Apocalipse 6 — Comentário Bíblico Online
Apocalipse 6 — Comentário Bíblico Online
Apocalipse 6
B. OS SETE SELOS, 6.1-8.1
Chegamos agora a três séries de julgamentos: os Sete
Selos (caps. 6-7), as Sete Trombetas (caps. 8-11) e as Sete Taças (caps.
15-16). A escola de interpretação histórico-contínua (historicista, veja
Int., “Interpretação”) encontra nisso um retrato de sucessivos ciclos de
julgamentos durante essa época. Provavelmente, uma melhor perspectiva seria
entendê-los como ciclos concêntricos de julgamento, descrevendo basicamente a mesma
coisa, mas com figuras simbólicas diferentes. Como sempre, o número sete indica
inteireza. É importante observar que o sétimo selo desemboca nas sete
trombetas e a sétima trombeta desemboca nas sete taças. Assim, as três séries
estão intimamente ligadas umas às outras.
Os sete selos têm sido chamados de “Cenário da
História de Sofrimento”. Arrepiamo-nos ao pensar nos julgamentos que sobrevirão
a este mundo farto de pecado.
1. O
Primeiro Selo: Conquista (6.1,2)
Quando o Cordeiro abriu o primeiro selo do rolo, João
ouviu como em voz de trovão (1). Essa era a voz alta de um dos
quatro animais (“criaturas viventes”; veja comentários em 4.6).
Os primeiros quatro rolos formam uma série. Cada um é
introduzido por um chamado em alta voz de uma das quatro criaturas viventes,
seguido do aparecimento de um cavalo e um cavaleiro. Uma sugestão definida
então é dada quanto ao que ele simboliza.
Vem e vê deveria ser apenas “Vem!”. As palavras E vê não estão no melhor
texto grego, aqui ou nos versículos 3, 5 e 7. Alguns escribas evidentemente
entenderam isso como um chamado a João para vir e ver o que iria acontecer.
Fausset comenta: “É mais provável que seja o clamor dos redimidos ao seu
Redentor: 'Vem' liberta a criatura em agonia da escravidão da corrupção”.' O
sentido correto provavelmente é o que Simcox apresenta: “O sentido completo da
frase é que cada uma das criaturas viventes, alternadamente, convoca um dos
quatro cavaleiros”.'
A abertura do primeiro selo
revela um cavalo branco; e o que estava assentado sobre ele tinha um arco;
e foi-lhe dada uma coroa, e saiu vitorioso e para vencer (2). Num primeiro momento, o significado disso parece
óbvio: o cavaleiro do cavalo branco é Cristo (cf. 19.11-16). Esse é o ponto de
vista de Lange. Ele escreve: “O triunfo isolado de Cristo, como apresentado
aqui, tem se prolongado através do Triunfo da Igreja; ele aparece como uma
formação de hostes vitoriosas em cavalos brancos”.39 Fausset concorda
com isso. O mesmo ocorre com Lenski, que identifica o cavaleiro como a Palavra
de Deus e acrescenta: “O portador, o cavalo, é branco, que é a cor de santidade
e do céu”.” Mas o contexto parece não permitir essa interpretação. Swete diz: “Uma
visão do Cristo vitorioso seria inapropriada na abertura de uma série que
simboliza derramamento de sangue, fome e pestilência. Em vez disso, temos aqui
a figura de um militarismo triunfante”.' Semelhantemente, Love diz: “Por isso,
uma vez que guerra, fome e morte são resultados de uma conquista, o 'branco'
aqui deve ser a vitória, não de pureza, mas de uma conquista egoísta e
luxuriosa”.42 Erdman apresenta um ponto de vista um pouco diferente:
“O primeiro representa os períodos de paz concedidos, na providência de Deus,
sob o Império Romano, e a ser repetido diversas vezes na história do mundo”.”
Foi a conquista romana que trouxe paz.
2. O Segundo. Selo: Guerra (6.3,4)
Dessa vez o cavalo é vermelho (4). O
significado disso é claramente indicado pelo que segue. O cavaleiro do cavalo
vermelho recebeu poder para que tirasse a paz da terra e que se matassem uns
aos outros; e foi-lhe dada uma grande espada simbolizando uma grande
destruição. Claramente, o vermelho representa um imenso derramamento de
sangue.
