Deuteronômio 12 — Comentário Teológico

Deuteronômio 12 — Comentário Teológico


Deuteronômio 12 — Comentário Teológico

Capítulo Doze

A Legislação que Moisés Apresentou ao Povo (12.1—26.19)
Condições de Bênção na Terra (12.1-32)

Tem os aqui a continuação do segundo discurso de Moisés, iniciado em Deu. 4.44 e que se estende até Deu. 26.19. Essa é a segunda parte do segundo discurso. Um sumário, que começa em Deu. 27.1, assinala a terceira parte. O terceiro discurso começa em Deu. 29.1. “A maioria dos leitores do livro interrompe os seus estudos neste ponto, porque as leis que se seguem parecem secas e estéreis, sem valor para a vida moderna. Isso, porém, é uma visão superficial do material escrito. É verdade que essas leis visavam ao governo de uma pequena nação agrária, em um estágio inicial de civilização; não podem ser aceitas com seus detalhes por outro povo, de uma época diferente, Todavia, diante da fé do pacto, exposta nos capítulos quinto a décimo primeiro, reveste-se de interesse e importância ver como as várias leis, de origem heterogénea, foram dadas e com o serviram de motivações da fé. Deuteronômio não se interessa em dar uma mera lista de leis; sua preocupação primária é a exposição e a motivação à obediência” (G. Ernest Wright, in loc.).

A seção que temos à nossa frente não é uma repetição exaustiva de material similar, dado nos livros de Êxodo e Levítico. Os pontos principais são repetidos; e a história, com a ajuda da instrução, serve de motivação para essa obediência. Era ensinada certa qualidade de vida, e não apenas uma longa lista de leis. As leis que se seguem tinham em mente a Terra Prometida. Israel, quando estivesse habitando na Terra Prometida, teria de agir e viver de determinada maneira. Os
hebreus formariam uma nação distinta.

12.1
Os estatutos e os juízos. Com frequência temos a tripla designação da lei:  mandamentos, preceitos e juízos. Ver as notas sobre isso, com supostas diferenças de significado, em Êxo. 19.1, em suas notas introdutórias. Ver também Deu. 6.1. Por vezes, a palavra isolada, “mandamentos”, aponta para a total complexidade das leis. Mas de outras vezes, temos duas designações, conforme se dá com este versículo. “O Valor da Lei. A porção legal estrita do Deuteronômio (caps. 12-26,28) empresta ao livro o seu caráter. Contendo provisões novas e antigas, esse código de leis especiais retém grande parte da linguagem dos códigos mais antigos. Contudo, respira um novo espírito e incorpora os avanços religiosos e os discernimentos proféticos dos séculos que se tinham passado desde Moisés.” (Henry S. Shires, in loc).

Todos os dias que viverdes sobre a terra. Viver na Terra Prometida não era algo que pudesse ser feito sem que se exibisse um caráter específico. Esse caráter devia ser ornado pela obediência à lei. A vida seria adquirida mediante a obediência à lei (ver Deu. 4.1; 5.33 e 6.3). E essa vida diária form ava um tipo de existência, e não meramente uma longa vida biológica. Cf. I Reis 8.40.

12.2
Destruireis por completo. O Senhor exigiu o total aniquilamento de todo vestígio de idolatria que ficasse das sete nações que habitavam a Terra Prometida. Já vimos ordens dessa natureza. Ver Deu. 7.5,25; Êxo. 23.24 e 34.13. A coexistência pacífica, apesar de ser um belo princípio, não funcionaria na Terra Prometida. Eventualmente, isso só significaria a absorção de Israel no tipo de cultura já existente no território. A coisa nova que Yahweh estava preparando não traria nada de
coisa antiga, que deixara de existir. O yahwismo, com o seu monoteísmo (ver a esse respeito no Dicionário), falharia, a menos que novos princípios fossem firmados. O monoteísmo não consiste somente em crer na existência de um único Deus.

Também inclui a total lealdade ao único Deus, em um sistema de fé religiosa inteiramente diferente. Ver no Dicionário o verbete intitulado Idolatria. Ver no Dicionário o verbete chamado Lugares Altos, quanto aos santuários, os bosques etc. onde os pagãos costumavam estabelecer os seus centros de adoração. Cf. Jer. 2.20 e 3.6. As árvores proviam sombra; e era nesses lugares agradáveis que eram estabelecidas práticas idólatras. 

