Significado de Apocalipse 5

Apocalipse 5

Apocalipse 5 é um dos ápices teológicos e litúrgicos de todo o Novo Testamento. Após a visão do trono celeste no capítulo anterior, o foco agora se desloca para um livro selado com sete selos que está na mão direita de Deus. A questão urgente passa a ser: quem é digno de abrir este livro e desatar os seus selos? A resposta vem de modo dramático e surpreendente: não é um guerreiro, mas o Cordeiro que foi morto — figura central da teologia cristã. O capítulo apresenta uma das mais altas cristologias bíblicas, revelando Jesus como o Leão que venceu sendo Cordeiro. É a coroação do Messias sofredor, e sua entronização inaugura o desenrolar da história redentora. Trata-se de uma liturgia celestial onde o centro é o Cordeiro — adorado com a mesma honra devida a Deus.

Estrutura e Estilo Literário

Apocalipse 5 segue uma estrutura dramatúrgica e litúrgica em quatro atos:

O livro selado e a busca por alguém digno (vv. 1–4): Deus segura o livro, mas ninguém é encontrado digno de abri-lo — o choro de João expressa a crise cósmica.

A apresentação do Cordeiro (vv. 5–7): um dos anciãos revela que o Leão venceu, mas João vê um Cordeiro como morto.

Adoração dos seres viventes e anciãos (vv. 8–10): o Cordeiro recebe harpas e taças, e é louvado por ter redimido pessoas de toda nação.

Adoração universal (vv. 11–14): miríades de anjos e toda criatura se prostram diante do Cordeiro, num crescendo litúrgico que encerra a seção com solenidade cósmica.

O estilo é teológico, simbólico e litúrgico, com uma intensidade emocional incomum. A repetição, o paralelismo e a ampliação progressiva dos louvores criam um ambiente de exaltação. O capítulo é poesia dramática de altíssima densidade bíblica, carregada de intertextualidade veterotestamentária.

Hebraísmos e Palavras-Chave

O pensamento hebraico permeia o texto, com imagens messiânicas e cultuais reinterpretadas à luz do Cordeiro. As palavras-chave seguem abaixo com transliteração:

βιβλίον κατεσφραγισμένον (biblion katesphragismenon) – “livro selado” (v. 1): corresponde ao hebraico סֵפֶר חָתוּם (sēfer ḥātûm), como em Isaías 29:11 e Daniel 12:4. O livro representa o decreto divino da história, oculto até ser revelado por Cristo.

λεων ἐκ τῆς φυλῆς Ἰούδα (leōn ek tēs phylēs Iouda) – “Leão da tribo de Judá” (v. 5): eco direto de Gênesis 49:9 – גּוּר אַרְיֵה יְהוּדָה (gûr ʾaryēh yĕhûḏâ). Representa o Messias davídico vitorioso.

ἀρνίον ἐστηκὸς ὡς ἐσφαγμένον (arnion estēkos hōs esphagmenon) – “Cordeiro em pé como morto” (v. 6): alusão ao cordeiro pascal – שֶׂה פֶּסַח (śeh pesaḥ), cf. Êxodo 12. O termo ἀρνίον é diminutivo e aparece 29 vezes em Apocalipse — sempre referindo-se a Cristo. Ele está em pé, sinal de vida, mas marcado pela morte.

κέρατα ἑπτὰ καὶ ὀφθαλμοὺς ἑπτὰ (kerata hepta kai ophthalmous hepta) – “sete chifres e sete olhos” (v. 6): chifre (קֶרֶן – qéren) simboliza poder, e olhos (עֵינַיִם – ʿênayim) conhecimento. Refere-se ao espírito de Deus enviado à terra — como em Zacarias 4:10.

ᾄδουσιν ᾠδὴν καινὴν (adousin ōdēn kainēn) – “cantavam um cântico novo” (v. 9): eco dos Salmos (cf. Sl 96:1) – שִׁיר חָדָשׁ (šîr ḥāḏāš), que celebra a vitória e a redenção divina. Aqui, o novo cântico celebra o Cordeiro.

ἐπὶ τὸ βιβλίον (epi to biblion) – “sobre o livro” (v. 7): remete à tomada de posse messiânica. Só o Cordeiro tem o direito legal e ontológico de receber o livro. Cf. Daniel 7:13–14.

ἄξιος (axios) – “digno” (v. 9, 12): correspondente ao hebraico רָאוּי (rāʾûy), termo jurídico-sacerdotal. A dignidade é aqui atribuída ao Cordeiro porque ele foi morto e redimiu com seu sangue.

ἐξηγόρασας (exēgorasas) – “resgataste” (v. 9): relacionado ao hebraico גָּאַל (gāʾal) – redimir, libertar. A imagem é do resgate dos escravos, como no Êxodo.

A gramática do capítulo reflete estruturas paralelas típicas da poesia hebraica: antíteses (leão/cordeiro), paralelismos sintáticos e inclusivos doxológicos.

Versículo-Chave

Apocalipse 5:9“Digno és de tomar o livro e de abrir os seus selos, porque foste morto e com teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação.”

Este versículo encapsula o tema do capítulo: a dignidade do Cordeiro se fundamenta em sua morte redentora. A universalidade do resgate, o valor do sangue, e a centralidade de Cristo fazem deste versículo uma síntese da cristologia apocalíptica.

Intertextualidade com o Antigo e o Novo Testamento

A ideia de um livro selado vem de Isaías 29:11 e Daniel 12:4. A busca por alguém digno ecoa o Salmo 24:3 – “Quem subirá ao monte do Senhor?”. A figura do Leão de Judá remete a Gênesis 49:9–10 e a do rebento de Davi a Isaías 11:1.