3. O Terceiro Selo: Fome (6.5,6)
O terceiro cavalo era preto (5). O cavaleiro
tinha em suas mãos uma balança. O simbolismo disso é imediatamente
explicado: Uma medida de trigo por um dinheiro; e três medidas de cevada
por um dinheiro (6). A medida era pouco mais de um litro, que era “a
média diária de consumo de um trabalhador”.' Um dinheiro era um denarius,
que, pelo que tudo indica, representava o salário de um dia (Mt 20.2). Isso
significava que o preço da fome era tão alto que levaria tudo que um homem ganhasse
só para alimentar a si próprio, se comesse trigo. Por outro lado, ele poderia
comprar três quartos de cevada — a comida das pessoas pobres — e ter o
suficiente para uma família pequena.
À proclamação de preço é acrescentada uma
admoestação: e não danifiques o azeite e o vinho. Esse seria o azeite de
oliva e suco de uva fermentado. Swete observa: “Trigo e cevada, óleo e vinho,
formavam a dieta básica da Palestina e da Ásia Menor”.”
O significado provável dessa advertência é explicado
por Charles. Ele escreve: “Devido à falta de cereais e à superabundância de
vinho, Domiciano emitiu um édito [...] que nenhuma vinha nova deveria ser
plantada na Itália, e que a metade das vinhas nas províncias deveria ser
destruída”.' Mas Suetônio registra o fato que o decreto imperial causou um
alvoroço tão grande nas cidades asiáticas que ele precisou ser revogado. Em vez
disso, foi imposto um castigo para aqueles que deixassem de cultivar as suas
vinhas! Charles acha que João está aqui registrando um protesto contra essa
atitude egoísta: “Consequentemente, ele prediz uma época difícil, em que os
homens terão azeite e vinho em abundância, mas sofrerão da falta de pão”.' É
possível que o decreto de Domiciano tenha sido o motivo das palavras aqui.
4. O Quarto Selo: Morte (6.7,8)
Agora aparece um cavalo amarelo (8). A palavra
grega é chloros, que significa um “verde descorado”. Swete comenta: “encontramos
essa palavra na Ilíada de Homero (vii. 464) para “pálido de medo”. Swete
comenta: “O cavalo 'descorado' ou 'pálido' é um símbolo de Terror, e seu
cavaleiro uma personificação da Morte [...] com quem segue — quer no mesmo ou
num outro cavalo ou a pé, o autor não pára de dizer ou mesmo de pensar — em seu
companheiro inseparável, o Hades”.' Acerca do significado de inferno veja
os comentários em 1.18.
Mas havia um limite para o estrago do ceifeiro
severo, a Morte, e o celeiro avarento, O Hades. Eles têm poder para destruir a
quarta parte da terra. O tempo do julgamento final ainda não havia
chegado.
Os dois algozes matam usando quatro métodos: espada
[...] fome [...] peste [...] (a palavra grega evidentemente significa “peste”
ou “pestilência” aqui e com frequência na LXX) [...] feras da terra. Há
uma referência óbvia a Ezequiel 14.21: “Porque assim diz o Senhor JEOVÁ: Quanto
mais, se eu enviar os meus quatro maus juízos, a espada, e a fome, e as nocivas
alimárias, e a peste”. Os termos gregos são os mesmos nas duas passagens, em
que apenas a ordem dos dois últimos é invertida. Feras selvagens multiplicam-se
e tornam-se mais ferozes em tempos de fome e pestilência.
A visão dos quatro cavaleiros em abrir os primeiros
quatro selos encontra um paralelo impressionante em Zacarias 6.1-3. Ali o
profeta vê quatro carros puxados por cavalos que eram respectivamente
vermelhos, pretos, brancos e grisalhos e fortes. Aqui um dos cavalos é branco,
os outros vermelho, preto e verde pálido, respectivamente. Como Swete observa: “O
Apocalipse toma emprestado somente o símbolo dos cavalos e suas cores e em vez
de colocar os cavalos em cangas diante dos carros ele coloca um cavaleiro em
cada um deles em quem o interesse da visão é centrado”.49
Qual é a aplicação desses primeiros quatro selos?