“Dificilmente havia alguma divindade à qual não tenha sido devotada alguma árvore, como o carvalho a Júpiter, o laurel a Apoio, a hera a Baco, a oliveira a Minerva, e a murta a Vênus. Ver Jer. 2.20 e 3.6” (John Gill, in loc.).

“As árvores frondosas eram significativas para a adoração cananéia às divindades da fertilidade” (Jack S. Deere, in loc.).

12.3
Deitareis abaixo os seus altares. A idolatria pagã formava uma organização muito complexa, em que praticamente qualquer coisa se tornava objeto de adora­ção: objetos físicos, animais e astros celestes. Ver no Dicionário os artigos Idolatria e Deuses Falsos.

Altares. Ver a esse respeito o Dicionário. Os “bosques” são os mesmos “lugares altos” (vs. 1).

Colunas. “Essas eram grandes pedras postas na vertical, evidentemente associadas aos altares de todo santuário cananeu. Não se sabe com certeza qual o seu significado, embora não seja improvável que fossem símbolos do rei dos deuses de Canaã, Baal. Os aserins eram símbolos da deusa mãe dos cananeus, Aserá, provavelmente sob a forma de uma árvore, de uma coluna ou de um bosque, objetos esses capazes de ser destruídos a fogo... Quase todos os deuses pagãos tinham significados simbólicos, comumente usados nos santuários"
(G. Ernest Wright, in loc).

Postes-ídolos. Ver no Dicionário o artigo detalhado com esse nome, quanto a essa forma de idolatria. Cf. Gên. 28.18,22; 31.13.

Imagens esculpidas. Ver no Dicionário o artigo chamado Imagem de Escultura. Havia grande variedade de ídolos. Alguns ídolos eram feitos como se fossem esculturas; mas outros eram feitos em formas, e o material usado era metal fundido, as “imagens de fundição”.

12.4,5
Buscareis o lugar. Haveria um lugar central para a adoração a Yahweh, que haveria de tomar o lugar de toda a multiplicidade dos centros de adoração pagã. Esse lugar seria preservado de todo dano, ao passo que os santuários pagãos seriam completamente destruídos. Nenhuma dependência do templo, que seria o lugar de adoração dos judeus, poderia ser destruída. A casa de Yahweh deveria permanecer isenta de qualquer tipo de assédio, em contraste com os centros de adoração pagã.

Outra interpretação deste versículo é que Yahweh não deveria ser servido como o eram os deuses pagãos, nos lugares altos, mediante o uso de ídolos, por meio de árvores, bosques ou colunas.

O trecho de Êxodo 20.24 pressupõe que houvesse muitos santuários para a adoração a Yahweh, mas que esses acabariam por estar centralizados em Jerusalém, no templo, como o único ponto de culto público para o povo de Israel. Durante o período dos juízes, o santuário único ficava em Silo. Mas depois que este foi destruído pelos filisteus, Davi erigiu um novo tabernáculo, em Jerusalém. O templo de Salomão (ver a esse respeito no Dicionário) tomou o lugar desse tabernáculo.

O quinto versículo deste capítulo enfatiza o processo de unificação. O tabernáculo era o local de culto antigo. Este foi eventualmente substituído pelo templo, em Jerusalém. A ordem poderia ser mais bem preservada no desenvolvimento do yahwismo se houvesse uma adoração centralizada. A adoração privada foi submetida a restrições. O santuário central exaltaria o nome divino, Yahweh, e esse nome sagrado substituiria a todos os outros nomes. Ver no Dicionário artigo chamado Deus, Nomes Bíblicos de.

Ver Êxodo 33.7-11, quanto ao começo do processo de unificação, um lugar que se tornou o centro da adoração e onde se manifestava a presença de Deus. Unidade. Um só lugar simbolizava estas verdades: 

1. A unidade de Deus, um só Deus, o monoteísmo. 
2. A pureza de adoração, pois todos tinham de ajustar-se a um só modo de adorar. 
3. A unidade política e espiritual do povo de Israel. 

santuário tornou-se o centro de todas as atividades religiosas da teocracia.

