Livro de Jeremias

Livro de Jeremias
O Livro de Jeremias consiste das declarações e atividades registradas do profeta Jeremias; o segundo dos principais profetas no cânon do Antigo Testamento. Ele anunciou o castigo que Deus ia mandar e ainda estava vivo quando as suas profecias se cumpriram (cap. 52). Mas Jeremias disse que um dia os israelitas iriam voltar para a sua terra e que seriam de novo uma nação. Ele falou também de um tempo em que Deus faria uma nova aliança com o seu povo. Essa aliança seria cumprida de livre e espontânea vontade, pois a lei de Deus estaria gravada no coração das pessoas (31.31-34).

Introdução

Nenhum profeta no Antigo Testamento tem sido tão mal entendido quanto Jeremias. Por séculos ele tem sido conhecido como o homem do rosto triste e dos olhos chorosos. Muitos acham que ele era um indivíduo temperamental e neurótico, uma pessoa desajustada de sua época, um pregador grosseiro que deveria ter desenvolvido uma abordagem psicológica melhor para os problemas do seu tempo. Mas esse tipo de conclusão acerca do profeta somente pode vir de uma leitura superficial do livro,1 e de uma compreensão inadequada da vida e época de Jeremias. Na verdade, quando esse chamado “profeta chorão” é entendido da perspectiva correta, ele desponta como o grande profeta da esperança. Na realidade, Jeremias tinha uma imensa força interior para continuar nutrindo esperança apesar das adversidades, muito além de qualquer profeta do Antigo Testa mento. Embora tivesse a tarefa desagradável de reunir, em um novo compêndio, as advertências de todos os seus predecessores e anunciar a destruição certa e final da sua amada nação, ele conseguia ver, com os olhos da fé, um dia novo e melhor após o julga mento amedrontador. 

Quando tudo ao seu redor estava escuro como a meia-noite, ele convenceu-se de que havia luz mais adiante. Mesmo diante das profundezas da tristeza tormentosa, seus olhos conseguiam enxergar um horizonte distante onde haveria uma nova aliança e uma nova era. E verdade que com sua mensagem sombria e pessimista e seus próprios conflitos interiores, ele não era exatamente uma figura atraente. Pessoas que são altamente confiantes em si mesmas e que adoram “o deus do sucesso imediato” só conseguem desprezar pessoas como Jeremias. Essas pessoas, no entanto, apenas mostram sua superficialidade e imaturidade, porque os séculos têm estado ao lado de Jeremias. Ele hoje é conhecido como a maior personalidade da sua época. Pode ter levado tempo para receber o devido valor, mas seu reconhecimento final é amplo e total. 

O Profeta

Humanamente falando, ao analisar o temperamento e disposição de Jeremias, nenhum homem era menos preparado para essa tarefa do que ele. Somente um Deus que “olha o coração” poderia ter escolhido esse estranho, sensível, tímido e introspectivo jovem para cumprir a gigantesca tarefa de ser “um profeta para as nações”. Isso se tomou verdade principalmente nas últimas décadas do sétimo e nos primeiros anos do sexto século antes de Cristo. Esse foi um período de desarticulação, convulsão política e mudanças para as nações do Oriente Médio. Gentil e compassivo, Jeremias, que amava as coisas simples da vida, foi lançado no redemoinho desses acontecimentos nacionais e internacionais, contra suas convicções e desejos pessoais. Por natureza ele era muito mais um seguidor do que um líder. Devido a sua natureza meiga e afetuosa tinha muita dificuldade em denunciar o pecado da maneira enérgica e implacável que sua comissão requeria. E precisamente nessas questões que uma tensão quase insuportável desenvolveu-se no seu interior. 

Ele foi tão completamente humano e amoroso por natureza, e as exigências do seu chamado eram tão inflexíveis, que “suas emoções estavam em constante conflito com sua vocação e seu coração lutava com sua cabeça”. Isso produziu um conflito interior que se estendeu por anos. A intensidade dos seus sofrimentos é refletida em uma série de passagens conhecidas como as “Confissões de Jeremias” (11.18-23; 12.1-6; 15.10-21; 17.14-18; 18.18-23; 20.7-18). Um dos maiores valores do livro é que Jeremias nos permite ver as suas lutas interiores, a extensão das suas emoções, à medida que busca levar a cabo uma tarefa que corta seu coração. Para seus inimigos e o público em geral ele parece inflexível e exageradamente teimoso. Mas Jeremias compartilha conosco seus pensamentos e sentimentos mais íntimos. Sabemos mais a respeito dele do que de qualquer outro profeta do Antigo Testamento. Nós o vemos nos momentos mais tristes e desesperadores da sua vida, mas também nos seus momentos de exultação e esperança. As oscilações da sua vida emocional podem se tomar doloridas para o leitor, bem como alegres, visto que ele não hesita em expressar cada pensamento que desponta na superfície. Mas é a expressão desinibida dos seus sentimentos que nos intriga. Jeremias mostra exatamente quem ele é. 

