Inferno (ᾅδης e γέεννα)

Inferno (ᾅδης e γέεννα)


INFERNO. A palavra portuguesa para “inferno” é de um a raiz teutônica, e significa “ocultar” ou “ cobrir”. A palavra bíblica “geena” refere-se ao Vale de Hinom, que era o Wadi errababi, ligeiramente a sudoeste de Jerusalém. Esse vale era a localização da famosa oferta sacrificial de crianças pelo fogo por Acaz ao deus Moloque (2Cr 28.3) e por Manasses (33.6). A s reformas de Josias incluíram profanar o alto de Tofete localizado no vale para impedir a continuação de tais sacrifícios (2Rs 23.10). De acordo com Jeremias, porém , essa prática continuou e, por isso, ele disse que o nome do vale seria mudado para Vale da Matança (Jr 7.32; 19.6), porque ele se tom aria um lugar de morte e sepultamento para um grande número de pessoas. O apocalíptico livro de Enoque afirma que haveria um abismo ocupado inteiram ente com fogo ao sul de Jerusalém, no qual israelitas ímpios seriam lançados. Mais tarde, a ideia foi estendida de modo que esse lugar ficou conhecido como o lugar da punição ardente para todos os ímpios. A inda mais tarde, quando o lugar da punição foi considerado com o sendo debaixo da terra, em bora a localização geográfica original tenha sido alterada, a ideia de tormento ardente foi mantida. Na KJV, a palavra inferno é usada trinta e um a vezes no AT; em cada caso é a tradução de Seol (lugar dos mortos entre os hebreus), que era o lugar para onde tanto o ímpio quanto o piedoso iam na morte (veja Seol). Dez vezes no NT inferno é um a tradução de Hades, que é o correlativo no NT de Seol, o lugar onde todos os mortos habitam (veja Hades). Porém, em outras onze ocasiões é usado para traduzir Geena, que se refere ao lugar de punição do ímpio e, portanto, a “inferno” como o termo é usado atualmente. Inferno também é usado um a vez na KJV e RSV mg. para traduzir Tartarus (2Pe 2.4). Em muitos casos na R SV os termos Seol e Hades são conservados, enquanto que Geena é traduzida com o “inferno” . 

1. Conceitos intertestamentários. O ensino de que há um lugar onde os ímpios são punidos para sempre quase não é mencionado no AT. No período intertestamentário, entretanto, essa ideia tomou-se proeminente, em bora sua aceitação pelos rabinos estivesse longe de ser unânime. No Segundo Livro de Esdras, aceito com o canônico pela Igreja Católica Romana, m as não pelos Protestantes, o assunto é discutido. Em 2 Esdras 7.75 Esdras pergunta se a alma perdida será torturada imediatamente na morte ou não até a renovação da criação, à qual Deus responde: quando o espírito deixa o corpo... se é um daqueles que têm mostrado desprezo e não tem guardado o caminho do Altíssimo... tal espírito deve... vaguear em tormento, sempre lamentando-se e triste... considerarão o tormento depositado para eles nos últimos dias (2Esd 7.78ss.). Na literatura apócrifa desse período o termo “Geena” é usado para descrever o compartimento para punição. O pseudepígrafo de Enoque apresenta descrições detalhadas desse lugar de punição. Os fariseus aceitavam essa opinião. Josefo afirma que os fariseus acreditavam que “as almas dos homens maus estão sujeitas à punição eterna” (Jos. War II. Viii. 14). Em outro lugar ele descreve a posição dos fariseus ao dizer que o iníquo “tem de ser detido na prisão eterna”. No período exatamente anterior ao do NT a escola rabínica de Shammai dividiu todos os homens em três grupos: os justos, os perversos que são “imediatamente escritos e selados para o Geena”, e um terceiro grupo de pessoas que “descem até Gehinnom, afligem -se e sobem novam ente” . A escola de Hillel achava que o ímpio era punido no Geena por um ano e então aniquilado, em bora alguns, especialmente os homens perversos “descem até Gehinnom e são punidos ali de geração a geração” .

2. Ensino de Jesus. Deveria ser observado que no N T Geena é usada apenas nos sinóticos, exceto por um a ocorrência em Tiago 3.6, e que nessas referências sinóticas a palavra foi usada apenas por Jesus Cristo. Em outras palavras, o conhecimento do inferno vem quase que exclusivamente do ensino de Cristo, que falou enfaticamente sobre o assunto em várias ocasiões.

(a) Jesus afirma que “quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo”. No contexto Jesus está dizendo que enquanto o AT simplesmente condenava assassinato, ele tem um a exigência maior e o resultado é que expressões de ira proferidas contra um irmão podem levar à punição m ais severa (M t 5.22).