12.6
A esse lugar fareis chegar os vossos holocaustos. lugar central de adoração encerraria toda forma de culto bíblico, veterotestamentário. O autor sagrado nos fornece os modos principais de adoração como oferendas, dízimos, votos, ofertas voluntárias, ou seja, os meios para efetuar o culto no tabernáculo. Toda atividade semelhante estaria limitada ao santuário central. Mediante essa prática, a unidade explicada no versículo anterior seria mantida, e a idolatria seria evitada.



Escrituras. Oferendas: ofertas pacíficas (Lev. 7.12-15; 22.29,30); ofertas de votos (Lev. 7.15,17; 22.18-23); ofertas voluntárias (Lev 7.16,17; 22.18-23); dízimos (Lev. 27.30-32; Deu. 14.28); primogênitos como sacrifícios (Deu. 15.19-23).

Verbetes. Ver no Dicionário os seguintes verbetes: 1. Sacrifícios. 2. Sacrifícios e Ofertas. 3. Votos. 4. Primogênitos. 5. Libação. Ver os cinco tipos de animais que podiam ser sacrificados, em Lev. 1.14-16. Quanto a tipos de oferendas, ver Lev. 7.37.

Muitas leis governavam o culto dos hebreus; e a obediência a essas leis produzia a uniformidade.

12.7
Lá comereis perante o Senhor. Quase todas as oferendas proviam alimento para banquetes, pelo que as festas comunais estavam associadas ao sistema sacrificial. Somente os holocaustos requeriam que o animal fosse consumido no fogo. De outro modo, apenas certas partes eram queimadas como porções de Yahweh. O sangue e a gordura eram sempre dedicados a Yahweh. O sangue era vertido, e a gordura era queimada. Ver as leis relativas ao sangue e à gordura, em Lev. 3.17. Todas essas oferendas queimadas soltavam um aroma agradável a Yahweh. Ver sobre isso os trechos de Lev. 1.9 e Êxo. 29.18. Assim, Yahweh festejava juntamente com o Seu povo. Quanto às oito porções que ficavam com os sacerdotes, ver Lev. 6.26; 7.11-27,28-38; Núm. 18.9; Deu. 12.17,18. Os membros masculinos que traziam os sacrifícios compartilhavam das festividades. Algumas vezes famílias inteiras compartilhavam desses banquetes, incluindo mulheres e até mesmo escravos (usualmente estrangeiros). Ver Deu. 16.11 quanto a essa participação geral.

E vos alegrareis. A alegria fazia parte dos ritos judaicos. Ver sobre isso os trechos de Deu. 12.12,18; 14.26; 16.11,14,15. Israel era um povo de cânticos e danças, o que ocorria até mesmo nos recintos do tabernáculo.

12.8
Cada qual tudo o que bem parece aos seus olhos. Havia ficado no passado a diversidade de santuários e a multiplicidade de costumes religiosos. Houve tempo em que cada qual agia conforme melhor lhe parecia. Mas agora Deus controlaria tudo com o Seu olho, regulando a adoração central e produzindo unidade, conforme ficou anotado no quinto versículo deste capítulo. “Durante o período da confederação tribal, peregrinações eram feitas a Silo (Jos. 18.1; I Sam. 1.3-28); sob a liderança de Davi, Jerusalém tornou-se o santuá­rio central de Israel (II Sam. 6). Durante todo esse período as peregrinações ao santuário não excluíam os sacrifícios em nenhum altar do território (Gên. 12.7; I Sam. 10.8; I Reis 3.2-4). Mas a atual lei, mais restrita, que exigia apenas um lugar de adoração sacrificial, foi a base da grande reforma efetuada pelo rei Josias (II Reis 22 e 23) (Oxford Annotated Bibie, comentando sobre o quarto versículo deste capítulo).

12.9
No descanso e na herança. Israel estava prestes a entrar na Terra Prometida. Ali descansariam , depois de terem passado por todas as prova­ções e de terem conquistado um território pátrio. Ali teriam entrado na posse de sua herança, de acordo com o Pacto Abraâmico (ver as notas em Gên. 15.18). O evento produziria uma nova nação, em que uma nova unidade seria form ada no tocante ao culto. Esse culto tinha de ser centralizado na capital, a saber, Jerusalém . Isso em prestaria unidade à nação, mediante uma adoração unificada.