Representando a interpretação preterista (veja Int., “Interpretação”),
Swete encontra aqui o militarismo e a obsessão pela conquista que era
característica do Império Romano daquela época, repetida com frequência na
história desde então.
Típico daqueles que defendem a interpretação historicista,
Barnes entra em mais detalhes. O primeiro selo representa um período de
prosperidade e conquista com uma duração de cerca de 90 anos depois que o
Apocalipse foi escrito (i.e, até 180 d.C.). Baseando-se em grande parte no
livro Decline and Fall of the Roman Empire (Declínio e Queda do Império
Romano) de E. Gibbon, Barnes descreve esse período com grandes detalhes.” O
segundo selo representa os 92 anos após o assassinato de Commodus em 193 d.C.,
quando não menos de 32 imperadores e 27 pretendentes mantiveram o império em um
estado de guerra civil constante. O terceiro selo simboliza um período de
impostos opressivos e restrições severas à liberdade do povo. Barnes aplica o
quarto selo ao período que vai de 248 até 268 d.C., quando a espada, a fome e
as pestes, de acordo com Gibbon, causaram a morte da metade da população do
império.'
A interpretação futurista entende que esses
selos se referem a julgamentos terríveis sobre a humanidade no fim dessa era.
Por exemplo, Kuyper diz que “o que está sendo apresentado aqui precede o final
imediato de todas as coisas, a vinda do Anticristo e o retorno do Senhor”.52
5. O Quinto Selo: Martírio (6.9-11)
A abertura do quinto selo revelou debaixo
do altar as almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus e por amor
do testemunho que deram (9). Não há aqui criaturas viventes nem uma voz clamando: “Vem”.
O significado dessa mudança é observado por Swete: “Com o quinto selo, a
Igreja vem à luz, em relação à sua perseguição e sofrimento [...] A quebra do quinto
selo interpreta a época da perseguição e mostra sua relação com o plano divino na história”.”
Não precisa de muita imaginação para constatar que isso poderia se aplicar
igualmente à perseguição romana aos cristãos (preterista), às várias perseguições de verdadeiros
crentes ao longo da era da Igreja, especialmente pela igreja católica romana
(historicista), e também aos mártires da Grande Tribulação no final desta era
(futurista). Concordar com uma dessas teorias não excluiria sua verdade em
relação às outras. A posição sensata aparentemente é aceitar todas as
interpretações dessa passagem como válidas e significativas.
Debaixo do altar é talvez uma referência ao fato de que o sangue da oferta pelo pecado
deveria ser derramado “à base do altar do holocausto” (Lv 4.7). “O altar em estudo aqui é o correlativo do Altar do Holocausto, e as
vítimas que foram oferecidas sobre ele são os membros mortos como mártires da
Igreja, que seguiram seu Cabeça no exemplo da sua morte sacrificial”.”
A linguagem da última parte desse versículo é semelhante
à linguagem em 1.9 (veja comentários lá), que encontra eco novamente em 12.11,
17; 19.10; 20.4. A repetição de por (dia, por causa de) sugere duas causas do martírio. Essas
Testemunhas fiéis eram mortas por causa da sua confissão no único e verdadeiro
Deus, em contraste com o politeísmo e adoração ao imperador daqueles dias, e do
seu testemunho de Jesus como o único Senhor e Salvador. O Martírio de
Policarpo relata que pouco antes desse venerável bispo ser morto em 156
d.C., ele foi impelido pelo procônsul romano a salvar a sua vida ao fazer duas
coisas: 1) “Jure pelo nome de César [...] e diga: 'Fora com aqueles que negam
os deuses”; 2) Desonre a Cristo”. A resposta de Policarpo tem sido citada com
frequência: “Oitenta e seis anos o servi e Ele nunca me tratou injustamente.
Como posso agora blasfemar contra meu Rei que me salvou?”.”
Há muitas advertências na Palavra de Deus de que o
martírio pela fé vai novamente se tornar comum no fim dos tempos. Precisamos
orar pelo mesmo espírito de coragem que foi mostrado pelos antigos mártires da
Igreja.
