Interpretação de Colossenses 1
Interpretação de Colossenses 1
Colossenses 1
1. Como em muitas outras cartas – II Coríntios,
Filipenses, I e II Tessalonicenses, Filemom – Paulo associa-se a Timóteo em sua
saudação aos colossenses, mas reserva-se o título de apóstolo.
Este termo transmite a ideia de missão,
autorização e responsabilidade. E o seu significado no N.T. provavelmente se
deriva da palavra hebraica sheilah, “enviar”. (Veja J. B. Lightfoot, St.
Paul's Epistle to the Galatians, pág. 92 e segs.; R.H. Rengsdorf, “Apostleship”,
Bible Keywords II, ed. J.R. Coates.) O substantivo sheilah, um
equivalente virtual da palavra “apóstolo” no N.T., não é pouco comum nas obras
rabínicas. Foi primeiramente um tenro jurídico, que significava representação
autorizada.
Conforme o conceito moderno das
procurações, o enviado é considerado equivalente ao próprio representado.
Desrespeitar o embaixador do rei era desrespeitar o próprio rei (II Sm. 10;
cons. I Sm. 25:5-10, 39-42).
Embora o termo, apóstolo de Cristo
Jesus, tenha outros usos secundários (Fp. 2:25; II Co. 8:23), parece
aplicar-se em primeiro lugar àqueles diretamente comissionados como apóstolos
pelo Senhor ressuscitado (cons. I Co. 9:1; 15:8-10). Assim Paulo exercia a
função de apóstolo por vontade de Deus.
2. Todos os cristãos são
santos em virtude do seu relacionamento com Deus em Cristo; o uso da designação
para uma pessoa particularmente devota aconteceu mais tarde. Paulo usa a antiga
saudação hebraica, paz, mas altera o costumeiro kaire grego, “salve”,
para karis, graça, dando à frase um tom distintamente cristão.
II. A Natureza do Senhorio de Cristo. 1:3
– 2:7.
A. Ação de Graças pela Fé dos Colossenses
em Cristo. 1:3-8.
Uma antiga carta grega começa assim:
Apion para Epimacho seu Pai e Senhor, muitas saudações (kairein). Antes
de mais nada rogo que estejas com saúde, e que prosperes e que passes bem
continuamente. ... Agradeço ao Senhor Separis que, estando eu em perigo no mar,
ele me salvou imediatamente... (Deiss, LAE, pág. 169). Na abertura de suas
cartas (exceto Gálatas), quando Paulo dá graças, ele segue este costume
literário, mas significativamente altera o seu conteúdo.
3-6. Paulo dá graças pela tríade de bênçãos existente
entre os colossenses. Sua fé em Cristo (e na “esfera cristã”), que ficou
no passado, e seu amor para com os homens, manifesto no presente, tinham
por fundamento a esperança que seria efetivada no futuro. Por esperança,
o próprio Cristo pode ser o indicado (cons. 1:27). Os três vão juntos: Se temos
fé apenas nesta vida, somos dignos de dó (I Co. 15:19), mas se a nossa esperança
reside nos céus, onde a nova dispensação está atuando na pessoa de
Cristo, ela será manifesta em amor e frutificará no presente mundo (cons. Cl.
1:13; 3: 14; Ef. 6: 12; Mc. 4:20).
7. Só aqui Paulo chama uru cooperador de conservo (gr.
sundoulos) de Cristo; este também pode ser o significado de prisioneiro
como em 4:10. Epafras. . . fiel ministro ou diácono (diakonos)
dos colossenses poderia ter sido o organizador da igreja do Vale de Licus. Sem
dúvida o apóstolo ficara sabendo por meio dele dos erros que ameaçaram os
cristãos de lá, como também do amor que tinham por Paulo no Espírito. Esta
última expressão provavelmente refere-se ao Espírito da nova dispensação,
embora, possa ser traduzida também amor espiritual e amor no Espírito
(cons. Rm. 8:9; Ef. 1:3).
B. Oração pelo Seu Crescimento em Cristo.
1:9-14.
As orações de Paulo, além de revelarem a
fé do apóstolo, oferecem também valiosas lições de tudo o que se refere ao
significado da oração cristã. Quando comparadas com o “Pai Nosso”, elas
oferecem um índice quanto ao modo como a instrução de Cristo, “vós orareis
assim” (Mt. 6:9), foi aplicada na igreja primitiva. Depois da ação de graças
introdutória, Paulo começa uma oração que se funde em outra ação de graças,
conforme a oração toma a forma de uma peã de louvor ao Cristo exaltado.