Descanso e herança seriam um único pacote de bênção. Ver isso em Sal. 95.11; 132.8,14 (Sião); Isa. 11.10; Heb. 4.1,3,5,8,9.

“Nenhuma outra localidade, fora de Jerusalém, teria servido... O propósito primário da centralização era estabelecer a unidade do próprio Yahweh, bem como a unidade da adoração... (o culto e a lei) apresentavam a convicção de que só pode haver uma verdade final, e somente uma vida religiosa (Henry S. Shires, in loc.).

Tipologia. O descanso acha-se na herança da vida eterna em Cristo, o qual é o verdadeiro Unificador. Ver Efésios 4.4 ss., quanto às sete unidades que fazem parle da fé cristã.

12.10
Terra que vos fará herdar o Senhor. Idealmente, a conquista da Terra Prometida traria descanso em face de um constante conflito que tinha caracterizado a vida na Palestina. Israel habitaria ali em segurança, em descanso e em unidade. E então poderiam ser implementados os ideais de unidade na adoração. As coisas, porém, nunca chegaram a atingir essa forma ideal, embora fosse o alvo que o autor sagrado tinha em mente. Somente Salomão chegou a gozar de paz verdadeira, mas mesmo assim por pouco tempo.

O território de Canaã foi subjugado e dividido entre as tribos de Israel (Jos. 22.14), mas não ocorreu o total aniquilamento das sete nações cananeias. Algum tempo mais tarde, o próprio povo de Israel dividiu-se em duas nações que se hostilizavam mutuamente, Israel, ao norte, e Judá, ao sul, e os ataques desfechados por outros povos eram uma ameaça constante.

12.11
A esse lugar fareis chegar tudo o que vos ordeno. O sumário exposto neste versículo nos faz recuar aos vss. 6 e 7 deste capítulo. Yahweh escolheu a Terra Prometida; Yahweh escolheu a forma de adoração; Yahweh centralizou tudo; Ele estabeleceu o culto em suas form as complexas. Mas tudo se tornaria uma só coisa, tudo dirigido a um único lugar. O melhor da natureza humana agraciaria essa unidade (ver Mal. 1.14).

12.12
Haveria uma adoração comunal, uma festividade comunal e um regozijo geral. Ver as notas sobre o sétimo versículo deste capítulo, onde são comentados os conceitos deste versículo.

O levita. Os levitas eram autoridades religiosas que encabeçavam a adora­ção unificada, da mesma forma que serviam ao tabernáculo. Dentre os levitas saíram os sacerdotes, que trabalhavam dentro do próprio tabernáculo. Ver no Dicionário os artigos chamados Levitas e Sacerdotes e Levitas. A tribo de Levi veio a tornar-se a casta sacerdotal de Israel (Deu. 10.8,9; Núm. 1.47 ss.). Também serviam de mestres e guias.

12.13
Em todo lugar que vires. Muitos altares haviam sido eliminados, e os que tinham sido permitidos não funcionavam mais. Ver as notas sobre o oitavo versí­culo deste capítulo, que também se aplicam aqui. Os israelitas faziam o que era certo aos seus próprios olhos, mas agora o olho de Yahweh determinaria tudo (vs. 8). A provisão de multiplicidade em Êxodo 20.24 estava anulada. Uma mudança de ordem tinha ocorrido. A centralização e a unidade ajudariam a impedir tanto a desordem quanto a idolatria. O controle das instituições pertencentes a Yahweh seria assim facilitado.

12.14
No lugar que o Senhor escolher. O autor sacro escreveu como se não soubesse no território de qual tribo ficaria o lugar centralizado de adoração. Ver o quinto versículo deste capítulo. Mas Yahweh sabia, e em breve tomaria conhecido que Jerusalém, que fazia parte da tribo de Judá, seria o lugar escolhido. A habitação de Deus ficava no céu, mas Ele teria um lugar para manifestar a Sua presença na Terra (ver I Reis 8.27). Deus é, ao mesmo tempo, transcendente e imanente, e ambas essas idéias são elementos de Sua natureza, mediante as quais Ele se faz conhecido. Ver no Dicionário o artigo Atributos de Deus. Ver o artigo geral sobre Deus. A futura escolha de Deus seria o coração dos seres humanos, onde o Messias haveria de construir Seu templo (Efésios 2).