(b) Jesus diz que a punição do inferno é tão severa que seria melhor para um a pessoa perder um olho ou um a mão do que esses membros do corpo serem instrumentos de pecados que levam ao inferno. Ele fala duas vezes sobre o corpo todo sendo lançado no inferno (Mt 5.29,30).

(c) Embora a própria palavra “Geena” não seja usada, Jesus obviam ente está falando da punição do inferno quando ele diz que a árvore que não produz bom fruto será cortada e “lançada no fogo” (Mt 7.19). Vale observar que todas as referências acima vêm do Sermão do Monte.

(d) Parte da punição pronunciada sobre o ímpio é de que ele será expulso da presença de Cristo (Mt 7.23).

(e) A última punição resultante da apostasia incluirá ser entregue “ fora, nas trevas”, o que produzirá uma reação de extrema angústia naqueles que sofrerem essa punição. “Ali haverá choro e ranger de dentes” (M t 8.12).

(f) Jesus afirma que Deus tem o poder de “fazer perecer no inferno tanto a alma com o o corpo” (Mt 10.28).

(g) Na conclusão da Parábola do Joio Jesus diz que, no final do mundo, os pecadores serão lançados na “fornalha de fogo”, que produzirá a angústia descrita nas mesmas palavras de Mateus 8.12. Na Parábola da Rede (13.49,50) a mesma punição e a mesma reação são novam ente preditas.

(h) A punição final imposta sobre os pecadores é descrita por Jesus como sendo muito pior que a própria morte, pois seria melhor ser afogado do que ser punido por induzir um a criança a seguir o caminho errado (Mt 18.6). Na passagem paralela em Marcos Jesus acrescenta que seria melhor perder um membro, que era a fonte do pecado, do que ir “para o inferno, para o fogo inextinguível” (Mc 9.42,43). Além disso, o inferno é descrito como o lugar “onde não lhes morre o verme, nem o fogo se apaga” (9.48). Aqui Jesus está usando a terminologia de Isaías 66.24. Na passagem paralela de M ateus (18.8,9), a ameaça é a de ser lançado “no fogo eterno” ou o “fogo do inferno”.

(i) Na Parábola das Bodas a punição é novam ente descrita com o a de ser lançado nas “trevas exteriores”, resultando em pranto e ranger de dentes (Mt 22.13).

(j) Jesus condena os fariseus por to m ar seus convertidos “filho do inferno duas vezes m ais do que vós” (M t 23.15). U m pouco depois ele avisa que eles não seriam capazes de escapar “da condenação do inferno” (v. 33).

(k) Na Parábola dos Talentos Jesus novam ente usa as frases “fora, nas trevas” e “choro e ranger de dentes” (Mt 25.30). Na Parábola das Ovelhas e dos Bodes Jesus diz para aqueles que ele condena, “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” (25.41). Depois, na mesma parábola, ele descreve o destino deles com o “tormento eterno” (v. 46). Em várias passagens Jesus sugere que haverá graus de punição no inferno. Ele fala dos hipócritas com o aqueles que “receberão m ais grave condenação” (Mc 12.40), e Jesus fala de alguns que receberão “muitos açoites”, enquanto que outros que têm um conhecimento menor da vontade do M estre receberão “poucos açoites” (Lc 12.47,48). A conclusão evidente de todas essas passagens e que Jesus ensinou a doutrina do inferno clara e enfaticamente. Todos, exceto aqueles que interpretam a Escritura com o literalismo mais extremo, concordam que essa é um a linguagem figurada, usada para descrever inferno, mas as figuras simbolizam a realidade m ais terrível.

3. Escritos dos apóstolos. Em bora a palavra “inferno” (Geena) não seja usada no NT fora dos sinóticos (com exceção de Tiago 3.6), a ideia de punição severa no mundo por vir é ensinada em várias passagens. Por exemplo:

(a) Paulo fala do julgamento iminente de Deus, que resultará na vida eterna para aqueles que fazem o bem, “cólera e fúria” para aqueles que praticam a maldade. Para o malfeitor haverá “tribulação e angústia” (Rom. 2.3-9).

(b) O comparecimento perante o tribunal de Cristo resultará em receber “bem ou mal”, dependendo das ações durante esta vida (2Co 5.10). Paulo considera o perigo desse destino terrível como um a força propulsora no seu ministério (v. 11).

(c) No retomo de Cristo, aqueles que vivem em complacência experimentarão “repentina destruição... e de m odo nenhum escaparão” (lTs 5.3).

(d) O destino do ímpio na segunda vinda de Cristo será administrado pelos anjos que acompanharão Cristo, que virá “em chama de fogo, tom ando vingança contra os que não conhecem a Deus e contra os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus” (2Ts 1.6-9).

(e) O autor de Hebreus fala do “juízo eterno” com o um fundamento de fé (Hb 6.1,2) e da ameaça de punição nesses termos, “certa expectativa horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os adversários” (10.27). Ele fala disso com o um “maior castigo” (v. 29) que a morte que era administrada àqueles que violavam a lei de Moisés.