9,10. Orar. Veja 4:2. C. Masson (L'Epître de Saint Paul aux
Colossiens) sugere que pleno conhecimento (epignosis) deveria ser
compreendido como “amadurecido quanto ao conhecimento”. Aqui há provavelmente
um contraste sutil com o conhecimento (gnosis) dos advogados gnósticos: Paulo
não enfatiza nem um intelectualismo abstrato nem uma experiência oculta dos “poderes”,
mas um conhecimento completo (epignosis) da vontade de Deus de acordo
com a sabedoria (sofia; cons. I Co. 1:24-30) e percepção. Embora, usando
estes termos, o apóstolo possa ter-se influenciado pelo vocabulário dos seus
oponentes, ele volta o significado das palavras contra os falsos mestres. Ele
ora para que os colossenses possam passar pela terapia psiquiátrica de Deus, a
qual transformaria seu mundo e visão da vida (cons. Rm. 12:1,2). Uma
transformação mental é o requisito prévio e a base de uma renovação ética; em
troca, conforme fossem frutificando em toda boa obra, seu conhecimento de Deus
seria depois aumentado.
11. Para intensificar um conceito, o apóstolo reitera: Fortalecidos
... poder... força. O que opera no cristão não é nada menos que o poder do
próprio Deus Todo-Poderoso, não para exaltar no presente, mas para dar perseverança,
fortaleza e resistência. Os filósofos estóicos também estimavam essas virtudes,
mas, como o tradicional índio “cara-de-pau”, eles aceitavam com uma atitude de
completa indiferença. Paulo quer dizer esperança e sofrimento com alegria. Este
é o distintivo do cristão! O gozo que não estiver enraizado no solo do
sofrimento é superficial (C. F. D. Monte, The Epistle of Paul the Apostle to
the Colossians and to Philemon).
12-14. O poder de Deus nos fez idôneos, isto é, qualificados
para participar, isto é, deu-nos o poder (M.M.) e tornou-nos dignos.
Luz e trevas são termos teológicos comuns usados
em muitas religiões, e encontrados recentemente nos Manuscritos do Mar Morto.
Aqui parece que Paulo está pondo em contraste o reino ou a esfera da nova dispensação
– luz, com o do presente século, a esfera do mal ou a autoridade (exousia)
das trevas. Em outro lugar esta esfera do mal foi igualada com o poder de
Satanás (cons. 2:15; Lc. 22:53; Atos 26:18; Ef. 2:2).
Estes versículos, que situam uma
libertação passada e a transferem para o reino de Cristo e apresentam a
redenção que os cristãos têm como possessão presente, são os sinetes da “escatologia
compreendida”, isto é, que a nova dispensação chegou com a ressurreição de
Cristo e que os cristãos entram nela no momento da conversão.
A relação entre o reino realizado e o
reino futuro tem sido muito debatida e diversamente compreendida. São eles
conceitos mutuamente exclusivos representando estágios de desenvolvimento
doutrinário nas mentes dos escritores do N.T.? Uma vez que todo o stratum da
literatura do N.T. contém ambos os conceitos, esta solução parece ser forçada.
Seria o presente aspecto do reino uma compreensão parcial da consumação futura?
Parece que Paulo considera os cristãos inteiramente dentro da esfera da nova
dispensação no seu estado cooperativo em Cristo, o qual é transferido para os
indivíduos pelo Espírito Santo; a esfera do ser da nova dispensação,
entretanto, será inteiramente efetivada no indivíduo somente por ocasião da
parousia, isto é, a volta de Cristo. (Veja Introdução.) Mais tarde, o Gnosticismo fez uma distinção entre o perdão, como
estágio inicial, e a redenção, como a fuga da alma para os reinos da
imortalidade. Aqui Paulo fala de redenção que efetua o perdão dos
pecados. (Veja Leon Morris, The Apostolic Teaching of the Cross, pág.
43.)
C. Cristo como Senhor. 1:15-19.
O aspecto surpreendente das atribulações
nesta passagem é a sua aplicação a um jovem judeu que foi executado como
criminoso apenas trinta anos antes. Jesus Cristo foi descrito em frases que
fazem lembrar a divina Sabedoria no V.T. (cons. Pv. 8:22-30; Sl. 33:6), na
literatura intertestamentária, e em passagens semelhantes do N.T. (cons. Jo.
1:1; I Co. 1:30; Hb. 1:1 e segs.). Aqui Jesus não só é o mediador da criação
mas também é o alvo de toda a ordem criada. A majestade desse contraste
completo foi percebido por alguém que escreveu:
Quem é Ele, naquela árvore, Morrendo em tristeza e agonia?É o Senhor! Oh maravilhosa história!É o Senhor, o Rei da glória!Aos Seus pés humildemente caímos;Coroai-O! Coroai o Senhor de todos!