As almas debaixo do altar clamavam (aoristo,
somente uma vez) com grande voz, dizendo: Até quando, ó verdadeiro e santo
Dominador, não julgas e vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra (10). Dominador não é o termo comum kyrios,
mas despotes (cf. déspota). Esse é um título para Deus na
Septuaginta e duas vezes no Novo Testamento (Lc 2.10; At 4.24). Ele também é
usado para Cristo duas vezes (2 Pe 2.1; Jd 4). Aqui não está claro se o termo é
empregado para Deus ou para Cristo. As palavras verdadeiro e santo são
usadas para Cristo em 3.7.
O clamor por vingança tem causado uma certa
consternação nos cristãos atuais. Mas Swete nota que “a santidade e verdade do
Supremo Mestre requer o castigo de um mundo responsável pelas suas mortes. As
palavras somente afirmam o princípio da retribuição divina, que proíbe o
exercício da vingança pessoal”.”
Para cada mártir foi dada uma veste branca (stole,
sing.) simbolizando pureza e vitória. Essa palavra grega é encontrada outra
vez em 7.9, 13-14. O termo representa uma roupa longa que era um tipo de um
símbolo de status. Essas vítimas do martírio eram, na verdade,
vencedores. Foi-lhes dito que repousassem ainda um pouco de tempo, até que
também se completasse o número de seus conservos e seus irmãos que haviam de
ser mortos como eles foram. Sua espera será um repouso e será por um
período curto. Quando os propósitos de Deus estiverem completos, virá o fim.
6. O Sexto Selo: O Fim dos Tempos (6.12-17)
O primeiro sinal do fim que pode ser observado é um
grande tremor de terra (12). Esse aspecto provavelmente é um eco de Ageu
2.6-7 (LXX): “Porque assim diz o SENHOR dos Exércitos: Ainda uma vez, daqui a
pouco, e farei tremer os céus, e a terra, e o mar, e a terra seca; e farei
tremer todas as nações”. A última frase sugere que a referência não é somente
a um terremoto físico, mas também a revoluções raciais, políticas e sociais. É
interessante observar que terremoto é seismos e “farei tremer” é
seiso.
Outros terrores são indicados: e o sol tornou-se
negro como saco de cilício, e a lua tornou-se como sangue. Essa citação é
semelhante à de Joel 2.31: “O sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue,
antes que venha o grande e terrível dia do SENHOR”.
Outros fenômenos são observados: E as estrelas do
céu caíram sobre a terra, como quando a figueira lança de si os seus figos
verdes, abalada por um vento forte (13). A linguagem é a de Isaías 34.4: “E
todo o exército dos céus se gastará [...] e todo o seu exército cairá como cai
a folha da vide e como cai o figo da figueira”.
A sentença que omitimos dessa citação de Isaías: “e
os céus se enrolarão como um livro” é similar à próxima frase de Apocalipse: E o
céu retirou-se como um livro que se enrola (14). O autor acrescenta a
seguinte predição: e todos os montes e ilhas foram removidos do seu lugar. Sempre
haverá uma discussão se essa linguagem deve ser entendida literal ou
figuradamente. Mas por que não as duas formas? Como no caso de 2 Pedro 3.10-12,
a idade atômica abriu os nossos olhos para o fato de que uma linguagem tão
severa, há muito tempo taxada como uma expressão poética de uma imaginação
fértil, pode se cumprir com uma exatidão horrível.
Nessa visão terrível dos últimos dias, João viu
homens de todas as camadas da sociedade (são mencionadas sete classes), de reis
a escravos, se esconderem nas cavernas e nas rochas das montanhas (15).
Eles diziam aos montes e aos rochedos para que caíssem sobre eles (cf.
Os 10.8) e os escondessem do rosto daquele que está assentado sobre o trono
e da ira do Cordeiro (16). Que paradoxo impressionante: a ira do
Cordeiro! Alguém disse que a ira de Deus é o amor de Deus represado pela
desobediência do homem, até que seja emanado no julgamento justo.
O motivo de procurar
se esconder é claro: porque é vindo o grande Dia da sua ira; e quem poderá
subsistir? (17). Já ocorreram muitos dias do julgamento de Deus sobre o
pecado e homens pecaminosos. Mas o grande Dia da sua ira — uma combinação
de “o dia do Senhor” (A 2.11;31. Zc 1.14) e o “dia da ira do Senhor” (Sf 1.15,
18; 2.3) — ainda está por vir. Excederá em muito qualquer coisa de que se tem
notícia.
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