Temos, portanto, o privilégio de ver um jovem imaturo desenvolver-se em um gigante espiritual. Seu desprazer em anunciar notícias negativas pode ser visto por toda parte, mas seu senso de vocação o impele a continuar profetizando mesmo contra sua vontade (20.9). Embora tenha sido “separado” para um ofício sagrado de uma maneira singular, e tenha recebido a promessa de Deus de que seria como uma coluna de ferro e muros de bronze contra seus inimigos (1.18), seu tenro coração continuava tão despreparado diante daquilo que saiu do “pacote desconhecido” que ele em diversas oportunidades chegou a ponto de esmorecer. Embora fosse usado de maneira poderosa e abençoado por Deus, ele era humano e precisava trabalhar essas questões em seu interior e orar até que encontrasse descanso para sua alma. Seu espírito sensível erguia sua voz no meio da sua tristeza, e ele não hesitava em queixar-se a Deus da situação desesperadora na qual Ele o havia colocado. Não há pretexto nem fingimento nesse homem. 

Ele não esconde nada: dor é dor, tristeza é tristeza, a perplexidade e a pressão são horripilantemente reais, e ele não hesita em anunciar a verdade, doa a quem doer. Pode-se dizer dele o que foi dito acerca de Outro, embora de uma maneira diferente: “Ainda que era Filho, aprendeu a obediência, por aquilo que padeceu” (Hb 5.8). No entanto, são essas lutas interiores que fazem com que muitas pessoas se afastem de Jeremias. Elas querem um herói que nunca duvida de si mesmo, que não tem conflitos interiores, que está sempre confiante, e é constantemente bem sucedido. Mas nem mesmo nosso Senhor conseguiu satisfazer essas exigências, por que precisou passar noites inteiras em oração, ficou profundamente angustiado no Getsêmani e foi considerado um completo fracasso de acordo com parâmetros humanos de sucesso. Mas, se “coragem é medo expressado em oração”, então Jeremias foi um dos homens mais corajosos de todos os tempos. Ele merece nossa mais alta admiração. Certamente, Jeremias também foi um “homem de dores, experimenta do nos trabalhos”. Ele apresenta diversos aspectos do Servo Sofredor (Is 53), cujo ministério e missão são tão perfeitamente retratados na vida do nosso Senhor. Não é de admirar que quando os homens conheceram a Jesus, pensaram que ele era Jeremias (Mt 16.14).

Origens

O livro de Jeremias foi reconhecido como “uma antologia de antologias”, uma compilação de várias coleções de oráculos e pronunciamentos de Jeremias, bem como relatos biográficos e autobiográficos de sua vida e ministério. Jer. 36 sugere que porções significativas do livro podem ter sido ditadas pelo profeta para seu amigo e secretário Baruque; outras partes, particularmente o material biográfico da segunda metade do livro, são frequentemente atribuídas às memórias desse colaborador próximo.

Contexto Socio-Político

O ministério de Jeremias se estendeu por mais de quarenta anos, abrangendo grande parte dos reinados dos últimos cinco reis de Judá. Assim, ele foi contemporâneo dos profetas Sofonias, Naum, Habacuque e Ezequiel. Seu chamado veio em 627 a.C., antes que a descoberta do livro de leis desse impulso às reformas de Josias. A morte de Assurbanipal ca. 626 levou ao desaparecimento do poder assírio, e Josias foi capaz de afirmar a independência de Judá. A maioria das atividades registradas de Jeremias referem-se a eventos e circunstâncias após a morte de Josias em Megido em 609. O filho e sucessor de Josias, Jeoacaz (Shallum), governou apenas três meses antes de ser deposto pelo faraó egípcio Neco e deportado para o Egito. Em seu lugar, Neco instalou Joaquim, que logo abandonou as reformas do pai Josias. Os ressurgentes babilônios sob Nabucodonosor II derrotaram as forças de Neco em Carquemis em 605 e assim ganharam o controle da Síria e da Palestina. Encorajados pelo fracasso dos neobabilônicos em subjugar o Egito em 601, Jeoiaquim procurou reconquistar a independência de Judá. Mas Nabucodonosor retaliou, sitiando Jerusalém; em 598 ele conquistou a cidade, saqueou o templo e exilou o rei, o sucessor de Jeoiaquim (Jeconias ou Conias) e muitos da nobreza. Zedequias, a quem os babilônios então nomearam rei, curvou-se à pressão de seus conselheiros para se unirem a uma coalizão egípcia contra a Babilônia. Nabucodonosor novamente invadiu Judá, destruindo Jerusalém e o templo em 586 e deportando o rei e a maioria da população. Quando o governador babilônico Gedalias foi assassinado, muitos dos judeus que permaneceram (incluindo Jeremias) fugiram para o Egito.

