Hegel e Platão: Diferenças e Semelhanças

Hegel e Platão


Não foi Hegel o primeiro a tentar explicar o Universo a partir da ideia. 

Por outras palavras: várias vezes na filosofia se tentou afirmar que a ideia é, de alguma maneira, anterior às coisas. Entre estas várias tentativas apresentamos, para fins de comparação com o pensamento hegeliano, apenas duas: a de Platão e a de Kant. 

Para Platão as coisas não existem realmente, como seres independentes, com existência própria, autônoma. Existem como sombras. E sombra é sombra de alguma coisa. Se esta coisa não existe, nem também a sua sombra existirá. Nosso mundo é, para Platão, apenas sombras das verdadeiras realidades que estão fora do tempo e espaço, fora deste mundo. E que realidades são estas e que mundo é este?

São ideias existindo no mundo das Ideias

Vejo neste mundo uma mesa, uma cadeira, um lá­pis. Não passam de sombras das ideias de mesa, cadeira, lápis, que se encontram no mundo das Ideias. Estas, sim, é que têm realidade. Há coincidências e discrepâncias nisto entre Hegel e Platão. 

Primeiro, as coincidências. 

Esta cadeira, aquela e aquela outra, cada uma, individualmente, dependem, em sua existência, de uma ideia universal de cadeira. Digo “universal” enquanto supera os limites de cada indivíduo e se estende a toda a espécie “cadeira”. Como Hegel, Platão também entende que o mundo flui de universais. O universal é, portanto, para ambos, objetivo. Existem antes que eu os pense. Não sou eu que classifico as coisas, por exemplo, em cadeiras, mesas, lápis etc. Antes de minha mente, já estão classificadas. E esta classificação não é tirada dos objetos individuais (esta mesa, este lápis, esta cadeira). Ao contrário: estes objetos, individualizados, é que procedem, independentemente de minha mente, dos universais.

Mas há discrepâncias entre Platão e Hegel. 

Para alcançá-las, convém antes verificarmos dois tipos diferentes de universais. Há um tipo de universais marcados pela percepção dos sentidos. É próprio do olho perceber a cor e, através desta, a forma. (E poderíamos falar de outras percepções sensoriais.) Mas o que é sensitivo não é tão universal. Só se aplica a determinados seres - os materiais. E os universais de Hegel devem se aplicar a tudo o que é real, já que toda realidade deles promana. Platão também queria chegar até aí, na explicação de toda realidade, mas não parece ter alcançado a necessidade desta distinção. Analisando alguns silogismos, vemos melhor fundada a existência hegeliana desta distinção: 
Todo homem é mortal. 
Pedro é homem. 
Logo, Pedro é mortal. 
Neste silogismo estamos com três termos: “homem”, “Pedro”, “mortal”. “Pedro” não é um universal. Trata-se de um determinado homem, um indivíduo, portanto. E o próprio termo “homem”, embora já universalizado, porque não convém apenas a Pedro, mas a todos os homens, não é contudo tão universal. Não convém a plantas, animais e coisas. Onde entram elementos de percepção sensí­vel - como em “Pedro”, “homem”, “cadeira”, “lápis”, “mesa” - a própria universalidade fica algum tanto limitada. Mas neste próprio silogismo há categorias plenamente universais. Quando digo “todo” e digo “é”, estou falando de duas categorias: de “totalidade” e de “existência”. E estas duas categorias valem para quaisquer tipos de ser e para quaisquer outros termos que eu use para substituir estes três. Posso dizer: 
“Toda planta é vegetal”. 
A acácia é uma planta. 
Logo, a acácia é um “vegetal”. 
Ou ainda: 
“Toda esfera é redonda. 
Este globo é uma esfera. 
Logo este globo é redondo”. 
Começamos a entender que o puro universal, isto é, aquele que não tem nenhuma mistura de percepção sensível, é que deve ser, segundo Hegel, o tipo de razão que explica o Universo. Aquilo que deve ser, de algum modo, fonte de todos os seres, não pode ser aplicável apenas a alguns seres, como homem, mesa, etc. Citei o exemplo de “totalidade” e de “existência”. 

Outros exemplos podem ser citados para maior clareza, sem pretender com isto aqui exaurir a relação dos universais hegelianos: “ser”, “substância”, “qualidade”, “quantidade”, etc.



Fonte: Compreender Hegel, de Francisco Pereira Nóbrega, pp. 21-24.