12.15
“Agora que os sacrifícios só podiam ser oferecidos no santuário central, uma distinção foi traçada entre os sacrifícios e a matança de animais para alimentação humana, o que modificou a legislação anterior (ver Lev. 17.1-9). Quando os filhos de Israel comiam carne em alguma cidade, não precisavam observar as leis da purificação cerimonial (Lev. 7.19-21), pois carne de gado podia ser considerada pertencente à mesma categoria que caça, como corço ou veado. Todavia, a
antiga proibição contra a ingestão de sangue devia ser mantida (vss. 23,24; ver Gên. 9.3,4; Lev. 17.10,11)” (Oxford Annotated Bible, comentando sobre o vs. 15). Ver no Dicionário o artigo detalhado intitulado Limpo e Imundo.

Devemos lembrar que, anteriormente, a matança e o sacrifício de animais eram atos intimamente relacionados, de modo a serem praticamente uma mesma coisa. O termo hebraico zabbah significa tanto uma coisa quanto a outra. Mas comer carne em casa deixara de ser uma coisa sagrada o que explica a mudança de atitude. Os cinco animais que podiam ser sacrificados anteriormente limitavam se somente aos ritos religiosos. Agora tudo isso fora liberado para o consumo geral. Nos tempos do tabernáculo, esses cinco animais só eram sacrificados no tabernáculo. Ver Lev. 1.14-16, quanto aos animais especiais (sacerdotais).

O que era proibido era o sacrifício dos cinco animais como ritos religiosos, em qualquer lugar, exceto no santuário central. Note Bem. Este versículo não indica que animais imundos pudessem ser ingeridos; mas somente que um banquete em casa não requeria que as pessoas só comessem alguma carne de animal na condição de pureza.

12.16
Tão-som ente o sangue não comerás. As leis sobre o sangue foram mantidas. Ver Lev. 3.17. O sangue e a gordura dos animais sacrificados ficavam com Yahweh, nos ritos sobre o altar. Mas se algum animal fosse comido em uma casa, não havia nisso nenhuma significação religiosa. Contudo, o sangue não podia ser consumido pelos seres humanos. O sangue tinha de ser vertido ao chão, provavelmente como um tributo a Yahweh, como fonte de toda vida (pois os israelitas concebiam que a vida está no sangue; ver Lev. 17.11). Mas esse tributo não transformava a matança e a ingestão particular de animais em um rito religioso. Ver idéias adicionais no versículo 23 deste capítulo.

Tipologia. A sacralidade do sangue nos faz lembrar do sangue de Cristo. Ver no Dicionário o artigo geral chamado Sangue; e, na Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, o artigo Expiação pelo Sangue de Cristo.

12.17
Não poderás comer o dízimo do teu cereal. A lei do dízimo também foi mantida. Os animais, anteriormente reservados para sacrifício, não podiam ser comidos em casa. Com base nisso, não devemos inferir que houve um afrouxamento de leis, de tal modo que o dízimo acabou sendo eliminado. Ver no Dicionário o artigo Dízimo. “Pela segunda vez (cf. os vss. 12 e 13), Moisés advertiu o povo de que qualquer coisa que tencionasse ser usada na adoração ao Senhor só podia ser ingerida no local futuro do santuário central” (Jack S. Deere, in loc.).

É provável que a referência aqui seja ao segundo dízimo, regulamentado em Deu. 14.22-29. Ver também Deu. 26.12.

12.18
Cf. o vs. 12 quanto à lista daqueles que podiam participar do banquete. As refeições sagradas, que incluíam a participação nas coisas dizimadas, só podiam ocorrer no santuário central. A alegria é novamente enfatizada como parte da adoração sagrada. Ver o vs. 12. A adoração era um período de regozijo. “... alegrando-se com os seus familiares e os seus amigos, com os levitas e com os pobres, expressando sua gratidão a Deus e às Suas bênçãos sobre os seus labores” (John Gill, in loc.).