Contexto Histórico

Sabemos muito pouco acerca da procedência de Jeremias. O prefácio do livro (1.1-3) diz que ele nasceu em Anatote e que o nome de seu pai era Hilquias. Anatote é uma vila que fica a cerca de 4 quilômetros a nordeste de Jerusalém (a atual Anata), dentro do território de Benjamim. Parece ter sido uma cidade levita dos tempos de Josué (Js 21.18) e também a casa de Abiatar, o sumo sacerdote nos tempos de Davi (veja comentários acerca de 1.1-3; também 1 Rs 2.26). Visto que o prefácio deixa bem claro que Jeremias era um “dos sacerdotes que estavam em Anatote”, podemos aceitar com segurança que era da família de Abiatar. Não podemos precisar a data do nascimento de Jeremias, mas ele deve ter nascido entre 650 e 645 a.C., nos últimos anos do reinado de Manassés (697­ 642 a.C.). Ele recebeu seu chamado no décimo terceiro ano do reinado de Josias (c. 626), e visto que o rei foi entronizado quando ele tinha oito anos, Josias e Jeremias podem ter tido a mesma idade. Grandes acontecimentos estavam ocorrendo no cenário internacional durante a vida de Jeremias. O império da Assíria alcançou seu apogeu e declínio nos primeiros anos de Jeremias. Assurbanipal, o último grande rei da Assíria, morreu em 626 a.C. (o ano em que Jeremias recebeu seu chamado) e depois disso o império deteriorou-se rapidamente. Enfraquecida pelas guerras e problemas internos, a Assíria foi incapaz de resistir aos ataques furiosos dos cimérios e citas que atacaram as fronteiras do norte e oeste, tampouco resistiu aos avanços brutais dos caldeus e medos ao sul e leste. 

Quando um exército unificado dos medos e caldeus, liderado por Nabucodonosor, rei da Babilônia, cercou a capital Nínive, em 612 a.C., essa cidade orgulhosa caiu e houve uma matança terrível. Quando Nínive caiu, alguns dos líderes assírios fugiram para o oeste, para Harã, e procuraram reorganizar o remanescente do exército assírio. Ao mesmo tempo esses líderes procuraram uma aliança com o faraó Neco do Egito. Neco atendeu ao pedido deles e marchou com seu exército pela costa palestina (derrotando Josias, rei de Judá, em Megido, no meio do caminho) para se unir aos assírios. Entrementes, o reino caldeu, sob o comando do rei Nabopolassar, continuava crescendo em força no leste. Ele começou a mover-se lentamente para o oeste, conquistando tudo que tinha estado debaixo do controle assírio. Era inevitável que a aliança assírio egípcia encontraria os exércitos caldeus para decidir quem dominaria a Ásia. A essa altura, Nabucodonosor, o jovem príncipe da Babilônia, tinha substituído seu pai enfermo, e estava no comando das forças dos caldeus. Depois de meses de manobras na parte superior do Eufrates, uma das batalhas mais decisivas do mundo antigo foi realizada em Carquemis (606-605 a.C.). A aliança assírio-egípcia foi despedaçada, sem esperança de se recuperar. O faraó Neco voltou cabisbaixo para o Egito diante da vergonhosa derrota, e a Assíria caiu para não mais se levantar. 

A Babilônia era agora a força dominante do Oriente Médio. As repercussões de Carquemis foram sentidas em todo o Crescente Fértil, e especialmente no pequeno reino de Judá, onde Jeremias estava profetizando. Em Judá, Josias subiu ao trono em 639 a.C. Seu reino substituiu o longo e perverso domínio (55 anos) do rei Manassés, seu avô, e os dois anos do seu pai Amom. Durante os quase 60 anos que haviam precedido Josias, a idolatria e a adoração pagã tinham pros perado em Judá. Manassés havia importado muitas das práticas religiosas da Assíria e das nações vizinhas. Rituais de fertilidade com suas práticas de prostituição cultual eram tolerados nos arredores do Templo (2 Rs 23.4-7; Sf 1.4-6); sacrifícios a deidades astrais eram oferecidos nas ruas de Jerusalém (7.17-18). Mesmo sacrifícios humanos eram praticados na capital de Judá (7.31-32). A decadência religiosa era perceptível por toda parte em Judá, e o paganismo tornou-se tão misturado com a adoração ao Senhor que as pessoas comuns não podiam perceber a diferença. As linhas da verdadeira religião haviam se tomado embaçadas, o Templo fora dilapidado, e as massas de Judá tinham se tomado politeístas — adorando Yahweh junto com os deuses dos seus senhores, os reis da Assíria. 