15-17. Imagem do Deus reflete a tipologia Adão-Cristo (cons.
Gn. 1:27; Sl. 8; Hb. 2:5-18), na qual Cristo é considerado o primeiro homem
verdadeiro que cumpre o desígnio de Deus na criação. Assim, ser a imagem de
Cristo é o alvo de todos os cristãos (cons. Rm. 8:28; I Co. 11:7; 15:49; II Co.
3:18; 4:4; Cl. 3:10). O Filho divino, entretanto, é o arquétipo, a efluência da
glória de Deus e não, como os outros homens, Seu reflexo (Hb. 1:3). Foi porque
o homem é a “imagem do seu criador que foi possível para o Filho de Deus
encarnar-se como homem e na Sua humanidade exibir a glória do Deus invisível”
(Bruce em The Epistles to the Ephesians and the Colossians por E.K.
Simpson e F.F. Bruce).
Primogênito (prototokos) foi
interpretado pelos arianos como significando “o primeiro de uma raça”, isto é,
Cristo era a primeira criatura. A palavra pode ter este significado (cons. Rm.
8:29); mas tal tradução não é consistente com o tema de Paulo, que aqui destaca
a prioridade messiânica e primazia de Cristo (cons. Sl. 89:27): Cristo é o “chefe”
porque nele – a esfera do Seu domínio ou talvez através de Sua
instrumentalidade – a ordem criada veio à vida (cons. Jo. 1:3; Hb. 1:2), e por
meio dele ela existe. Sejam quais forem os poderes que existem, nada têm a
oferecer ou negar ao cristão; em Cristo ele tem todas as coisas (cons. Rm.
8:38; Ef. 1:10).
18. Os termos cabeça, princípio, primogênito, expressam
a preeminência de Cristo na nova criação, a qual nasceu na Sua ressurreição (I
Co. 15:22; Ap. 1:5; 3:14). Embora a cabeça na qualidade de locus de
controle do corpo não fosse conceito desconhecido aos escritores médicos do
primeiro século, o significado que o V.T. dá a “chefe” ou “origem” é o sentido
da palavra aqui. Como corpo de Cristo (não o “corpo dos cristãos”) a
igreja não é meramente uma “sociedade” mas está definida em termos de sua
comunhão orgânica com Cristo (veja Introdução).
19. Assim como o presente cosmos foi criado em e através
de Cristo, assim também e a nova criação. Ambos incluem, na mente de Paulo,
muito mais que a humanidade (cons. Rm. 8:22, 23). Mas a plenitude (pleroma)
de tudo habita em Cristo. Já se sugeriu que pleroma aqui significa, como
no antigo glossário gnóstico, a totalidade dos poderes cósmicos que servem de
medianeiros para a redenção dos homens; todos esses, diz Paulo, em oposição ao
ensino gnóstico, pertencem e residem em Cristo. Diante do uso da palavra grega
na LXX e em outras cartas de Paulo, entretanto, este significado técnico é
pouco provável. A interpretação mais própria é a indicada em Cl. 2:9, onde pleroma
só pode significar a plenitude dos poderes e atributos de Deus. Neste livro
Cristo é considerado o receptáculo e representante de tudo o que Deus é. Além
disso, plenitude, como “imagem” (cons. 1:15), em outra passagem é predicado dos
cristãos à vista de seu final estado glorificado em Cristo (Ef. 3:19; 4:12, 13;
cons. Jo. 17:22, 23).
D. Cristo como o Reconciliador de Deus.
1:20-23.
20. Em Ef. 2:14-18 Paulo vê a paz efetivada pelo
sacrifício do sangue de Cristo, encampando e unificando judeus e gregos.
Aqui está se considerando em primeiro lugar a humanidade e todas as coisas no
cosmos (cons. Is. 11:6-9; Rm. 8:19-23). O fato de que Deus por meio de Cristo
reconciliou o universo foi equiparado por Orígenes (falando sobre Jo. 1:35) com
a redenção universal. Não temos certeza (cons. Arndt) se o significado aqui é .”reconciliou
com Deus” ou (mais provavelmente) “reconciliou com Cristo”, isto é, criou uma
unidade que tem o seu alvo em Cristo. Mas o ensino de Orígenes não faz muita
justiça ao ensino paulino (e do N.T. em geral) no que se refere ao juízo de
Deus. Os colossenses foram reconciliados através da redenção, mas Cl. 2:15
sugere que outros seres maus e poderes são “reconciliados” por meio da derrota
e destruição (cons. I Co. 15:24-28). Para alguns a cruz é “um salvador da morte
para morte” (II Co. 2:16).