Os levitas viviam dos dízimos, e as provisões tinham de ser continuas, enquanto aquela ex-tribo continuasse funcionando como a casta sacerdotal. Ver no Dicionário o artigo chamado Levitas. “Os levitas tiveram essa provisão, em Israel, até que Jeroboão e seus filhos expulsaram-nos, com o que eles migraram para o reino de Judá (II Crô. 11.13,14)” (Ellicott, in loc.).

12.19
Os levitas não tinham nenhuma herança na terra (Núm. 1.47 ss.), embora tivessem suas cidades e as terras adjacentes. Ver Núm. 35.1 quanto a ilustra­ções. Os levitas dependiam dos dízimos quanto ao seu sustento. O autor sacro ansiava por seus direitos serem reconhecidos e perpetuados. “Àqueles que se devotassem ao serviço de Deus, ministrando a salvação à alma dos homens, certamente deveriam ser fornecidas, pelo menos, as coisas necessárias à vida (Adam Clark, in loc.). Ver I Cor. 9.7ss. quanto a essa lei que foi transferida para o Novo Testamento.

12.20
Quando o Senhor teu Deus alargar o teu território. O território de Israel estava prestes a ser “alargado”, ainda que, na verdade, estivesse prestes a ser “adquirido. Essa era a herança que fazia parte do Pacto Abraâmico. Ver Gên. 15.18. Essa herança foi provida pela promessa de Yahweh, que jurara dá-la a Abraão e a seus descendentes (ver Deu. 1.8). Parte da abundância da Terra Prometida consistia na liberdade de comer carne em casa, até mesmo animais oferecidos em sacrifício, contanto que nenhum rito religioso estivesse envolvido.

Os ritos tinham de ser realizados somente no santuário central. O autor repetiu a informação que já havia sido dada no versículo 15 deste capítulo. A terra de Canaã provia boas terras de pastagem, onde os animais dom esticados podiam multiplicar-se. Israel, assim sendo, teria muita carne para comer. O tempo de escassez no deserto havia terminado. Uma nova era estava começando, caracterizada pela abundância alimentar.

12.21
Se estiver longe de ti. Temos aqui o problema da distância. No deserto, era possível que todo banquete com animais sacrificados ocorresse no tabernáculo. Mas, uma vez que a Terra Prometida fora ocupada, as tribos espalhar-se-iam por todo um espaçoso território. Portanto, comer animais anteriormente reservados a sacrifícios seria permitido nas “casas”. Ademais, outros animais limpos também serviriam para o consumo humano (vs. 22), e isso podia ocorrer em qualquer lugar. Mas nenhum sacrifício religioso poderia ser consumido nesses banquetes. Isso já era uma questão particular.

12.22
Este versículo repete o versículo 15 deste capítulo. Este versículo não indica que animais imundos pudessem ser ingeridos, mas que banquetes privados, efetuados nas casas, não requeriam a observância das leis sobre animais limpos e imundos, no tocante aos próprios participantes. Os vss. 20-25 atuam como uma expansão e repetição dos vss. 15 e 16, e modificam as regras dadas em Lev. 23.2.

12.23
Este versículo reitera a informação dada no versículo 16 deste capítulo, mas também adiciona a razão para a proibição quanto à ingestão de sangue, a saber, é a vida da carne (ver Lev. 17.11). Ver o trecho de Levítico 3.17, quanto às leis sobre o sangue e a gordura, que presta completa informação sobre a natureza da proibição. Ver também, no Dicionário, o artigo detalhado intitulado Sangue. Atribu­ímos à alma as propriedades transmissoras de vida, bem como a capacidade de sustentar a vida física de seu veículo. Aquilo que atribuímos à alma, os antigos hebreus atribuíam ao sangue, o qual, para eles, era algo misterioso e sagrado. Ver as notas sobre Gên. 9.4.

12.24
Ver o versículo 16 deste capítulo quanto a explanações. O sangue não podia ser ingerido. Tinha de ser derramado no chão como um tributo a Yahweh, o Doador da vida. Mas isso, apesar de ser um ato de reverência, não deveria ser considerado um rito religioso, pois os ritos religiosos só podiam ocorrer no santu­ário central. O chão absorvia o sangue, e nenhum homem podia alimentar-se de sangue. Antes, era devolvido a Yahweh, que o tinha dado.