Essa é a situação que Josias encontrou quando subiu ao trono de Judá. Foi nesse tipo de ambiente que Jeremias foi chamado a profetizar, no décimo terceiro ano do reinado de Josias (c. 626 a.C.). Embora nominalmente sob o domínio da Assíria, Josias parece ter tido uma liberdade mais ampla em relação ao controle assírio do que os reis que o precederam. Isso possivelmente ocorreu devido ao fato de esse império estar se esfacelando sob o peso de guerras debilitantes, linhas de suprimento estendidas além dos limites usuais, e uma série de problemas internos. Em todo o caso, Josias sentiu-se livre para remover alguns dos santuários que Manassés havia construído aos deuses assírios,6 e enfatizar a adoração ao Senhor (2 Cr 34.3-7). E visto que o Templo se encontrava num estado caótico, ele ordenou que fosse restaurado. Foi, pois, em conexão com a restauração do Templo que ocorreu o maior acontecimento do reinado de Josias. No décimo oitavo ano do seu reinado, enquanto os trabalhadores estavam reparando a casa do Senhor, foi encontrada uma cópia do livro da lei (2 Rs 22.3-8). O livro foi lido para o rei. Quando Josias ouviu falar das maldições que foram pronunciadas sobre a nação que não guardava essa lei, ele rasgou suas roupas em grande aflição, porque viu quão miseravelmente Judá havia falhado até aquele ponto. 

O rei procurou reparar a situação imediatamente, e então ocorreu o que conhecemos como “a reforma de Josias” (veja CBB, vol. 2, acerca de 2 Rs 22). Jeremias havia profetizado por cinco anos quando a reforma foi instituída. Não somos informados se Jeremias teve alguma participação nessa reforma. Isso parece estranho, porque Jeremias certamente concordava em corrigir as injustiças sociais, os procedimentos comerciais corruptos e as práticas idólatras que a reforma expôs. No entanto, não há nenhuma indicação de que ele tenha tido uma participação proeminente na reforma. Paterson sugere que isso pode ter sido devido ao fato de Jeremias ainda ser muito jovem, ou ele ainda não ter sido reconhecido como profeta. A opinião entre os estudiosos está dividida a esse respeito. Qualquer que seja a resposta, podemos estar certos de que Jeremias não foi indiferente em relação à reforma. Se ele, de fato, se envolveu, e 11.1-8 e 12.6 parecem indicar essa possibilidade, ele logo viu as suas imperfeições. Sua percepção espiritual penetrou no coração do problema de Judá. Ele viu que a conformidade religiosa exterior não era equivalente à regeneração de espírito. O arrependimento superficial não curaria a ferida da nação. Portanto, era necessária uma cirurgia de coração profunda e drástica para a saúde espiritual da nação (veja comentário acerca de 4.3-4). Essa foi a ênfase de Jeremias. Claro que a nação exteriormente obedeceu às ordens de Josias, e, por um tempo, a adoração pagã foi interrompida em Judá. 

No entanto, todas as evidências apontam para o fato de que o povo, os sacerdotes e os profetas profissionais amavam os caminhos corruptos com os quais eles haviam se acostumado nos tempos de Manassés e Amom, e estavam apenas esperando por uma mudança na administração para voltar aos seus antigos caminhos. Essa oportunidade ocorreu quando o bom rei Josias foi morto na bata lha de Megido pelo faraó Neco, do Egito. O povo de Judá rapidamente escolheu Jeoacaz, um dos filhos de Josias, para suceder seu pai. Ele governou apenas três meses em Jerusalém quando o faraó Neco exigiu que ele aparecesse diante dele na Síria. Jeoacaz não ousou recusar essa ordem. Na en trevista, Neco evidentemente ficou muito descontente com o jovem rei, visto que o depôs e o enviou acorrentado para o Egito (2 Rs 23.33). Em seu lugar empossou Jeoaquim (Eliaquim), outro filho de Josias, e o fez jurar lealdade ao Egito. Jeoaquim reinou onze anos em Jerusalém. Parece que ele tinha em mente se tomar um outro Salomão e fez grandiosos planos para ampliar seu reino, erguer grandes construções e aumentar seu próprio prestígio. Ele era simpatizante dos rituais pagãos, e desprezou Jeremias e tudo que ele defendia. Foi no quarto ano de Jeoaquim que ocorreu a batalha de Carquemis. Essa batalha acabou se tornando um ponto decisivo nos acontecimentos do Oriente Médio. Nabucodonosor conquistou para a Babilônia todas as terras previamente governadas pela Assíria e Egito (2 Rs 24.7). Embora não esteja absolutamente claro, há indicações de que, depois da batalha de Carquemis, Nabucodonosor tenha perseguido Neco até as “portas do Egito”. 