22,23. No corpo da sua carne e
apresentar-vos tem conotações
sacrificiais (cons. Rm. 12:1,2) e acentua a identidade do crente com Cristo na
sua morte.
Se... permaneceis. Eis aí a prova. Paulo se dirige aos seus
interlocutores chamando-os de cristãos mas sempre reconhece os fatores “existenciais”
que impede qualquer complacência até mesmo para si (cons. I Co. 9:27; II Co.
13:5). Para o apóstolo, a certeza sempre tem de estar no tempo presente. E,
embora a eleição de Deus não seja vacilante, pode-se afirmar só em termos de
profissão (cons. Rm. 10:9), conduta (cons. I Co. 6:9) e o testemunho do Espírito
(cons. Rm. 8:9).
A toda criatura (ktisis) pode ser uma referência,
como o contexto admitiria, ao escopo cósmico da proclamação (cons. II Pe. 3:9).
Se Paulo está aqui falando de cidadania romana, pode-se-lhe permitir uma
hipérbole inevitável em um evangelista “nato”.
E. Paulo: Ministro da Reconciliação de
Cristo. 1:24-29.
24. Antes Paulo orou que os colossenses pudessem sofrer
com alegria (1:11); agora ele afirma que essa é a sua própria experiência. O
notável conceito de que os padecimentos (pathema), sofridos em benefício
dos colossenses, completam o que falta nas aflições de Cristo (thlipsis),
não se limita a esta passagem (cons. lI Co. 1:5-7; 4:12; 13:4; Fp. 3:10; I Pe.
4:13; 5:9; Ap. 1:9). Esta idéia deve ser compreendida do ponto de vista do conceito
hebreu da personalidade comunitária ilustrada na pitoresca declaração de Jesus
em relação a Sua igreja, “Por que me persegues?” (Atos 9:4). E alguns
interpretam Cl. 1:24 como significando que no propósito de Deus o Cristo
comunitário, a comunidade messiânica, está destinado a sofrer uma quota das “dores
de parto” na introdução da dispensação messiânica. Provavelmente mais central é
a idéia de que a união com Cristo envolve ipso facto união com os
sofrimentos de Cristo: “Se com ele sofrermos, para que também com ele sejamos
glorificados” (Rm. 8:17). A realidade da comunidade “em Cristo” (Gl. 2:20) tem
de ser efetivada nos cristãos individualmente; assina Paulo pode falar até
mesmo de sua morte como um sacrifício (Fp. 2:17; lI Tm. 4:6).
Deve-se notar, entretanto, que neste
contexto, como também em outras passagens, que a exclusiva suficiência
redentora está em Cristo e na sua expiação. Os cristãos participam dos
sofrimentos de Cristo porque foram redimidos, não como complemento de sua
redenção. (Assim, na imitação de Cristo, distintivo dos anabatistas, “a coroa
de espinhos está em cima da coroa de glória”. Veja Robert Friedmann, “Concepção
dos Anabatistas”, Church History, IX (1940), pág. 358; cons. Walther von
Loewenich, Luthers Theologia Crucis; Dietrich Bonhoeffer, The Christ
of Discipleship; Elisabeth Elliot, Though Gates of Splendor).
25-27. A revelação ou tarefa dada a Paulo no plano redentor
de Deus era, especificamente, tornar a salvação conhecida dos gentios.
No mundo do primeiro século, mistério (mysterion) significa 1)
uma coisa misteriosa, 2) um rito de iniciação a uma religião, 3) um segredo
apenas conhecido através de revelação divina (Dn. 2:28-30, 47). O amplo uso que
Paulo faz da palavra encaixa-se na última categoria (cons. I Co. 15:51; Ef.
5:32; lI Ts. 2:7). Mas em relação ao plano redentor de Deus, o mistério é a
união comunitária com Cristo, Cristo em vós, pela qual Deus concede
justiça e salvação. Em Efésios (3:6) o ponto central está na inclusão dos
gentios no Corpo, e esse aspecto do mistério não está ausente aqui.
28,29.
O “doutor das almas” tinha
um ministério que exercia advertindo e ensinando,
não-egocentralizado, mas centralizado no paciente. O alvo de Paulo era
apresentar todo homem perfeito (teleios) ou amadurecido em
Cristo, sempre combatendo mas também reconhecendo que o poder é dAquele que
opera eficientemente em mim (Fp. 2:12,13).
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