A imagem do Cordeiro morto como digno remete a Êxodo 12, Isaías 53 (“como cordeiro mudo foi levado ao matadouro”) e João 1:29 – “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.” A linguagem de resgate com sangue remete a Levítico 17:11 e à teologia da redenção paulina (cf. Efésios 1:7).

A doxologia dirigida ao Cordeiro (v. 13) é radical: honra, glória e poder — termos aplicados a Deus em Daniel 7:14 — agora são oferecidos ao Cordeiro. Isso antecipa Filipenses 2:10–11 – “para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho... e toda língua confesse...”.

Lição Teológica Geral

Apocalipse 5 proclama que o centro da realidade não é o trono de César, mas o Cordeiro imolado. Ele é a chave da história, o único capaz de abrir o livro selado da vontade divina. O juízo que se seguirá só pode ser compreendido a partir do sacrifício de Cristo: o Leão venceu sendo Cordeiro, e a glória é resultado da cruz.

Teologicamente, o capítulo afirma a plena divindade do Cordeiro, a eficácia universal de sua morte e a natureza sacerdotal do seu povo. A história humana é redimida pelo sangue, e o futuro da criação está nas mãos marcadas pelos cravos. O trono é compartilhado, a adoração é universal, e o Evangelho é o centro do cosmos.

Comentário de Apocalipse 5

Apocalipse 5:1 Um livro selado com sete selos não pode ser lido até que todos os selos tenham sido abertos. Ele contem, aparentemente, os juízos e a redenção vistos nos capítulos seguintes. Pode ser também o livro que foi selado em Daniel 12.4, e parece ser uma alusão ao livro que o Senhor entregou a Ezequiel (Ez 2.9, 10).

Apocalipse 5:2-4 Em toda a criação, nenhuma criatura foi achada digna de abrir o livro que estava nas mãos de Deus (v. 1) e de desatar os seus selos.

Apocalipse 5:5, 6 Aqui vemos a consumação dos dois propósitos de Deus na historia: recuperar Seu Reino e redimir Seu povo. Essa dupla vitória sobre Satanás e profetizada, a princípio, em Gênesis 3.15 e, então, no concerto com Abraão com a promessa de uma terra e uma Semente (Gn 12.1-3, Dt 30.1-5, 2 Sm 7.12-16).

Apocalipse 5:5 O Leão da tribo de Judá (Gn 49.8-10) e a Raiz de Davi (Is 11.1, 10) são títulos messiânicos para Jesus Cristo. Venceu se refere à morte e a ressurreição de Cristo em favor dos que seriam redimidos (v. 9).

Apocalipse 5:6 O Cordeiro que foi morto e Jesus, a quem João Batista chamou de o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo (Jo 1.29). Como e impressionante que o mérito de Cristo seja visto por João mais em termos de um Cordeiro humilde do que de um Leão real (Ap.5:5)! Na Bíblia, pontas (ou chifres, na versão ARA) representam poder, forca e autoridade para reinar (Dn 7.8, 20, 24). A expressão enviados a toda a terra indica que o Cordeiro sabe exatamente o que esta acontecendo no restante do Reino criado enquanto Ele esta na sala do trono celestial.

Apocalipse 5:7 Receber o livro do Pai demonstra que o juízo e a autoridade sobre a terra são transmitidos para as mãos do Filho (Dn 7.13, 14). O livro e bem parecido com o que foi selado por Daniel (Dn 12.9).

Apocalipse 5:8 As orações dos santos (crentes) tem um importante papel na abertura do livro pelo Cordeiro e o subsequente juízo (Ap 8.1-6). Tacas de ouro também são usadas para derramar a ira de Deus sobre a terra (Ap 15:7; 16.1-21).

Apocalipse 5:9 O novo cântico celebra a obra redentora do Filho como a base de Seu direito de julgar. O governo divino tem o seu fundamento na criação (cap. 4) e redenção. Cristo e digno de abrir o livro porque Ele foi morto na cruz, comprando, com o Seu sangue, crentes de todas as nações. A verdadeira autoridade une soberania e amor, poder e moralidade.

Apocalipse 5:10 Um grande numero de pessoas alega que o reinado dos santos na terra e uma fantasia, dizendo que isso e carnal. Os santos no céu, feitos reis e sacerdotes (Ap 1.6), não são considerados assim. Esse Reino não e citado pela primeira vez em Apocalipse 20.4, porque, em Apocalipse 3.21, ele foi estabelecido em uma promessa e, aqui, em gloria (compare com Mateus 25:31).

Apocalipse 5:11, 12 Muitos anjos se juntam aos seres viventes (ARA) e aos anciãos para oferecer louvor a Cristo. Eles, que tem um novo apreço pelo coração amoroso de seu Criador e soberano Senhor, reconhecem Seu merecido direito de reinar e relacionam a Ele todos os atributos necessários para governar. A expressão milhares de milhares denota uma multidão que não podia ser contada.

Apocalipse 5:13, 14 Altos louvores ao Cordeiro são derramados da sala do trono celestial, e a eles se junta toda criatura [...] na terra, debaixo da terra e no mar, como observado nos Salmos 148 e 150. Ações de graças, e honra, e gloria, e poder. Sob o ponto de vista do céu, esses versículos antecipam o apogeu, quando toda língua confessara que Jesus Cristo e o Senhor (Fp 2.11).

Índice: Apocalipse 1 Apocalipse 2 Apocalipse 3 Apocalipse 4 Apocalipse 5 Apocalipse 6 Apocalipse 7 Apocalipse 8 Apocalipse 9 Apocalipse 10 Apocalipse 11 Apocalipse 12 Apocalipse 13 Apocalipse 14 Apocalipse 15 Apocalipse 16 Apocalipse 17 Apocalipse 18 Apocalipse 19 Apocalipse 20 Apocalipse 21 Apocalipse 22

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