Enquanto estava na vizinhança parece ter exigido tributos e reféns a Jeoaquim como prova da submissão do rei à Babilônia. Logo após a batalha de Carquemis, Nabucodonosor foi obrigado a voltar para o seu próprio país por causa da morte do seu pai, Nabopolassar, que ele sucedeu no trono da Babilônia. Por alguns anos ele foi incapaz de voltar ao ocidente. Durante esse período Jeoaquim quebrou seu juramento e buscou livrar-se do jugo babilônico. Depois de estabelecer seu governo na Babilônia, Nabucodonosor, em 599-598, dirigiu sua atenção às suas terras no ocidente. Ele tentou punir Jeoaquim por causa do seu espírito rebelde, e marchou contra Jerusalém. Novamente, os fatos são obscuros. Não sabemos se Jeoaquim morreu dentro da cidade durante o cerco ou no acampamento babilônico. Lemos em 2 Crônicas 36.6 que ele foi amarrado com cadeias de ferro ao ser transporta do para a Babilônia, mas não há indícios de que tenha conseguido chegar até lá. De acordo com 2 Reis 24.6 parece que ele morreu em Jerusalém. 

E da opinião desse escritor que ele morreu no acampamento dos babilônios devido aos maus tratos e ao abandono. Eles desonraram seu corpo e o jogaram em um monturo fora de Jerusalém (veja nota de rodapé em Jr 22.18-19 na KJV). Durante o cerco, Joaquim, filho de Jeoaquim, sucedeu seu pai no trono de Judá, mas governou apenas três meses. Ele entregou a cidade de Jerusalém a Nabucodonosor e foi levado cativo para a Babilônia com sua mãe, Neústa, suas esposas, muitos dos seus nobres e dez mil pessoas do povo (2 Rs 24.6-16; 2 Cr 36.9-10; Jr 22.24-30; 37.1). Ele sofreu lá por muitos anos (Jr 52.31-34; 2 Rs 25.27-30). Nabucodonosor colocou Matanias, outro filho de Josias, no trono de Judá e mudou seu nome para Zedequias (2 Rs 24.17-20; 2 Cr 36.10-13; Jr 37.1). Zedequias reinou onze anos. Ele tinha uma posição diferente da posição de Joaquim, e tratou Jeremias com mais consideração. Manteve sua promessa de lealdade à Babilônia por quase dez anos. Ele finalmente cedeu à facção pró-Egito entre seus nobres e recusou-se a enviar tributos à Babilônia. Isso trouxe de volta o exército da Babilônia para Judá. Dessa vez, as cidades de Judá foram sistematicamente subjugadas e Jerusalém ficou muito tempo sob o cerco babilônico. 

As famosas Cartas de Laquis esclarecem uma série de acontecimentos desse período. Essas Cartas (21 ao todo), recuperadas durante as escavações onde ficava a antiga Laquis, durante os anos de 1932 a 1938, refletem as condições durante os dias finais do reinado de Judá.9 Depois de um cerco que durou 18 meses, a cidade de Jerusalém foi tomada em 587­ 586 a.C. Zedequias e muitas pessoas do seu povo foram levados para a Babilônia. O palácio do rei e o Templo foram totalmente demolidos. Judá tornou-se uma província do império babilônico, e Gedalias, membro de uma família judaica altamente respeitada, foi apontado governador dessa terra devastada. Gedalias foi cruelmente assassinado pouco tempo depois de assumir o seu posto, e o remanescente do povo fugiu para o Egito com medo de represálias da Babilônia. Pouco se sabe a respeito da história de Judá logo após a morte de Gedalias. Jeremias estava vivendo em Jerusalém durante o desenrolar de todos os acontecimentos anteriores. Ele procurou ajudar os vários reis que assumiram o trono de Judá durante esses anos turbulentos. Eles constantemente rejeitaram seu conselho e opinião. Ele esteve presente na queda de Jerusalém e escolheu permanecer em Judá com o governador Gedalias, após a queda da cidade. Quando Gedalias foi morto, o remanescente de Judá forçou Jeremias e Baruque, seu secretário e discípulo, a ir com eles para o Egito. A tradição diz que ele foi apedrejado e morto no Egito por esses mesmos judeus porque pregou contra suas práticas idólatras. Ele foi fiel ao seu chamado até o final.

