Apocalipse 5 — Comentário Literário da Bíblia
Apocalipse 5
A visão do trono continua, mas o foco agora incide sobre o Cristo ressuscitado e exaltado e sua atividade redentora. Cristo é tido como o único digno de “abrir o livro/rolo”, isto é, de inaugurar o Reino de Deus na terra. No final do capítulo a criação inteira presta adoração “ao que está assentado no trono e ao Cordeiro”.Apocalipse 5.1 — A maioria dos intérpretes, acertadamente, entende que a expressão “um livro/rolo escrito por dentro e por fora”, de 5.1b, evoca a imagem de Ezequiel 2.9b,10. O rolo de pergaminho de João, como o de Ezequiel, contém “lamentos, prantos e ais” (Ez 2.10). O biblion (“livro”) é ainda descrito pela expressão “tem sido selado com sete selos”, que parece ser uma fusão de Daniel 12.1,4,9 com Isaías 29.11.
Apocalipse 5.2 — A expressão “romper seus selos”, em 5.2c, revela mais inspiração no “selar” de Daniel 12 (mas cf. Is 29). A ideia de selar e abrir os livros em conexão com os acontecimentos do final dos tempos, de Daniel 12.1-13, é única no AT. O trecho de Daniel 12.8,9 implica a futura retirada do selo do livro no futuro e é outra indicação de que a profecia joanina contém o cumprimento das profecias de Daniel a respeito no futuro.
Apocalipse 5.5 — A identificação de Cristo como “o Leão da tribo de Judá” e “a raiz de Davi”, em 5.5b-c, deriva, respectivamente, de Gênesis 49.9 e Isaías 11.1,10 (cf. Jr 11.19; 23.5; 33.15; Zc 3.8). O verbo νικάω (“vencer”) serve de introdução a esses títulos do AT e apresenta o significado de “conquistar”, uma vez que ambos dizem respeito à profecia acerca de uma figura messiânica que vencerá seus inimigos por meio do juízo.
Apocalipse 5.6 — Há duas propostas diferentes para o contexto do “cordeiro que parecia estar morto”, em 5.6. Alguns estudiosos o veem como uma referência ao cordeiro pascal do AT, enquanto outros creem que seja a Isaías 53.7: “como um cordeiro que é levado ao matadouro” (cf. Is 53.8-12). No entanto, nenhuma delas deve ser excluída, uma vez que ambas têm em comum com a imagem metafórica de 5.6 a ideia central do sacrifício de um cordeiro, que efetua a redenção e conquista a vitória para o povo de Deus (cf. Comblin 1965, p. 26, 31; Swete 1906, p. cxxxix). O contexto de Isaías 53 destaca, em especial, o aspecto expiatório da morte sacrifical do cordeiro e aplica também as metáforas da “raiz” (cf. Ap 5.5) e do “cordeiro” à vítima do sacrifício. Na verdade, a “raiz” é lembrada também em Isaías 11.1,10 (a que Ap 5.5 faz alusão), que pode ter motivado a inclusão da mesma metáfora em 53.2. O contexto da Páscoa e de Isaías 53 é também sugerido pelo uso de aruíon (“cordeiro”), que pode ter sido inspirado no aramaico talja, que significa não apenas “cordeiro”, mas também “servo” e “garoto” (v. TDNT 1:338-41; Kraft 1974, p. 109). A impecabilidade de vítima do sacrifício, profetizada em Isaías 53.9, em parte subjaz à “dignidade” de Jesus (5.9: “Tu és digno [...] porque foste morto”).
A imagem do cordeiro com chifres é mais bem explicada no contexto da tradição judaica encontrada em l Enoque 90 e Testamento de José 19, que diz respeito à vitória de um cordeiro messiânico, embora alguns vejam o segundo texto como uma interpolação cristã (sobre os “chifres” como símbolo de poder, v. Dt 33.17; IRs 22.11; Sl 89.17; Dn 7.7— 8.24; l E n 90.6-12,37).
A última expressão de 5.6 (“e tinha [...] sete olhos, que são os sete espíritos de Deus enviados por toda a terra”) deriva de Zacarias 3.4. Em Zacarias 3.9, os “sete olhos” estão relacionados a uma inscrição divina posta diante do sumo sacerdote Josué sobre a remoção da “maldade desta terra num só dia”. Em Zacarias 4, os símbolos das “sete lâmpadas” (4.2) e dos “sete olhos” (4.10) estão associados com o Espírito onipotente de Yahweh. Na verdade, em 2 Crônicas 16.9 a frase “os olhos do Senhor passam por toda a terra” destaca não só a onisciência, mas especialmente a soberania divina: “para que ele se mostre forte para com aqueles cujo coração é íntegro para com ele”. A menção anterior aos “sete chifres”, ressalta ainda a noção de onipotência (para ambos os argumentos, v. Bauckham 1993a, p. 164).