12.25
Não o comerás. A Ameaça. Desconsiderar a lei acerca do sangue podia ser perigoso não só para o indivíduo desobediente, mas também para os seus filhos, o que ilustra a seriedade dessa proibição. Yahweh julgaria o indivíduo rebelde que desconsiderasse as leis sagradas. Tal pessoa sofreria um acidente, uma doença, a morte súbita ou alguma outra coisa terrível. O trecho de Levítico 7.27 ameaça o ofensor com a pena de morte, e isso ou mediante procedimento judicial, ou mediante um ato divino.

12.26
Tomarás o que houveres consagrado. Os ritos sagrados estavam reservados para o santuário central. Esses ritos não eram permitidos nos lares ou em santuários privados. As palavras “o que houveres consagrado” podem apontar para as “primícias” que atuariam como sacrifícios (ver Lev. 28.26); ou então a expressão deva ser entendida em sentido geral, incluindo todos os materiais usado nesses ritos. As “ofertas votivas” incluiriam ou holocaustos ou ofertas pací­ficas. Ver no Dicionário o artigo intitulado Voto. Os Targuns de Onkelos e de Jonathan chamam as coisas santas, deste versículo, de dízimos; mas Aben Ezra diz que se tratava dos holocaustos e das ofertas pacificas dos filhos de Israel. Ver o versículo 17 deste capítulo. Provavelmente, ambas as coisas devam ser entendidas por esse termo geral

Virás ao lugar que o Senhor escolher. Ver a explicação no quinto versículo deste capítulo. Jerusalém, que ficava dentro do território da tribo de Judá, seria escolhida como lugar do santuário central.

12.27
Este versículo m ostra, em um a breve declaração, o modus operandi dos sacrifícios, repetindo especificamente a lei do sangue. Tudo era oferecido a Yahweh. Ademais, a gordura também era Dele, embora isso não seja afirmado aqui. Ver Lev. 3.17 quanto às leis sobre o sangue e a gordura. O resto era usado nas festividades comunais (conform e vim os nos vss. 12 e 18 deste capítulo). Ver no Dicionário o artigo geral cham ado Sacrifícios e Ofertas. As “ofertas pacíficas” eram as únicas de que participavam tanto os adoradores quanto os sacerdotes, pelo que havia então um a refeição comunal, da qual Yahweh era um convidado especial, ficando Ele com o sangue e a gordura.

12.28
Guarda e cumpre todas estas palavras. Temos aqui um sumário das leis baixadas acerca dos sacrifícios que compunham parte dos estatutos e juízos (vs. 1) que Israel tinha obrigação de cumprir. O autor sacro havia salientado as instru­ções concernentes ao santuário central que seria eventualmente estabelecido em Jerusalém (vs. 5). Ele tinha mostrado que, uma vez que fosse instituído esse lugar central, então os cinco animais sacrificais (ver as notas em Lev. 1.14-16) poderiam ser mortos para serem comidos comumente em casa. Mas qualquer rito religioso ou sacrifício precisava ser efetuado no santuário central (vss. 8 e ss.). Nos tempos anteriores, cada homem seguia o seu próprio impulso, mas doravante o olho de Yahweh iria abrindo o caminho para a adoração unificada, em um lugar específico (vss. 9-11).

Alguns eruditos pensam que este versículo introduz a seção que se segue, contra a idolatria; mas parece melhor vê-lo como uma conclusão do que foi dado antes. Era bastante comum que o autor sagrado concluísse as suas seções com admoestações em prol da obediência. Ver Deu. 12.13,19 quanto a exemplos disso, com paralelos em Deu. 1.1,30, em espírito.

A Armadilha da Idolatria (12.29-32)
Esta seção atua como uma espécie de preâmbulo das advertências contra os falsos profetas, que queriam promover a idolatria, os deuses estranhos e as religiões importadas do estrangeiro, tudo o que tem começo em Deuteronômio 13.1. O segundo mandamento, que proíbe a idolatria (ver Êxo. 20.3,4), é o mais continuamente enfatizado neste livro. A idolatria era a fonte de águas amargosas, a fonte de onde manavam tantos outros males. Os homens espirituais precisam ter suas prioridades em boa ordem. “Yahweh somente era a base de toda fé religiosa em Israel, o sine qua non da vida diária. O autor combatia a adoração sincretista. Yahweh deveria ser adorado da maneira ordenada, e não em imitação a ritos pagãos. Sua fé não podia ser um avanço e uma graduação sobre outras: deveria ser singular e tratada como tal. Qualquer coisa que divergisse disso seria uma abominação.