Conteúdo

Seguindo o cabeçalho que identifica o profeta e a extensão de seu ministério (Jr. 1:1–3), cap. 1 narra o chamado de Jeremias (vv. 4-10) e visões iniciais (vv. 11-19).

A primeira metade do livro (caps. 2-25) é composta principalmente de oráculos contra Judá e Jerusalém. Caps. 2–6, que datam da época de Josias, incluem uma acusação da apostasia de Israel (cap. 2), um pedido de arrependimento (3:1–4:4) e anúncio do julgamento vindouro (4:5–6:30).
A próxima coleção (caps. 7–20) data principalmente do reinado de Jeoiaquim. Começa com o sermão do templo (7:1–15), no qual Jeremias censura a falsa sensação de segurança derivada da mera presença do templo de Salomão e a denúncia do culto pagão e sincrético (7:16–8:3). Vários oráculos são preservados em 8:4-10:25:o retrocesso e indiferença de Judá, uma vinha estéril, um lamento sobre Judá, a incircuncisão do coração e uma sátira sobre a idolatria. O discurso de Jeremias sobre a aliança quebrada (11:1-17) provoca um ataque à sua vida (11:18-12:6). Cap. 13 registra o sepultamento simbólico do profeta do pano de linho (vv. 1-11) e a alegoria do jarro de vinho (vv. 12-14). Segue-se uma série de lamentos:a seca, a fome e a queda de Jerusalém (14:1-15:9) e um lamento pessoal pelas lutas internas do profeta (vv. 10-21). A vida de Jeremias é representada como um símbolo do julgamento vindouro (16:1–13), seguido por várias declarações:julgamento, conversão das nações, confiança em Deus, guardar o sábado (16:14–17:27). A alegoria do oleiro (18:1–12) e as ações simbólicas do frasco quebrado (19:1–13) são apresentadas no contexto da perseguição pública do profeta (18:18–23; 19:14–20:6). A seção conclui com a contínua luta de Jeremias por seu chamado e uma expressão de profundo desespero pessoal (vv. 7–18).

Caps. 21-25 concentre-se principalmente no reinado de Zedequias. A seção começa com o inquérito de Zedequias a Jeremias sobre a invasão de Nabucodonosor e o conselho do profeta de se render (21:1-10). Seguem-se oráculos sobre a casa real, incluindo os deveres do rei, declarações a respeito de Jeoacaz, Jeoiaquim e Joaquin, e a promessa de um governante messiânico (21:11–23:8). vv. 9–40 contêm oráculos contra os profetas de Judá. A visão da cesta de figos (cap. 24) diz respeito aos exilados e àqueles que permaneceram na Palestina após a queda de Jerusalém. A coleção conclui com o julgamento de Yahweh sobre as nações (cap. 25).

A segunda seção principal do livro (caps. 26–45) consiste em material biográfico, geralmente identificado como “memórias de Baruque”. 26 narra o sermão do templo de Jeremias, o julgamento resultante e sua fuga estreita da morte. Empregando um jugo simbólico, Jeremias adverte contra a entrada de Judá na coalizão egípcia contra Babilônia (cap. 27); seu confronto com o profeta Hananias segue (cap. 28). A correspondência de Jeremias com os exilados na Babilônia é preservada em cap. 29. Caps. 30–33, o “Livro da Consolação”, inclui oráculos da restauração de Israel e Judá (caps. 30–31), um relato da compra de terras por Jeremias em Anatote (cap. 32) e profecia da restauração de Judá e Jerusalém (“o ramo justo”; cap. 33). Jeremias adverte Zedequias do cerco iminente de Jerusalém (34:1-7), aborda o compromisso quebrado dos proprietários de escravos (vv. 8-22), e exalta a fidelidade dos recabitas (cap. 35). Cap. 36 relata o ditado de Jeremias sobre o manuscrito para Baruque e sua queima por Jeoiaquim. Depois de consultar Zedequias duas vezes e ser preso por suas profecias, Jeremias instrui o rei a se render à Babilônia (caps. 37-38). A queda de Jerusalém e a libertação de Jeremias da prisão estão registradas em 39:1-40:6. As memórias continuam com relatos de mais revolta de Judeia e o assassinato de Gedalias, a fuga dos judeus para o Egito, e a profecia de Jeremias lá (40:7-44:30). A compilação conclui com um oráculo de libertação anterior dirigido a Baruque (cap. 45).