(f) Tiago (3.6) fala da língua com o “inflam ada pelo inferno (Gheenna)” .

(g) Segunda Epístola de Pedro lida com o assunto (2Pe 2.4-9) que fala dos anjos que pecaram sendo lançados “no inferno (Tartarus)”, que é descrito com o “abismos de trevas” . Posteriormente, na passagem , Deus é descrito com o conhecedor de com o “reservar, sob castigo, os injustos para o Dia de Juízo” . O ímpio que se revela em pecado “também hão de ser destruídos” (v. 12). “Para eles está reservada a negridão das trevas” (v. 17)

 (h) Em passagem similar em Judas é revelado que Deus entregou os anjos caídos “às cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo (ARC)” (v. 6). Os habitantes de Sodoma e Gomorra servem “para exemplo aos que vivessem impiamente (A R C )” (v. 7).

(i) Apocalipse de João diz “A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos, e não têm descanso algum, nem de dia nem de noite” (Ap 14.11); “a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte” (21 .8). Essas referências bíblicas demonstram que os apóstolos seguiram Cristo no ensino de que a vida resulta em dois destinos possíveis, bem-aventurança eterna ou tormento do inferno. Os escritores do NT são bastante reservados em suas descrições do inferno, especialmente em comparação à literatura apócrifa não canônica, m as eles são claros em ensinar um julgamento resultando na punição eterna. ( Veja Punição Eterna para um a discussão sobre as reivindicações de que a Bíblia ensina aniquilação ou universalismo).

4. A igreja primitiva. No período imediatamente após os dias do NT a doutrina do inferno era claramente ensinada. Para muitos mártires daquele período, considerar o inferno como o destino daqueles que negavam a fé, dava coragem para encarar o martírio mediante a convicção de que esta era a m ais fácil das duas alternativas. No 2” séc. os Pais da Igreja apresentam evidência nos seus escritos de suas convicções sobre o assunto. Por exemplo, Inácio (morto em 117 d.C.), comentando sobre um a passagem em Efésios diz, “alguém tão corrompido cairá no fogo insaciável”. O Pastor de Hermas (c. 115) fala “aqueles que caíram no inferno e foram queimados são aqueles que se separaram para sempre do Deus vivo”. A Epístola de Barnabé (c. 120) menciona “o caminho da morte eterna com punição”. Justino Mártir (c. 110-165) em sua Apologia declara, “nós estamos completam ente convencidos de que cada um sofrerá punição pelo fogo eterno, de acordo com o demérito de suas ações”. Irineu (135-200 d.C.) usa o termo “fogo eterno” repetidamente. Tertuliano (c. 160-220) menciona “a grandeza da punição que continuava, não por muito tempo, m as para sem pre” . Ele é o primeiro dos Pais que expressa alegria no espetáculo do perdido no inferno, um a atitude não encontrada na Bíblia, porém que tomou-se com um na Idade Média. Os Pais primitivos deram testem unho unânime em favor da crença no inferno. Não foi até Orígenes (c. 185-254), que tinha um a série de outras opiniões não-bíblicas também, que nenhum mestre importante da igreja negou essa doutrina. E m conclusão, a doutrina do inferno é um a doutrina completamente bíblica. Por isso não é surpresa que na história da teologia um a negação dessa doutrina freqüentemente acompanha opiniões fracas sobre a inspiração bíblica. Porém a reação contra essa doutrina tem sido, em parte, culpa de alguns de seus adeptos, que a têm proclamado nos termos rudemente literalistas. Conservadores radicais, como Calvino, Hodge, Strong e Schilder, reconheceram a natureza simbólica dos termos bíblicos “verme”, “fogo”, etc. Outra causa da reação contra a doutrina tem sido o júbilo exultante, ou outras atitudes desprovidas de amor, mantidas por alguns que a têm proclamado, mas essa não é parte da doutrina bíblica. A Bíblia não dá a localização física do inferno, ou algum a coisa sobre seus acessórios, m as assegura aos leitores que aqueles cujos pecados não são expiados por Jesus Cristo receberão a justiça perfeita de Deus, que eles receberão exatamente o que eles merecem por toda a eternidade, a qual será o destino mais miserável. Esse deve ser um dos motivos mais propulsores em fazer do evangelismo a ocupação urgente de todos os cristãos.

BIBLIOGRAFIA. S. Bartlett, Life and Death Eternal ( 1866); W. Shedd, Dogmatic Theology, H ( 1888), 667-754; K. Schilder, Wat ls De Hell (1920); Inge e outros, What is Hell. (1930); J. S. Bonnell, Heaven and Hell (1956); H. Buis, The Doctrine o f Eternal Punishment (1957). H. Buis