João interpreta os “sete olhos” de Zacarias como o Espírito de Yahweh e identifica ambos como uma posse do Cordeiro. Foi somente pelo Espírito do “servo, o Renovo” de Yahweh, o cordeiro messiânico, que a iniquidade foi removida do mundo (Zc 3.9) e a resistência ao reino foi vencida (cf. Zc 4.6,7). Os sete espíritos de Deus ( = as sete lâmpadas) estavam antes confinados à sala do trono celestial (1.4,12; 3.1; 4.5). Isso implica que se trata apenas de agentes de Deus operando em toda a terra (cf. Zc 4.10; cf. tb. Zc 1.8-11; 6.5). No entanto, como resultado da morte e ressurreição de Cristo, esses espíritos também se tornam seus agentes no mundo (v. Caird 1966, p. 75). O Espírito executa o plano soberano do Senhor (v. comentário de 1.12; 11.4; sobre o uso de Zc 4, v. Bauckham 1993a, p. 162-6).
Apocalipse 5.7 — O Cordeiro aproxima-se do trono. A passagem de Daniel 7.13 é o único texto no AT em que uma figura messiânica divina é retratada como se aproximando do trono celestial de Deus para receber autoridade. “Quem estava sentado no trono” agora tem ligação específica com Daniel 7.9-28. Desse modo, Cristo cumpre o papel profético do “filho de homem” ao se aproximar do trono de Deus para receber autoridade sobre um reino eterno.
Apocalipse 5.8 — O conteúdo do “cântico novo” é expresso em 5.9,10. No AT, o “cântico novo” sempre foi uma expressão de louvor à vitória de Deus sobre o inimigo, que por vezes incluía ação de graças pela obra da criação (cf. Sl 33.3; 144.9 [que combinam o ato de tocar harpa com o de cantar um cântico novo]; cf. tb. Sl 40.3; 96.1; 98.1; 149.1; Is 42.10). Portanto, o “cântico novo” é empregado como analogia ou mesmo pela perspectiva tipológica aqui, uma vez que os poderes do mal e do pecado foram vencidos. Observe que o “cântico novo”, em algumas das passagens já mencionadas do AT, está relacionado no judaísmo à chegada da era messiânica (e.g., Midr. Rab. de Nm 15.11; Midr. Tanhuma de Gn 1.32; b. ‘Arak . 13b).
Apocalipse 5.10 — O profetizado reino dos santos de Israel, em Daniel 7.22b, 27a, pode ter influenciado a ideia de reinar em 5.10. No entanto, a influência de Êxodo 19.6 (“reino de sacerdotes”) sobre 5.10 também está presente na expressão “reino e sacerdotes”. A esse respeito, 5.9b, 10 é também uma reformulação de 1.5c,6a à luz de Êxodo 19.6 e da ideia da Páscoa do cordeiro imolado (assim Schüssler Fiorenza 1972, p. 276-7, 281-2). Isso significa que a ideia do reino e sacerdócio de Êxodo foi universalizada e entrelaçada com o conceito do governo universal dos santos de Daniel 7, inaugurado na igreja.
Apocalipse 5.11 — A expressão “milhares de milhares e de milhões de milhões” foi extraída de Daniel 7.10 (cf. lE n 40.1; 60.1; 71.8, que também são alusões a Dn 7.10; v. tb. lE n 14.22; Gn 24.60; Nm 10.36).
Apocalipse 5.12 — Por trás da combinação de “poder”, “riqueza”, “força” e “glória” está l Crônicas 29.11,12, enquanto σοφία (“sabedoria”) remete a Daniel 2.20 (assim Milling 1972, p. 181-2, 215 [em Dn 2.23 “sabedoria” e “poder” estão juntos]). Não deve ser por acaso que “força”, “glória” e “honra” são encontrados juntos em Daniel 2.37 LXX; 4.30 LXX (cf. 4.31 LXX), combinação que ocorre apenas duas vezes no restante da LXX.
Apocalipse 5.13 — A quintuplicada expressão de louvor de 5.13a pode ser um reflexo coletivo de Êxodo 20.11, Neemias 9.6, Salmos 146.6 (cf. Dn 2.38; 4.37 LXX). Nesses contextos, Deus é louvado como Criador e como o rei que libertou o povo de Israel da escravidão. Deus e o Cordeiro agora recebem o mesmo louvor, porque conquistaram uma libertação ainda maior.
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