Caps. 46–51 são uma coleção de vários oráculos contra nações estrangeiras: Egito (cap. 46), os filisteus (cap. 47), Moab (cap. 48), Amon (49:1–6), Edom (vers. 7– 22), Damasco (vv. 23-27), povos árabes vizinhos (vv. 28-33), Elão (vv. 34-39) e Babilônia (caps. 50-51).

O livro conclui com um relato histórico da queda de Jerusalém (cap. 52; par. 2 Rs 24:18-25:30).

Composição do Livro

Não precisamos ler muito do livro de Jeremias para descobrir que uma boa parte do material não está em ordem cronológica. Parece que os capítulos 1—6 estão em sequência, mas do capítulo 7 em diante o livro não segue mais um padrão sistemático que possa ser discernido. Encontramos materiais que são de períodos muito diferentes na vida de Jeremias lado a lado (caps. 36 e 37). Outros materiais não apresentam data alguma, e o leitor tem dificuldade em saber onde encaixá-los cronologicamente. Assim, para formar um quadro cronológico da vida de Jeremias, é necessário pular de uma passagem para outra. No mínimo, a situação é confusa. Visto que o livro é às vezes cronológico (37—44) e às vezes tópico (46—51), mas sem qualquer tema básico discernível, ficamos nos per guntando qual princípio, se é que houve um, governava sua presente organização. Já foram feitas muitas conjecturas, mas até o dia de hoje os estudiosos não têm uma opinião uniforme em como o livro chegou à forma presente. Kuist sugere que parte da explicação tem a ver com os tempos convulsivos em que o livro foi escrito.10 Certamente, quando olhamos para o tumulto que predominou durante todo o ministério público de Jeremias, terminando com “o cerco e queda de Jerusalém, a deportação do povo para Babilônia, e a fuga do remanescente para o Egito, é um milagre que quaisquer registros escritos dentro desse período tenham sobrevivido”. Os tempos eram tão caóticos e os perigos sofridos por Jeremias e Baruque após a queda de Jerusalém eram tão grandes (41—44) que não havia tempo para organizar e aperfeiçoar os documentos escritos. Embora editores posteriores tenham tentado reagrupar certas seções e apagar algumas repetições, o livro como se encontra na Bíblia Hebraica é essencial mente a obra de Jeremias e seu secretário, Baruque. O livro de Jeremias é um milagre da providência divina. O capítulo 36 revela de que maneira o livro foi escrito. Desde o seu início o livro parece ter tido uma história turbulenta. A primeira edição foi destruída por Jeoaquim (36.23), mas uma edição ampliada apareceu pouco tempo depois (36.32). Isso ocorreu no quarto e quinto anos do reinado de Jeoaquim (605-604) e marcou o ponto central do ministério de Jeremias (veja 25.3). Ele profetizou por mais de quarenta anos. Não é difícil perceber que deve ter havido uma terceira edição, porque uma grande parte do livro deve ter sido acrescentada à segunda edição após os acontecimentos que ocorreram no capítulo 36. Os acontecimentos registrados nos capítulos 21, 23—24,27—29, 30—34, 37—44 mostram que eles aconteceram após o quinto ano de Jeoaquim. Que o livro passou por dias bastante turbulentos pode ser notado quando a edição da Septuaginta (texto grego) é colocada ao lado do texto Massorético (hebraico). O texto grego é um oitavo mais curto do que o hebraico, e a organização do livro é diferente, especialmente no que diz respeito aos oráculos contra as nações estrangeiras. “Esses oráculos são encontrados no texto hebraico (e na nossa Bíblia) nos capítulos 46—51. No texto grego eles são introduzidos após 25.13”. A razão dessas diferenças entre os textos hebraico e grego nunca foi explicada de forma convincente. Seria possível ter havido duas edições principais de Jeremias no hebraico, e a tradução para o grego ter sido feita da edição mais curta? Qualquer que seja a resposta, os líderes da comunidade judaica que formularam o cânon hebraico evidentemente entenderam que a edição mais longa era a que melhor representava o profeta Jeremias.