12.29
As nações. As sete nações cananeias (ver Êxo. 33.2; Deu. 7.1) que foram expelidas da terra de Canaã tinham enchido a sua taça de iniquidade (ver Gên. 15.16). A idolatria tinha sido o principal pecado dessas nações. Seria fatal para os israelitas se eles seguissem esse miserável exemplo, pois isso os levaria à expulsão da Terra Prometida, com a passagem do tempo. De fato, foi isso que sucedeu, por ocasião dos cativeiros. Ver no Dicionário os artigos chamados Cativeiro (Cativeiros) e Idolatria.

12.30
Guarda-te. Temos aqui um aviso contra certa armadilha. O pior de todos os males para Israel seria a idolatria. O segundo mandamento proibia todas as formas de idolatria. Ver as notas detalhadas em Êxo. 20.3,4. As sete nações cananeias deveriam ser eliminadas, pois seus cultos pagãos e seu mau exemplo debilitariam e então destruiriam a nação de Israel. A corrupção interior do povo poderia ser facilmente atiçada até as chamas. Aqueles que quiserem ser seduzidos logo encontrarão sedutores. A história de Israel revela um povo que desejava ser seduzido.

Que te não enlaces. No hebraico temos aqui o termo moquesh, laço, ou outro dispositivo para apanhar animais. Esse vocábulo também pode significar gancho ou qualquer tipo de armadilha. Israel seria presa fácil diante das nações pagãs. Assim como um animal era apanhado em uma armadilha, a fim de ser morto, também a idolatria seria fatal para Israel.

Como imitá-las. Israel estava proibido de pesquisar a idolatria. A curiosidade de Israel faria os filhos de Israel procurar conhecer a idolatria pagã. Mas a própria curiosidade estava proibida. Nenhum hebreu deveria pesquisar o assunto. A imitação seguiria a pesquisa. Yahweh conhecia o tipo de povo que Ele estava procurando controlar. Ver no Dicionário o artigo intitulado Monoteísmo.

12.31
Tudo o que é abominável ao Senhor. “A bom inação" é uma palavra hebraica com um que serve de sinônimo de idolatria. É provável que esteja aqui em m ente a prostituição sagrada, cujas sacerdotisas praticavam o sexo com os clientes que pagavam dinheiro para sustento do culto. Todavia, não devem os limitar a referência a isso. O term o hebraico é to ’ebah, qualquer coisa que “desgosta” ou é “abominável”, apontando especificam ente para a idolatria, com suas muitas ramificações. Ver Deu. 23.17,18 e suas notas expositivas quanto à prostituição cultual. Todavia, o aspecto m ais repelente envolvido na idolatria era o sacrifício de crianças. Quanto a referências sobre essa questão, na qual o povo de Israel se envolveu, ver Deu. 18.10; II Reis 16.3; 17.17; 21.6; Jer. 7.31; 19.5; 32.35. Ver no Dicionário o verbete intitulado Moleque (Moloque), quanto a descrições completas sobre essa prática, e como Israel a acatou. O fato de que tão trem endos m ales estavam associados à idolatria deveriam ter agido com o um aviso absoluto contra a idolatria; mas Israel mostrava-se fraco e enfermiço, e acabou vitima dessa abominação.

Salomão edificou um lugar alto para a adoração a Moleque, no Monte das Oliveiras (I Reis 11.7), conforme fizeram outros reis de Israel (ver II Crô. 28.3 e II Reis 21.6).

12.32
Outro sumário encerra esta seção. Todos os sumários estão alicerçados sobre a obediência ao que acabara de ser afirmado. Cf. Deu. 2.13,19,28. No original hebraico do Antigo Testamento, este versículo introduz a seção que se segue, em vez de concluir a seção anterior. Nesse caso, este versículo é como Deu. 8.1 e 11.1 em sua função.

Nada lhe acrescentarás nem diminuirás. Isso porque a palavra era de Yahweh, não estando sujeita a revisões e interferências humanas. Ver Pro. 30.6 e Apo. 22.18,19 quanto a notas similares.