em todos os ramos do conhecimento, mas a verdade nas coisas de Deus, num sentido mais restrito, as coisas que nós chamamos de espirituais (cons. I Co. 2:10). Não falará por si mesmo. Ele não tentaria ensinar coisas de Sua própria invenção, mas tal como o Filho (15:15), transmitiria aos homens o que lhe fora dado por Deus Pai. Uma só fonte garante unidade de ensinamento. Em última análise os crentes são ensinados por Deus (I Ts. 4:9). As coisas que hão de vir. A volta de Cristo e os acontecimentos concomitantes podiam estar em vista, mas antes deles, a morte e a ressurreição de Jesus e suas consequências, aquelas coisas sobre as quais os discípulos tropeçaram quando Jesus lhes falou sobre elas.

16:14 Glorificará. Tal como Cristo estava glorificando o Pai através de sua obediência até à morte, assim o Espírito glorificaria Cristo esclarecendo o significado de Sua pessoa e obra. A missão instrutiva do Espírito seria em primeiro lugar de receber o depósito da verdade cristocêntrica, depois mostrá-las aos crentes. Segue-se que um ministério, para ser orientado pelo Espírito, deve magnificar a Cristo.

16:15 Uma vez que as coisas de Cristo incluem as verdades referentes ao Pai e Seus conselhos, quando o Espírito comunica as coisas de Cristo comunica toda a verdade. Logo a seguir o Senhor lidou com as compensações que aliviariam a dor ocasionada com a Sua partida. Essas incluíam a promessa de que os discípulos o veriam novamente (v. 16); sua alegria em vê-lo (v. 22); o privilégio da oração (vs. 23, 24); aumento de conhecimento (v. 25); e o amor sustentador do Pai por eles (v. 27).

16:16 Um pouco. A frase ocorre sete vezes em quatro versículos. Refere-se ao curto intervalo que houve até o seu sepultamento quando os discípulos não o viram mais com os olhos da visão física. O segundo um pouco indica o intervalo entre o Seu sepultamento e a Sua ressurreição, depois da qual eles o veriam novamente. Aqui a palavra ver não é a mesma da primeira ocorrência. Transmite aqui a ideia de percepção como também de observação. Algo do significado deste drama da redenção, que era naquela ocasião tão misterioso, despontaria sobre aqueles homens. A última cláusula, vou para o Pai, não tem suficientes provas documentárias para ser relida no texto.

16:17 As palavras de Jesus estavam além do alcance da compreensão dos discípulos. Antes disto já tinham feito perguntas individualmente. Esses homens (alguns dos seus discípulos), tímidos demais para anunciarem sua perplexidade em voz alta, confabularam entre si em vez de se dirigirem ao Senhor. Neste versículo, as palavras, vou para o Pai, são genuínas. São facilmente explicáveis com base no uso que Jesus faz delas no versículo

16:18 Este fato da sua partida é a preocupação todo-absorvente.

16:19, 20 Reconhecendo seu desejo ardente de ter uma resposta ao problema do um pouco em sua dupla aplicação, Jesus ofereceu-se a dar a resposta, ainda que não a resposta precisa que eles esperavam. Mas ele mostrou o que aquele um pouco significaria para eles em cada exemplo. No primeiro, eles chorariam enquanto o mundo se regozijaria, pois a morte do Salvador produziria reações completamente diferentes, nos crentes e nas pessoas do mundo (cons. Ap. 11:10). Mas essa mesma coisa que traria tristeza transformar-se-ia em uma ocasião de alegria quando os discípulos fossem capazes de ver a cruz à luz da Ressurreição, quando o segundo “um pouco” os surpreendesse.

16:21 Jesus fez uma analogia com a vida humana, mostrando como a alegria suplanta a tristeza. As dores do parto de uma mulher produzem tristeza, mas ela se esquece das dores na alegria do nascimento. Pode haver significação no fato de se dizer que um homem nasceu (e não uma criança). Cristo, na ressurreição, como o primeiro a renascer dos mortos (Cl. 1:18) une a Si o novo homem, Sua Igreja, à qual ele comunica Sua vida ressurreta.

16:22 A alegria da reunião seria uma experiência permanente; a segunda separação, ocasionada pela ascensão do Senhor, não afetaria a alegria (Lc. 24:51-53).

16:23 Naquele dia. O Senhor estava pensando nas condições que prevaleceriam depois de Seu retorno ao Pai. No período intermediário dos quarenta dias depois da Ressurreição, os discípulos perguntaram algo (Atos 1:6). Mas quando Ele fosse levado, toda oportunidade de fazer perguntas tais como aquelas que estavam fazendo teria desaparecido. Isto não significa que haveria ausência total de comunicação. A porta da oração estaria aberta. Ele só teria de pedir e o Pai daria as respostas às suas perplexidades e supriria suas necessidades. Em meu nome (veja comentário sobre 14:13, 14).

16:24 Nada tendes pedido. Aqui a palavra “pedir” foi usada no sentido de fazer um pedido e não de formular uma pergunta. Devido à presença de Jesus no meio deles, pedir em seu nome seria desnecessário. Mas naquele dia que estava por vir, o gozo de ver Jesus novamente seria mantido através da oração.

16:25 Figuras. Não máximas, mas palavras obscuras. Seus ensinamentos eram muitas vezes enigmáticos para Seus Seguidores. Mas haveria uma mudança. “A volta de Jesus ao pai inaugurou uma nova era, na qual o Senhor fala aos Seus discípulos não mais obscuramente mas clara e abertamente; presume-se que os leitores do Evangelho entendam que Ele lhes fala através do Espírito que receberam” (Hoskyns, The Fourth Gospel).

16:26, 27 No futuro, a oração seria realmente em nome de Cristo, mas não no sentido de que o Filho seria o caminho de vencer alguma espécie de hesitação ou resistência do Pai, a qual os crentes encontrariam de outro modo. Pelo contrário, o Pai os ama, e está pronto a recebê-los por causa da atitude deles para com o Seu amado Filho. Em contraste com o mundo, eles amaram e confiaram no Filho na qualidade de enviado de Deus.

16:28 O que a fé dos discípulos deveria abranger foi agora apresentado no mais simples e mais ousado dos esboços. A primeira metade da declaração já fora afirmada mais de uma vez por um ou mais elementos do grupo; a segunda parte trata com a ideia principal deste discurso, a partida do seu líder. Agora Ele colocava sua partida de modo nítido e claro – deixo o mundo e vou para o Pai. A esta altura o discurso já estava quase concluído. Terminou com uma nota dupla – o fracasso patético daqueles que Jesus tentara instruir, e o seu próprio triunfo, assistido pela presença do Pai.

16:29, 30 Estimulados tanto pelo elogio à sua fé como pelo modo claro de Jesus se referir à Sua carreira, os discípulos imaginaram que estivessem desfrutando do mais alto conhecimento do Filho de Deus.

16:31, 32 Mas um rude despertar estava a espera deles, seriam dispersos (quando Jesus fosse preso) e Ele seria deixado só, mas teria a ajuda do Pai.

16:33 Para proteção deles Ele providenciou a sua paz (cons. 14:27), da qual precisariam quando enfrentassem as aflições que lhes estavam reservadas no mundo. Esta não é simplesmente paz no meio do conflito, mas paz que descansa na certeza da vitória obtida agora pelo Seu paladino sobre o mundo. A vitória de Cristo é a realidade objetiva que torna válida a dádiva interior de Sua paz.

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