Mateus 4:1-11 — Comentário Católico

Mateus 4:1-11 — Comentário Católico

A tentação de Jesus (4,1-11)

Marcos relata este acontecimento em apenas dois versículos (1,12-13). Conta o fato da tentação, mas não dá detalhes. Isto é importante porque provavelmente reflete de modo exato, a situação dos discípulos a respeito deste acontecimento: sabiam que Jesus fora tentado (a historicidade do acontecimento não admitia dúvidas), mas, uma vez que a tentação é uma experiência essencialmente íntima e pessoal, não sabiam exatamente o que tinha acontecido na consciência de Jesus. A versão de Q em Mateus e em Lucas representa, assim, um midrásh narrativo ou uma interpretação do acontecimento de modo a torná-lo pastoralmente útil para os crentes. Isto é feito conectando os 40 dias de jejum com Moisés e Elias no deserto e com a tentação ou prova da paciência de Deus pelo povo no êxodo, que se rebelou contra o alimento divino (o maná) e adorou o bezerro de ouro; e ao identificar Jesus como o Filho de Deus (v. 3), significando Israel, o povo de Deus (veja 2,15), não o Messias. Todas as respostas de Jesus ao tentador são citações de Dt 6-8. As tentações individuais em Mateus não são tão estranhas como parecem à primeira vista; todas se baseiam em várias formas de pecado contra o grande mandamento de amar a Deus “com todo o teu coração, e com toda a tua alma, e com toda a tua força” (Dt 6,5), conforme a ordem foi compreendida pelos primeiros rabinos: “coração” refere-se aos dois impulsos ou pulsões afetivos, o bem e o mal; “alma” significa a vida, inclusive o martírio; “força” significa riqueza, as propriedades e outras posses externas (m. Ber. 9,5). Este tema fundamental do amor de Deus une todo o relato.


3. Filho de Deus: assim o tentador chama Jesus, isto é, o representante de Israel, pedras: transformar as pedras em pães implicaria o pecado da rebelião contra a vontade divina. 4. só de pão: a resposta de Jesus vem de Dt 8,3. Para compreender seu significado completo, deve-se ler todo o contexto em Dt 6-8. A palavra de Deus é transformada no alimento principal. 5. Somente a primeira tentação acontece no deserto, à Cidade Santa: Jerusalém. 6. o Filho de Deus: Jesus é interpelado outra vez como representante do povo e é convidado a testar o cuidado providencial de Deus arriscando desnecessariamente sua vida, uma zombaria do martírio real e da paixão futura, anjos: o diabo cita a Escritura, neste caso SI 91,11-12 segundo a versão grega. 7. Não tentarás ao Senhor: a resposta de Jesus vem de Dt 6,16 (veja I Cor 10,9). Deve-se servir ao Senhor com toda a sua vida, mas não de maneira leviana. 8. todos os reinos do mundo com o seu esplendor: Glória é o termo bíblico para designar o esplendor ou a riqueza exterior ou manifesta, a plenitude da existência. Aqui ela representa a tentação de preferir o poder e a riqueza ao amor a Deus compreendido como fidelidade à aliança com ele. 10. a ele só prestarás culto: a resposta de Jesus vem de Dt 6,13, que resume a grande mensagem veterotestamentária do monoteísmo ético. Somente Deus é digno de nossa adoração. A tentação de Jesus tem significado universal: (a) Jesus representa Israel porque ele é o início do novo povo de Deus, fundador de uma nova humanidade; (b) a tentação fundamental é não amar a Deus de todo coração, correndo risco de vida, às custas da riqueza. Jesus é mostrado aqui como o perfeito amante de Deus (Hb 4,15).