Aspectos Literários

A natureza antológica do livro de Jeremias talvez seja mais evidente quando se tenta determinar com precisão a cronologia do ministério do profeta e, por vezes, a definição ou a intenção das profecias. O complexo desenvolvimento literário do livro é sugerido pela comparação entre as versões hebraica e grega (LXX). Várias passagens (aproximadamente 12% do livro canônico, que alguns estudiosos assim interpretam como expansões no texto hebraico) estão faltando na LXX (por exemplo, 33:14-26; 39:3–14). Além disso, na LXX, os oráculos contra nações estrangeiras (caps. 46-51) estão agrupados, em uma ordem diferente, entre 25:13 e 15 do texto hebraico. Jer. 10:11 está em aramaico.
Prosa e formas poéticas são justapostas ao longo do livro. O mais característico dos escritos proféticos do Antigo Testamento são os oráculos poéticos, que incluem discursos de julgamento (por exemplo, 2:2–3, 5–37; 46:2–12), provérbios (por exemplo, 10:2–10, 12–16). e lamenta (por exemplo, 14:2–10, 17–22). De particular importância na compreensão de Jeremias como pessoa são as confissões poéticas ou lamentos pessoais (por exemplo, 15:10-21; 17:14-21; 20:7-18). Além da biografia (por exemplo, capítulos 26–29, 36–45) e da narrativa histórica (cap. 52), os materiais em prosa incluem oráculos (por exemplo, cap. 24), sermões (por exemplo, 7:1–15), alegoria (18:1–12), ações simbólicas (por exemplo, 13:1–11; 19:1–2, 10–11) e epístolas (cap. 29). Entre os vários dispositivos literários que o profeta emprega estão questões retóricas (por exemplo, 2:32; 18:14-15), paronomásia (por exemplo, 1:11-12; 14:8; 17:13) e fórmulas da sabedoria (por exemplo 13:12).

Teologia

No centro do pensamento de Jeremias está sua preocupação com o relacionamento entre Deus e a humanidade. O livro concentra-se principalmente na relação entre Deus e seu povo da aliança como incorporado no reino sobrevivente de Judá, mas também está relacionado com a relação entre Deus e o próprio profeta Jeremias e entre Deus e toda a humanidade (especificamente “as nações”). Deus amou seu povo “com um amor eterno” e permaneceu fiel a eles (31:3), livrando-os de opressores e direcionando os eventos da história (por exemplo, 2:6 e segs.). De fato, ele é o senhor da criação (por exemplo, 5:22, 24; 27:5). Mas Judá se rebelou contra Deus e violou os termos do pacto (2:29), voltando-se para os deuses dos povos vizinhos (por exemplo, vv. 23-28) e se preocupando com as observâncias cultuais (7:1–15) em vez de comportamento ético (5:26-28). A menos que o povo se arrependa e “retorne” (hebraico šûḇ; por exemplo, 3:1-4:4) aos ideais da aliança (por exemplo, 7:5-6; 18:11; cf. a linguagem da ação judicial da aliança, 11 :20; 20:12; 25:31), a punição é inevitável (por exemplo, 26:4–6; 38:17–23). De fato, Deus deveria empregar os próprios inimigos de Judá como instrumento de punição, trazendo destruição a seu povo escolhido (4:11ss; 27:6-9).

No entanto, apesar da queda de Jerusalém e do exílio de seu povo, o “triste” Jeremias é capaz de olhar com esperança para além da catástrofe política e religiosa. Mesmo quando a cidade estava sob as garras dos invasores babilônios, Jeremias comprou a propriedade de seu primo Hanamel em Anatote, demonstrando assim sua fé de que Javé um dia restauraria seu povo (cap. 32). A correspondência do profeta com os exilados na Babilônia prevê um dia em que o povo seria devolvido à sua terra e suas fortunas recuperadas (cap. 29; cf. 30:18-22). Chegaria o dia em que as pessoas novamente buscariam o Senhor e ele promulgaria com elas uma “nova aliança” de obediência e comunhão, “escritas em seus corações” (31:31–34). Além disso, Deus deveria restaurar a linhagem de Davi, criando “um ramo justo”, um Messias, que “executaria justiça e retidão na terra” (23:5–6; 3:14–16).

Importância

Porque seu ministério é um dos mais bem documentados no Antigo Testamento, Jeremias é talvez o mais conhecido dos profetas. Suas lutas pessoais com o chamado profético (por exemplo, 1:7, 9; 20:14-18) e sua proclamação direta que resultou em isolamento e perigo pessoal (por exemplo, 15:10–21; cf. 11:18 e segs.; 20:7) mostre-lhe ser sensível, honesto e corajoso. A devoção de Jeremias à palavra de Deus colocou-o em contraste com muitos dos seus contemporâneos entre os profetas (cf. 28:1-17). A intensidade de sua fé e seu comprometimento intransigente realmente fazem de Jeremias um “profeta como Moisés” (cf. Deuteronômio 18:18).



Bibliografia
J. Bright, Jeremiah, 2nd ed. AB 21 (1978); W. L. Holladay, Jeremiah: Spokesman Out of Time (Philadelphia: 1974); J. A. Thompson, The Book of Jeremiah. NICOT (1980); J. G. S. S. Thomson, The Word of the Lord in Jeremiah (London: 1959).